Uma breve trajetória da questão ambiental recente na China

Por Marcos Costa Lima e Tatiane Souza de Albuquerque

A questão ambiental tem sido incorporada na política de diferentes países, que buscam direcionar esforços com o intuito de amenizar a sua pegada de carbono, garantindo um processo de desenvolvimento mais sustentável. A fim de entender os problemas que o maior emissor de poluentes tem enfrentado, este artigo tem como objetivo identificar quais são os maiores dilemas ambientais na China e quais políticas ambientais foram adotadas recentemente. Como resultado dessa pesquisa, foi observado que após mudanças estratégicas por parte do governo chinês houve uma melhora recente na qualidade do ar, porém os problemas ambientais ainda são diversos e algumas soluções permanecem no âmbito do imaginário, necessitando de um maior alinhamento entre os poderes central e locais para pôr as políticas ambientais em prática de modo mais eficiente e assertivo. Além disso, solucionar o problema da corrupção é fundamental, visto que atrasa os resultados e afasta investimentos no setor. Diante da escolha entre reduzir a pegada de carbono e manter o crescimento do PIB, cabe acompanhar os desfechos da trajetória que a China irá percorrer a fim de entender como as metas de neutralidade de carbono até 2060 serão atingidas.

Introdução

Durante sua trajetória de ascensão econômica, que tem início ao final da década de 1970 após reformas importantes lideradas por Deng Xiaoping, a China teve como efeito colateral um conjunto de prejuízos ao meio ambiente. Hoje, a corrida se estabelece entre a convalescença desses problemas e a garantia do seu crescimento econômico. Este texto, ainda que limitado para análises mais detalhadas, tem por objetivo evidenciar tais danos e, em seguida, os avanços no tratamento dessas questões ambientais, que por muitos anos foram negligenciadas por não serem consideradas parte fundamental da agenda desenvolvimentista.

A fim de entender melhor o caso chinês, faz-se necessário evidenciar o cenário ambiental em escala global. Assim, o gráfico 1 revela a distribuição dos setores que mais contribuem para o efeito estufa[1], segundo o World Resources Institute[2].

Gráfico 1 – Gases do efeito estufa por setor (2018)

Fonte: página do Sunset Energia.[3]

De acordo com o gráfico 1, é possível identificar que os principais setores responsáveis pela poluição são, respectivamente, a geração de energia elétrica (24,90%), indústria (14,70), transporte (14,30%). Assim, entender como alguns países chave debatem a problemática e como vêm operando diante desse cenário torna-se fundamental para a pauta do combate às mudanças climáticas.

Por se tratar de uma problema sem fronteiras, a luta contra as mudanças climáticas deve abranger a todos os países e cada ator enfrenta a problemática de acordo com seus interesses políticos e estratégicos. Os efeitos negativos da degradação ambiental podem variar a depender das condições geográficas de determinada região, sem no entanto se delimitar àquele espaço. Alguns exemplos são a poluição do ar, que pode percorrer longas distâncias, e o desmatamento, que desestabiliza o ciclo da água afetando grandes regiões. Esses desequilíbrios no ecossistema são facilitadores de problemas que põem a vida humana em risco.

Torna-se, portanto, imperativo entender como tais desequilíbrios surgem ao longo da história e que nesse processo os tomadores de decisão são os principais responsáveis pelas medidas para amenizar os impactos negativos do mau uso da natureza. As mudanças climáticas são resultado de todo um comportamento cultural, potencializado pela dinâmica do atual sistema econômico. Longe de ser um problema simples, exige abordagens multifacetadas, visto que deve-se unir esforços não só do corpo político mas também das corporações e da sociedade como um todo.

O meio ambiente na China

Hoje, a China é um dos maiores responsáveis pela emissão dos gases do efeito estufa (GEE) do mundo. O país emite cerca de 9.825,8 milhões de toneladas de CO2 e é responsável por 28,8% de todo gás carbônico emitido no mundo[4]. Em termos comparativos, gera mais GEE que todos os países do continente europeu juntos.

