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Editorial:
O petróleo é nosso
Carlos Vogt
Reportagens:
Petróleo: fonte renovável de guerras
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Participação do petróleo na matriz energética brasileira
História do Petróleo no Brasil
Pesquisa petrolífera do Brasil na fronteira do conhecimento
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O petróleo e a agressão ao meio ambiente
Setor de petróleo recebe apoio de grandes programas
Mercado competitivo requer profissional mais capacitado
Bacia sedimentar do Amazonas é a terceira em produção de petróleo
As mil e uma utilidades de um líquido negro que vale ouro
Artigos:
Mudança institucional e política industrial no setor petróleo
André Tosi Furtado
A base legal do novo setor de petróleo no Brasil
Natália A. M. Fernandes Vianna
Abertura e política de preços no setor de petróleo
Adriano Pires e Leonardo Campos Filho
Petróleo: por que os preços sobem (e descem)?
Adilson de Oliveira
O combustível automotivo no Brasil
Luiz Pontes
O fim do petróleo e outros mitos
Newton Müller Pereira
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Saul B. Suslick
A indústria petroquímica brasileira
Saul Gonçalves d'Ávila
CT-Petro: novo instrumento de política no setor petrolífero nacional
Adriana Gomes de Freitas
Poema:
Hercúleo
Carlos Vogt
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A base legal do novo setor de petróleo no Brasil

Natália Araujo Miller Fernandes Vianna

A partir de 1995, inicia-se o processo de abertura da indústria petrolífera e gasífera no Brasil, com a aprovação da Emenda Constitucional no 9, de 9 de novembro de 1995, que deu nova redação ao parágrafo primeiro do art. 177 da Constituição Federal de 1988, iniciando-se, também, o processo de regulamentação do mercado.

Apesar de continuar pertencendo a União o monopólio: (i) da pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos; (ii) da refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; (iii) da importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes da produção e refino do petróleo e gás natural e; (iv) do transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no país, bem como do transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem, a Emenda Constitucional no 9/95, permitiu que a União pudesse contratar empresas estatais ou privadas, observadas as condições estabelecidas em lei, em todas as atividades acima descritas, colocando fim a exclusividade da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) no exercício do monopólio, permitindo que novos players pudessem participar das atividades, trazendo um grande avanço e incremento para a indústria.

Porém, para tornar eficaz a Emenda Constitucional, houve a necessidade da criação da Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997 - "Lei do Petróleo", que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. Tal lei buscou abordar todos os pontos relevantes para que fossem efetivadas as mudanças necessárias no novo cenário que estava surgindo, incluindo, de maneira correta, o petróleo, seus derivados e o gás natural no conceito de fontes de energia, sujeitando-os à política energética nacional, seus princípios e objetivos, estabelecidos no art. 1o da Lei.

Além do monopólio, a União Federal também não perdeu, segundo o art. 3o da Lei do Petróleo, a propriedade dos "depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos existentes no território nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva", da mesma forma que ocorre em quase todo mundo, exceto nos Estados Unidos, que é o único país onde os recursos minerais do subsolo pertencem aos proprietários das terras onde os mesmos estão situados. Portanto, a transformação da concepção ocorrida foi, tão somente, na forma do exercício do monopólio, que passou a ser exercido, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no país, mediante: (i) concessão, que deverá ser precedida de licitação e só será efetivada através de contrato de concessão e apenas para as atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural ou; (ii) autorização, que é concedida para as atividades de refino de petróleo, processamento de gás natural, transporte e importação e exportação de petróleo, seus derivados e gás natural.

Não obstante a propriedade dos depósitos de hidrocarbonetos serem pertencentes ao Estado, efetivada a concessão para exploração e produção de petróleo ou gás natural, em caso de êxito do concessionário, este passa a ser proprietário dos bens extraídos, cabendo-lhe, também, os encargos e tributos incidentes.
É importante frisar que, a mudança de cenário que ocorreu não implica em afirmar que o Estado deixou de ser produtor e provedor, uma vez que continua participando dessas atividades através da Petrobras, porém, ele não é mais o único produtor e provedor do mercado, tendo adquirido, também, um novo papel, o de Estado Regulador, e exerce essa nova função através da Agência Nacional do Petróleo (ANP), órgão da Administração Pública Federal Indireta, submetido ao regime autárquico especial e vinculado ao Ministério de Minas e Energia, que, agora, possui o ônus de garantir o abastecimento do mercado nacional - ônus que era da Petrobras - e, que tem como finalidade precípua, além da promoção da contratação, apenas das atividades econômicas de que trata o art. 177 da Constituição e da fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, "no sentido da educação e orientação dos agentes do setor, bem como da prevenção e repressão de condutas violadoras da legislação pertinente, dos contratos e das autorizações", a promoção da regulação, que deverá ser feita "no sentido de preservar o interesse nacional, estimular a livre concorrência e a apropriação justa dos benefícios auferidos pelos agentes econômicos do setor, pela sociedade e pelos consumidores e usuários de bens e serviços da indústria do petróleo". 1

