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Pandemia de neoliberalismo: a ortodoxia nunca desafiada

Por Rafael Evangelista

Passados mais de seis meses desde a decretação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) da pandemia do novo coronavírus, o novo normal brasileiro na verdade continua um ciclo iniciado entre 2015 e 2016, e que parece longe de acabar. Tratou-se de fato de uma ruptura radical com a ideia de que cabe às instituições democráticas e seus representantes organizar a vida social e o uso dos recursos materiais tendo em vista a sobrevivência e o bem-estar geral da população. Uso a palavra “cabe” aqui tanto no sentido do que é possível como entendendo que há uma responsabilidade, uma obrigação de ação. Muitos entenderam que a pandemia, embora trágica, seria uma oportunidade para rever certas omissões, para pactuar nacionalmente uma organização social que nos oferecesse, enquanto sociedade, uma maior capacidade de sobreviver a tragédias e imprevistos. Em lugar disso ganhamos um “e daí?”, repetido em diversas situações. Continue lendo Pandemia de neoliberalismo: a ortodoxia nunca desafiada

Instrumentação maquínica: como as plataformas sociais produzem nossa desmobilização política cotidiana

Por Rafael Evangelista

Enquanto o totalitarismo transforma a alma dos sujeitos, seu motor interior, o “instrumentarismo” trata os indivíduos como máquinas informacionais ou como animais em experimentos do behaviorismo radical: estímulos elaborados para a obtenção de determinadas ações. O modo de atuação do instrumentarismo envolve um conjunto complexo e variado de influências sutis, pouco ou nada perceptíveis, que operam sobre nós no contato com o digital. Assim, a saída pela ruptura não ocorreu: perto dos cem mil mortos, o Brasil empilha corpos e acumula indiferença frente àqueles que têm que se expor a níveis variados de risco para continuar sobrevivendo. Continue lendo Instrumentação maquínica: como as plataformas sociais produzem nossa desmobilização política cotidiana

Aceleração, exceção e ruptura: disputas tecnopolíticas num mundo pandêmico

Por Rafael Evangelista

A rigor, ninguém tem ideia do que vai acontecer daqui pra frente, depois da emergência do SARS-CoV-2. Há vários fatores, ainda incertos, que podem alterar o cenário. Não sabemos na totalidade os efeitos da doença no corpo humano; se as pessoas de fato criam imunidade depois de contaminadas; sabemos que seu surgimento foi natural, mas estamos incertos sobre como e quando surgiu o vírus; e há muito ainda a se descobrir sobre o processo de transmissão, contágio e espalhamento aéreo do vírus pelo ar ou sobre sua vida em superfícies, entre outros fatores. Mas parece que, a depender não só do que ainda temos a descobrir, estamos numa encruzilhada, que se abre por três caminhos em disputa social e política global: a exceção, a ruptura e a aceleração. O desfecho, o pós pandemia, vai estar relacionado a como vamos interpretá-la e enfrentá-la agora, a partir dessas estratégias, que por sua vez estão ligadas a visões diferentes sobre a pandemia. Continue lendo Aceleração, exceção e ruptura: disputas tecnopolíticas num mundo pandêmico

Divulgação científica entrou em rota de colisão com neofascismo, tropa de choque do neoliberalismo

Por Rafael Evangelista

Jornalistas de ciência e comunicadores científicos passaram a ser alvo do mesmo tipo de perseguição que profissionais da informação política já vêm sofrendo há algum tempo. Esses dois fenômenos são correlatos. Alguns divulgadores estão assumindo um protagonismo necessário em defesa da precaução, do cuidado e da vida, acima das demandas de um sistema produtivo que se recusa a parar – a despeito das mortes que produz. Continue lendo Divulgação científica entrou em rota de colisão com neofascismo, tropa de choque do neoliberalismo

Mentiras lucrativas: modelos de negócio da web exploram radicalismos e ameaçam democracias

Por Rafael Evangelista

A má informação é mais popular, mais sensacional, gera mais cliques, mais reações emocionais, entretenimento e engajamento do que a informação verdadeira. E a reação das plataformas, até mesmo por esses motivos, tem sido estruturalmente agnóstica, ou seja, de incorporação do desvio como se fosse parte da normalidade. A má informação se tornou um negócio, tanto do ponto de vista político quanto do ponto de vista financeiro. A frase “não é bug, é feature” se aplica muito bem aqui, porque a má informação é incorporada e usufrui do sistema de recompensas hoje instituído. Continue lendo Mentiras lucrativas: modelos de negócio da web exploram radicalismos e ameaçam democracias

Embrapa e Unicamp debatem pós-verdade e jornalismo científico em 14 de novembro

4º Encontro Mídia e Pesquisa, no Centro de Convenções da Universidade de Campinas, trará convidados como Maurício Tuffani (Direto da Ciência), Roberto Romano (Unicamp), Jorge Duarte (Embrapa), Carlos Alberto Zanotti (PUC-Campinas), Daniel Bramatti (O Estado de S. Paulo) e Ângela Pimenta (USP) Continue lendo Embrapa e Unicamp debatem pós-verdade e jornalismo científico em 14 de novembro

Hypernormalisation de Adam Curtis não é sobre fake news, é sobre a raiz desse mal: o ataque à política

Por Rafael Evangelista

Os cortes, a montagem, a narração afirmativa, a música pop cuidadosamente encaixada e repetida, a seleção cuidadosa de imagens de arquivo e sobras de gravação que nunca foram ao ar, tornam fácil associar o cinema de Adam Curtis ao que ele busca nos alertar: a corrupção do real, do fato, da informação, do encadeamento histórico em benefício de uma mistura histérica e manipulativa entre realidade e ficção. A escolha irônica desse formato, que por vezes afasta alguns espectadores descrentes, é a grande força de Curtis, é o que torna seus documentários tão impactantes e atuais. Mas não devemos nos enganar, o cineasta inglês é, acima de tudo, um jornalista, um rato de arquivo mergulhado na memória do noticiário internacional, cuidadosamente elencando acontecimentos, interesses e ideias vindas de áreas díspares da cultura e da economia global. A sua maneira, Curtis é também um divulgador crítico da ciência e das teorias sobre o homem. Seus temas e análises, embora pareçam tirados da cartola, sempre estão em diálogo com intelectuais críticos do nosso tempo, muitos deles figurando nos próprios filmes. Continue lendo Hypernormalisation de Adam Curtis não é sobre fake news, é sobre a raiz desse mal: o ataque à política