Apresentando a maior população do mundo, a China tem desafios tão extensos quanto a sua diversidade. Entender as características geográficas torna-se igualmente importante para que seja possível assimilar a dimensão dos interesses por trás dos projetos e das políticas aplicadas por região. Portanto, elaborar estratégias assertivas para lidar com as necessidades de suprimento de água e energia, por exemplo, em todo o território chinês, além de direcionar esforços para melhorar a qualidade do ar em muitas regiões industriais, implica esforços importantes ao governo chinês.

O rápido processo de industrialização levou a China a desenvolver problemas com a poluição do ar e da água, estresse hídrico, erosão do solo, desflorestamento, desertificação e perda da biodiversidade (Smil, 2005). No gráfico abaixo é possível identificar o crescimento das emissões de CO2 entre o período de 2009 a 2019 entre a China, a Europa, os Estados Unidos e o Brasil.

Gráfico 2 – Emissões de CO2 entre 2009 e 2019 na China, Europa, EUA e Brasil

Fonte: página do Sunset Energia [5]

As emissões globais de CO2 apresentam uma queda suave nos centros desenvolvidos, como os EUA e a Europa, mas não na China, como se pode ver no gráfico 2 acima. O Brasil, devido à sua matriz energética majoritariamente limpa, permanece em níveis bem baixos, comparando-o com as demais regiões. Isso revela que ainda há uma tendência de crescimento das emissões de poluentes nos anos recentes por parte da China, o que acarreta mais indagações quanto ao que tem de fato sido feito no país para atingir as suas metas de sustentabilidade.

Em um estudo sobre a atuação da China com relação aos desafios ambientais, um gargalo de eficiência foi identificado entre as agências de fiscalização, ainda que os departamentos governamentais tenham recebido maior liberdade para tomar medidas legais contra os infratores das novas regras ambientais (Khan, 2018). Assim, um dos passos iniciais seria garantir uma implementação correta das políticas e fiscalizações para que de fato haja responsabilidade e justiça ambiental.

Na primeira conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente em Estocolmo, em 1972, o governo chinês apresentou um ponto de vista considerado desacertado: “Não deixaremos de comer por medo de morrer asfixiados, nem de desenvolver nossa indústria por medo de poluir o meio ambiente” (Sternfeld e Waldersee, 2006).

Ignorar as violações às leis ambientais sempre foi uma prática comum para as autoridades locais na China, sobretudo nas províncias pobres que apresentavam baixos níveis de desenvolvimento e investimentos. Essas regiões também são afetadas desproporcionalmente por más condições ambientais (Shapiro, 2007). O governo chinês considerava que as pressões internacionais sobre o meio ambiente eram meros pretextos empregados pelas nações ricas para controlar o desenvolvimento econômico dos países em via de rápida industrialização, uma forma de mantê-los numa posição subalterna. Além do mais, as nações mais ricas do mundo passaram por um período de maior emissão de poluentes em seu processo de desenvolvimento no passado. Agora, a China estaria passando por esse processo, esperando que no futuro não precisasse mais gerar tal quantidade de poluentes.

O gráfico 3 revela como os EUA continuam sendo os maiores emissores cumulativos no caso de uma análise desde o ano de 1750 a 2018.

Gráfico 3 – Emissões cumulativas de dióxido de carbono em todo o mundo pelos principais países

Fonte: página do Statista[6]

Durante esses anos da era industrial[7], muitas mudanças aconteceram. Em 2005, o ministro do meio ambiente chinês, Pan Yue, considerado favorável à linha de reformas, apresentou uma imagem assustadora do lado sombrio do desenvolvimento, insistindo na necessidade de mudar o enfoque da prioridade econômica, alertando com precisão que o meio ambiente não estava conseguindo acompanhar a aceleração econômica: um terço do território chinês é atingido por chuva ácida; um quarto da população não tem acesso à água limpa para o consumo. Um terço dos que residem em áreas urbanas é obrigado a respirar um ar fortemente poluído, menos de 20% dos resíduos sólidos urbanos são dispostos de forma ambientalmente correta (Zhang; Gu; Li; Zhang, 2019).