Segundo Marcos Juruena Villela Souto, em seu livro "Desestatização, Privatização, Concessões e Terceirizações", a ANP, em sua natureza jurídica, é uma agência reguladora voltada para intervenção no mercado específico do petróleo, como o objetivo de regular a relação entre a oferta, com qualidade e preço acessível, e demanda, isso porque, apesar de não haver um consenso entre os juristas sobre qual o conceito de regulação, o ponto consensual é a necessidade de estabelecer princípios para as atividades que possuem natureza de monopólios naturais, para que sejam minimizadas as forças de mercado através de controles sobre os preços e a qualidade do serviço, assegurando a competição e viabilizando a existência e continuidade do mercado, além de assegurar, também, a prestação de serviço de caráter universal e a proteção ambiental. Portanto, a regulação desenvolve-se de acordo com os seguintes princípios: (i) mercado regulado para competição; (ii) Estado-intervencionista ou Estado-regulador; (iii) agências de regulação dotadas de autonomia e especialização; (iv) atenção aos monopólios naturais; (v) ambiente de transição, cabendo ao Estado supervisionar o poder de mercado dos operadores, zelar pela implantação de um novo modelo organizacional, arbitrar conflitos e completar o processo de regulação normativa e; (vi) garantia do interesse público.2

Todas as funções de competência da ANP, estão previstas na "Lei do Petróleo" e no Decreto nº 2.455, de 14 de janeiro de 1998 que implantou a agência, mas, existe ainda uma função de extrema relevância que deve ser ressaltada e que está estipulada no art. 10, da Lei nº 9.478/97: "quando, no exercício de suas atribuições, a ANP tomar conhecimento de fato que configure ou possa configurar infração da ordem econômica3, deverá comunicá-lo ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE4, para que este adote as providências cabíveis, no âmbito da legislação pertinente.".

Apesar de podermos verificar que, no âmbito regulatório, a ANP já deu importantes passos, cabe lembrar que ainda resta pela frente um longo processo de aprendizado e estabilização da regulação, para que o ideal - um mercado que caminhe sem necessidade de constantes intervenções estatais - seja alcançado.

Natália Araujo Miller Fernandes Vianna, advogada e consultora associada da Expetro - Consultoria Internacional em Petróleo e Gás Ltda., na Equipe de Regulação Estratégia e Contratos. Tem pós-graduação em Petróleo, Gás Natural e Energia pela COPPE/UFRJ.

Notas:
1. Decreto no 2.455, de 14 de janeiro de 1998 [voltar]

2. SOUTO, Marcos Juruena Villela, Desestatização, Privatização, Concessões e Terceirizações, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2000. 557p. [voltar]

3. Os Crimes Contra a Ordem Econômica estão tipificados na Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, e define como crime, apenado com detenção de um a cinco anos, a aquisição, distribuição e revenda de derivados de petróleo e gás natural, álcool etílico hidratado carburante e demais combustíveis carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei e o uso de gás liquefeito de petróleo em motores de qualquer espécie ou para fins automotivos, em desacordo com as normas estabelecidas em lei; e, também, tipifica como crime, com pena de detenção de um a cinco anos e multa, a produção de bens ou exploração de matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. [voltar]

4. A questão da defesa da concorrência encontra conflitos quanto à competência entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça - CADE (órgão de defesa da concorrência) que, através da Lei da Defesa da Concorrência, visa proteger a competição, assegurando que o mercado permaneça aberto à entrada de novos agentes e evitando que monopólios públicos sejam transformados em monopólios privados, e a Agência Nacional de Petróleo - ANP (órgão regulador) que regula, basicamente, duas indústrias distintas: a indústria do petróleo e a indústria do gás natural, que possuem, como ponto em comum, características de monopólio natural em determinados setores da cadeia, como por exemplo na indústria de gás natural, nos segmentos de transporte e distribuição.
Ocorre que, ao contrário do que acontece com a ANEEL que possui alguns poderes a fim de regular as estruturas de mercado, a lei 9.478/97, não gerou para a ANP poderes para regular a defesa da concorrência, apesar de estipular que seja fomentada a competição nos segmentos da indústria em que é possível. A solução encontrada para esse conflito foi a criação de um convênio entre a ANP e o CADE, cabendo a ANP emitir pareceres técnicos, auxiliar nas questões relativas à indústria de petróleo e gás, informar qualquer prática que possa provocar efeitos anti-competitivos e comunicar qualquer fato que possa configurar uma infração à ordem econômica e ao CADE a aplicação da Lei da Defesa da Concorrência, monitoramento e acompanhamento das práticas de mercado e promoção de processos administrativos para apurar as suspeitas de infração da ordem econômica. [voltar]


 
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Atualizado em 10/12/2002
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