Segundo o antigo dirigente da comissão nacional de recursos e preservação ambiental, Qu Geping, foram gastos durante o 10º Plano Quinquenal (2001-2005) 1,4% do PIB para a preservação do meio ambiente. Porém, os custos diretos e indiretos causados pela poluição e destruição ambiental foram muito maiores. As informações divulgadas pela agência de notícias Xinhua, de junho de 2005, calculou os custos da degradação ambiental nas dez províncias ocidentais em valores que ultrapassaram 13% do PIB, ou seja, 15 bilhões de euros por ano (South China Morning Post, 2005).

Para além dos efeitos danosos acima apontados, podemos ainda listar outros, que são igualmente graves: o progressivo desmatamento, a falta de água, a erosão dos solos e a desertificação, a destruição do habitat devido a catástrofes como enchentes, secas e terremotos. A partir da segunda metade do século XX vieram somar-se, em decorrência de uma industrialização orientada para o crescimento rápido e a intensificação da agricultura, componentes “modernos” da carga ambiental como poluição do ar e dos recursos hídricos, contaminação dos solos e do lençol freático por poluentes além de contaminação de produtos agrícolas por substância nocivas assim como poluição sonora (Sternfeld e Waldersee, 2006). Outro ponto extremamente relevante é a geografia e o relevo da China, uma distribuição desfavorável das terras aptas para uso agrícola e o difícil acesso aos recursos hídricos que, desde sempre, tem sido um problema no país.

Quase dois terços do território consistem em desertos e montanhas acima de mil metros de altitude, que permitem – na melhor das hipóteses – uma agricultura apenas marginal. No terço restante, localizado principalmente na região leste do país e onde vivem quase 90% da população de mais de um bilhão de pessoas, o uso intensivo dos solos e a alta densidade demográfica geram forte pressão sobre os recursos naturais.

Assim, há uma distribuição regionalmente desigual dos recursos hídricos: mais de 80% dos recursos encontram-se na região de Yangzi e no sul, enquanto o norte e noroeste da China, com 550 milhões de habitantes, sofrem de extrema escassez de água. O Yangzi (Yangtze) é o maior rio da Ásia, nasce no Tibet e percorre 6.300 quilômetros desde sua nascente, nos montes Kunlum (Chingai e Tibete) até ao mar da China Oriental, sempre na República Popular da China. Sua bacia hidrográfica irriga as regiões mais férteis da China. É, tradicionalmente, considerado como a fronteira natural entre as regiões culturais do norte e sul da China. Junto com o rio Amarelo, o Yangtze é o rio mais importante da históriacultura e economia da China.

A questão urbana é fortemente prejudicada pela poluição ambiental, que tem origem na combustão de carvão com alto teor de enxofre e cinzas, a qual é ampliada por emissões dos automóveis, sendo talvez o problema mais relevante nas grandes cidades. Devido à forte dependência da queima de combustíveis fósseis, principalmente carvão e outras atividades humanas, a China também é destaque em se tratando de chuva ácida – provocada pelo dióxido de enxofre (SO2).

O Banco Mundial, em relatório sobre as 20 metrópoles mais poluídas, identificou 16 na China com os piores índices mundiais de qualidade do ar. Para se ter maior clareza sobre a distribuição das cidades mais populosas, abaixo encontra-se o mapa da densidade populacional da China a fim de identificar os maiores centros urbanos do país.

Mapa 1: Densidade populacional na China

Fonte: China Mike[8]

Outro problema sério é o destino das águas utilizadas e o saneamento básico. Muito embora a “lei contra a poluição dos recursos hídricos” obrigue, desde 1996, todos os municípios acima de 500.000 habitantes a construir uma estação de tratamento de esgotos, essa meta está muito longe de ser atingida. Assim, a província de Sichuan (86 milhões de habitantes) dispõe apenas de 12 estações municipais com uma capacidade total para processar 780.000 metros cúbicos por dia. Na província de Jiangxi existe, para 42 milhões de pessoas, apenas uma estação de tratamento de esgotos. O resultado da ausência de tratamento de esgoto faz com que 70% dos corpos d’água da China sejam considerados altamente poluídos, o que representa um grave problema de saúde pública. Como afirmam Sternfeld e Waldersee (2006), cerca de 300 milhões de pessoas na China não têm acesso à água limpa potável.

Muitas cidades do país se voltaram para a extração de água subterrânea para atender às crescentes necessidades, principalmente as do norte da China, que são grandes e as que mais apresentam carência. Em 2010, as águas subterrâneas forneceram mais da metade da água para Hebei, Pequim, Henan e Shanxi. Devido à superextração das águas subterrâneas, as superfícies do solo afundaram em algumas áreas e a água do mar que flui para o interior também é um problema sério em algumas regiões costeiras.

Os desafios ambientais recentes e a postura chinesa

Desde 2010 e China passou a ser um dos maiores protagonistas no combate à poluição. O carvão sempre foi a principal fonte de energia, mas tal cenário tem se mostrado favorável a mudanças pois está na raiz de muitos de seus problemas: é a causa de 70% de sua poluição mais perigosa – a de partículas inferiores a 2,5 microns de diâmetro – e de 80% de suas emissões de dióxido de carbono.

A China vem reduzindo seu consumo desse mineral, que correspondeu a uma queda de 2,9% em 2014, 3,7% em 2015, e 4,7% em 2016, segundo o Departamento Nacional de Estatísticas. Três milhões de moradias no norte do país terão suas caldeiras de carvão substituídas por equipamentos elétricos ou a gás natural. Serão eliminados mais de 50 gigawatts de capacidade nas usinas elétricas alimentadas por carvão, e mais de 150 milhões de toneladas de capacidade de produção de carvão. No ano de 2016 o corte foi de 290 milhões de toneladas (El País, 2017). O carvão continua sendo a principal fonte de energia da China. Porém, vem apresentando queda na sua participação na matriz energética do país, saindo de 70,2%, em 2003, para 57,7%, em 2019.

Segundo o 13º Plano Quinquenal, o consumo de energia de fontes não-fósseis deveria subir para 15% do total em 2020 dos 12% atingidos em 2015. Para isso, o governo central precisa orientar o foco das políticas para a demanda, com atenção particular às complementaridades dos sistemas de energia renovável, como o aumento do percentual de gás natural no consumo total (de 5,9% em 2015 para 10% em 2020) e o desenvolvimento de sistemas de armazenamento, de geração distribuída e de redes inteligentes para aumentar a eficiência do sistema e reduzir custos operacionais. Apesar de terem sido citadas nos planos quinquenais anteriores, é somente a partir de 2016 que as duas últimas ganham maior relevância no planejamento e metas no “Plano de Ação de Revolução da Inovação de Tecnologia da Energia”, por exemplo (Zotin; 2018).

No mapa 2 abaixo é possível identificar a distribuição média das emissões do CO2 desde 1991 a 2010.

Mapa 2: Distribuição média das emissões de dióxido de carbono tomadas de 1991-2010

Fonte: Zhao; Burnett; Fletcher, 2014[9]

O mapa 3 evidencia o aumento do estresse hídrico na China. Vê-se que a área em estresse hídrico se situa sobretudo no norte e no noroeste, mas que se espraia por outras regiões do país.

Mapa 3 – Aumento do estresse hídrico na China entre 2001 e 2010

Fonte: China Water Risk[10]

O ministro da Proteção Ambiental, Zhou Shengxian, publicou um artigo em 2011 no qual afirma: “Nos milhares de anos de civilização da China, os conflitos entre a humanidade e a natureza  nunca foram tão sérios quanto são hoje. O esgotamento dos recursos naturais e a deterioração do meio ambiente são sérios gargalos que restringem o desenvolvimento econômico e social “ (Zhou; 2011).

Segundo Shapiro (2007), ainda há muito o que ser planejado e revisado na política mas sem esquecer do estímulo à mudança de comportamento que deve ser colocada à população a fim de gerar ao menos maior interesse por parte dos cidadãos. Para isso é preciso alterar comportamentos culturais. E o autor completa:

Os desafios são múltiplos: controlar a poluição industrial e, ao mesmo tempo, apoiar a reforma das estatais; investir em infraestrutura ambiental e, ao mesmo tempo, garantir que os arranjos institucionais estejam em vigor para obter o retorno do investimento; promover a coesão institucional, ao mesmo tempo que concilia fortes interesses adquiridos; encorajar o envolvimento dos cidadãos enquanto mantém o apoio das elites políticas e superar as barreiras psicológicas que refletem tradições arraigadas e formas arraigadas de pensamento. Os esforços para fortalecer a capacidade ambiental devem ser baseados em uma compreensão profunda das necessidades de desenvolvimento da China, interesses políticos, práticas institucionais e tradições e atitudes sociais (Shapiro, 2007, p.180).

No que tange a empresas e investidores, o resultado de um estudo confirma que os fluxos de investimento estrangeiro direto (IED) diminuem o investimento ambiental local para projetos de tratamento da poluição além da taxa de emissão de poluição paga por empresas infratoras, o que novamente apoia a existência de paraísos poluidores na China. O impacto do IED depende do grau de combate à corrupção do governo (Zhang, 2014). Dessa forma, a questão da corrupção tem um peso considerável no balanço final das políticas de proteção ao meio ambiente.

Sobre a participação da sociedade, de acordo com pesquisas de opinião pública sobre o tema, foi identificado que os mais jovens tendem a concordar com a relevância do tema e da ação individual em resposta às mudanças climáticas (Yu; Zhang; Wang; Wei, 2013). A recomendação, no entanto, é que o governo direcione a sua população para a realidade do problema, incitando-os a agir.

Na parte 10 do 13º Plano Quinquenal, referente aos capítulos 42 a 48, o meio ambiente é retratado com maior detalhamento. Sobre o Plano Nacional Chinês de Implementação da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável de 2030, é possível encontrar o comprometimento interno, assim como segue:

No nível doméstico, a capacidade de governança nacional tem sido constantemente fortalecida em um ambiente político estável. O 13º Plano Quinquenal introduziu o conceito centrado nas pessoas de desenvolvimento inovador, coordenado, verde, aberto e compartilhado, fornecendo a orientação teórica para os esforços da China para implementar a Agenda 2030 e promover o desenvolvimento sustentável (Xie, 2017, p. 9).

De uma forma ou de outra, o governo chinês costuma alcançar os seus objetivos e metas, ainda que realizando algumas alterações em seu planejamento ao longo dos anos. A dependência demasiada do carvão, por exemplo, levou a um reajuste sobre o destino que essa fonte fóssil teria na sua matriz energética, isto é, ao invés de cessar o uso do carvão, o mesmo será utilizado em uma versão menos poluente conhecido como “carvão limpo”(Chang, 2016). Trata-se, portanto, de uma estratégia para amenizar os impactos das emissões de poluentes, porém, não poderá ser considerada como uma panaceia capaz de direcionar o país à sua responsabilidade da neutralidade de carbono até 2060.

Avanços: do discurso aos resultados (prática)

Em 2014, Li Keqiang, primeiro ministro anunciou uma mudança nos rumos do país: “Vamos declarar guerra à poluição assim como declaramos guerra à pobreza”. Assim, esse período da implementação do 13º PQ foi fundamental para a realização de uma mudança no país, revelando um despertar, ainda que inicial, para a necessidade de se realizar políticas voltadas à mitigação dos problemas ambientais na China. Assim, o país trabalha no sentido de ter o ar mais limpo até 2030. Para tanto, o governo tem implementado várias medidas, incluindo a redução da dependência do carvão nas indústrias e a substituição por energia menos poluente. Além disso, o governo tem buscado reduzir o número de veículos com combustíveis fósseis nas cidades.

Até o ano de 2020, a China esperava aumentar sua cobertura florestal em 23%. No início de 2018, cerca de 60.000 soldados foram incumbidos de plantar 32.400 milhas quadradas de árvores.

Quadro 1 – Poluição em 9 maiores cidades da China – em PM2.5/ 2015

Prefeitura População (milhão) 2013 2017 Diferença Anos de Vida
Shangai 28.810 62.5 40.5 -21.9 2.3
Beijing 19.323 90.6 58.8 -31.8 3.3
Chonqing 16.078 58.6 42.7 -15.9 1.6
Chengdu 14.418 94.2 54.3 -39.8 4.1
Gangzhou 13.052 51.7 37.7 -14.0 1.4
Tiajin 11.297 99.1 63.6 -35.6 3.7
Sozhou 10.707 70.6 44.7 -25.9 2.7
Shijazhuang 10.286 133.4 81.7 -51.7 5.3
Lynyl 10.286 61.9 49.6 -12.3 1.3

Os impactos negativos provenientes de uma má gestão ambiental no passado já podem ser vistos em pesquisas sobre a saúde pública, que revelam uma queda na expectativa de vida dos chineses que moram mais ao norte do país[11]. No entanto, como se pode perceber por esses dados oficiais, as políticas urbanas de combate à poluição têm surtido bons resultados, haja vista a redução ocorrida em apenas quatro anos nessas cidades chinesas, que refletem também em ganhos na expectativa de vida.

Ressaltando algumas declarações oficiais de Xi-Jinping sobre a questão ambiental, o presidente chinês protagonizou diferentes discursos no qual o interesse por uma postura mais assertiva com relação ao meio ambiente tem sido reforçado. Ele diz: “Construir de mãos dadas uma bela casa na Terra com ecologia boa” (China, 2013); além disso, ele segue com uma promessa de “convivência harmoniosa entre homem e natureza”, em referência à preocupação com o meio ambiente e ao suprimento das necessidades energéticas chinesas; “água limpa e montanha verde são os recursos mais preciosos” (China, 2013). Novamente na Cúpula de Paris, enfatiza os esforços em se “estabelecer a nova estrutura da construção de modernização com o desenvolvimento harmonioso entre a humanidade e a natureza.” (China, 2015). Em outro momento, ele segue: “a conservação ecológica e a proteção ambiental são causas contemporâneas que beneficiarão muitas gerações futuras” (China, 2015). Já na cúpula empresarial do G20, ele ressalta: “melhorar o meio ambiente é desenvolver a força produtiva […] um bom ambiente ecológico é o bem público mais justo e o bem-estar mais acessível para a população […] Um ambiente ecológico sólido é a base fundamental para o desenvolvimento sustentável da humanidade e da sociedade” (China, 2016). E segue:

A qualidade do ambiente ecológico é a chave para construir uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos [...] O desenvolvimento econômico não deve ser alcançado ao custo da ecologia. O ambiente ecológico em si é a economia. Proteger o meio ambiente é desenvolver a produtividade [...] pegar o caminho verde, de baixo carbono, circular e de desenvolvimento sustentável [...] protegeremos os ecossistemas tão preciosamente quanto protegemos nossos olhos, e os estimaremos tanto quanto valorizamos nossas vidas [...] A história das civilizações mostra que a ascensão ou queda de uma civilização está intimamente ligada à qualidade do ambiente ecológico (China, 2015).

O estudo sobre a diminuição da expectativa de vida da população mais ao norte do país, como mencionado anteriormente, revelou que apesar de por muito tempo a China não ter conseguido alcançar as metas de qualidade do ar, os impactos reais têm diminuído e a expectativa de vida aumentado. Isso quer dizer que algumas mudanças práticas têm revelado efeitos positivos que, se continuados, estimulados e impulsionados, poderão reverter a grave situação em que se encontra o ar no norte da China.

Sobre as estratégias para as mudanças climáticas da China, a conservação de energia é um dos pontos mais altos de sua estratégia. Além disso, metas para a redução dos GEEs vêm sendo incorporadas nas políticas ambientais desde 2009 (Barbi; Ferreira; Guo, 2016). A fim de responder a essas exigências, a realização da transição energética torna-se chave, visto que mais de 50% de sua matriz energética ainda é composta por carvão[12]. Para isso, os investimentos têm sido direcionados para as fontes mais limpas como a hidrelétrica, a nuclear, além da eólica e solar, que apresentaram um crescimento considerável nos últimos anos.

É preciso um engajamento maior visto que é um problema coletivo e que exige a participação dos cidadãos para supervisionar tais reformas. A China tem problemas urgentes como a questão da empregabilidade. Normalmente, as políticas ambientais, apesar de fundamentais, possuem resultados de longo prazo (Barbi; Ferreira; Guo, 2016). Justamente por isso, os governos locais não têm incentivos suficientes para pressionar as empresas e demais infratores.

O termo “civilização ecológica” foi mencionado algumas vezes no 13º Plano Quinquenal da China. Trata-se de uma estrutura do governo que visa desenvolver leis e políticas ambientais por meio de inovações tecnológicas a fim de resolver ameaças, mas sem ignorar o desenvolvimento econômico (Hansen; Li; Svarverud, 2018). Para além disso, trata-se de uma aposta ambiciosa e importante do Partido Comunista Chinês como um pensamento que favorece a transição civilizatória.

O presidente Xi Jinping anunciou durante seu discurso na 75ª Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) que seu país está empenhado em alcançar a neutralidade de carbono até 2060 como parte de seu compromisso com a preservação do meio ambiente (2020). O mundo espera que esse entendimento prospere no país, pois a crise ambiental em curso afeta a todos e, portanto, necessita de medidas mais concretas. Fica a indagação sobre como reduziremos os efeitos deletérios das mudanças se todos os países almejam o crescimento. Quais os novos parâmetros para um crescimento econômico sustentável e ecologicamente justo? Para isso, cabem estudos mais aprofundados a fim de melhor entender os esforços particulares de cada região na busca pela harmonia do ecossistema.

Considerações finais

Apesar de ser o maior responsável pelas emissões de CO2 do mundo, a China vem realizando mudanças notáveis em sua dinâmica política, favorecendo uma troca mais amigável com o meio ambiente. Apesar dos avanços, muito ainda precisa ser feito e discutido de modo que as reformas até agora realizadas encontrem respostas mais viáveis e promissoras.

O caso da China é interessante de ser observado por ser precursor em diversos modelos inovadores. No entanto, precisa-se de uma coerência maior no âmbito dos investimentos, das políticas e do comportamento da sociedade como um todo a fim de alinhar os objetivos defendidos em âmbito nacional com aqueles defendidos internacionalmente em se tratando de sustentabilidade.

A questão ambiental é simultaneamente uma problemática global e local. Para tanto, os esforços devem ser conjuntos. É válido ressaltar, no entanto, o quadro de melhora em diversos setores, incluindo o aprimoramento da qualidade do ar.  Ainda que necessite de ajustes e maior enforcement, o posicionamento chinês certamente tem mudado, e espera-se que em direção à construção de uma “civilização ecológica”.

Marcos Costa Lima é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador do Instituto de Estudos da Ásia-UFPE.

Tatiane Souza de Albuquerque é mestranda em ciência política pela UFPE. 

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[1] Efeito relacionado à liberação dos gases do efeito estufa (GEE).

[2] Disponível em inglês através do link: https://www.wri.org/blog/2020/12/interactive-chart-top-emitters.

[3] Disponível em: https://sunsetenergia.com.br/china/. Acesso em: 15 fev. 2021.

[4] Disponível em: https://www.c2es.org/content/international-emissions/ Acesso em: 16 fev. 2021

[5] Disponível em: https://sunsetenergia.com.br/china/ Acesso em: 15 fev. 2021.

[6] Disponível em: https://www.statista.com/statistics/1007454/cumulative-co2-emissions-worldwide-by-country/ Acesso em 13 fev. 2021

[7] revoluções industriais.

[8] Disponível em: https://www.china-mike.com/china-travel-tips/tourist-maps/china-population-maps/. Acesso em: 14 fev. 2021.

[9] Zhao, Xueting, J. Burnett, Wesley; Fletcher, Jerald J.. “Spatial analysis of China province-level CO2 emission intensity”. Renewable and Sustainable Energy Reviews 33. 2014.

[10] Disponível em: https://www.chinawaterrisk.org/opinions/chinas-water-stress-is-on-the-rise/. Acesso em: 14 fev. 2021

[11] Disponível em: http://g1.globo.com/natureza/noticia/2013/07/poluicao-derrubou-expectativa-de-vida-em-regiao-da-china-diz-estudo.html. Acesso em 15 fev. 2021

[12] Disponível em: https://epbr.com.br/china-gerou-mais-energia-renovavel-em-fase-mais-critica-da-pandemia-mas-carvao-resiste/#:~:text=Nos últimos anos%2C o governo,em 2019”%2C explicou Tu.