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Astronauta brasileiro testará projetos nacionais na Estação Internacional
Por Sueli Mello
22/02/2006

A viagem que o astronauta Marcos Cesar Pontes fará em março a bordo da nave russa Soyuz TMA-8, denominada Missão Centenário - em homenagem aos 100 anos do vôo realizado por Alberto Santos Dumont a bordo do 14-Bis, custará US$ 15 milhões aos cofres públicos, a serem pagos à agência espacial russa. O investimento é estratégico, já que oito experimentos científicos de instituições brasileiras serão testados na Estação Espacial Internacional (um dos nove previstos inicialmente não passou nos testes de segurança realizados pela Agência Espacial Brasileira). Dois projetos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) dedicados ao desenvolvimento de sistemas que auxiliam no controle térmico de satélites integram a lista dos experimentos a serem testados no espaço.

 

Segundo Edson Bazza, responsável por um dos projetos, a nacionalização de componentes aplicados ao controle térmico deverá reduzir substancialmente o custo deste item na fabricação de satélites brasileiros. Além disso, afirma, satélites têm uso ilimitado no campo das comunicações, coleta de dados, metereologia, etc. “Portanto, pretende-se ganhar mercado sim, mas, basicamente, ganhar espaço para produtos brasileiros no mercado aeroespacial”, completa. Na visão de Márcia Mantelli, ex-pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e atual responsável pelo outro projeto da UFSC a ser testado no espaço, “quem mais irá lucrar provavelmente será a indústria”. Não a de tecnologia espacial, mas os fabricantes de laptops, computadores e telefonia em geral, onde quanto menor o equipamento maior a necessidade de controlar a temperatura dos componentes eletrônicos.

 

O projeto coordenado por Mantelli trabalha com uma pequena placa “espalhadora de calor”, do tamanho de um cartão telefônico, capaz de reduzir com bastante eficiência (na Terra) a temperatura em componentes eletrônicos, garantindo o seu perfeito funcionamento. Montada no formato de um sanduíche, a placa é recheada por minitubos de cobre ocos, cujas superfícies internas são dotadas de material poroso. O ar é retirado do interior dos minitubos e eles são preenchidos com um “fluido de trabalho”, que pode ser água ou acetona, e em seguida, são vedados. Os tubos recebem calor numa de suas extremidades, para evaporação do fluido, que segue para a outra extremidade, onde, sob a ação de um pequeno ventilador, torna-se líquido novamente. Esse movimento produz o resfriamento desejado, transferindo o calor de uma região mais quente para outra mais fria.

 

A intenção de levar o experimento para o espaço é avaliar seu desempenho num ambiente de microgravidade (onde a gravidade é quase nula) e sua aplicabilidade em satélites. “Queremos verificar se nessas condições o equipamento transfere tanto calor quanto consegue transferir aqui na Terra e se o movimento do líquido também acontece na antigravidade”, explica Mantelli. O princípio desse sistema já existe desde o século XVIII, na Inglaterra, utilizado inicialmente em fornos de padarias. A novidade, destaca a pesquisadora, é o tamanho em miniatura e uma nova técnica desenvolvida pelo aluno de mestrado Cleber Paiva, de soldagem para montar o tubo, que não entope os meios porosos, resultando num equipamento mais eficiente. De acordo com Mantelli, como não exige usinagem, o processo possui um custo de fabricação muito barato.

 

O outro experimento da UFSC a ir ao espaço também é destinado ao resfriamento de componentes eletrônicos em satélites. “É muito importante o controle das temperaturas, para evitar danos e garantir a confiabilidade dos instrumentos de medição e componentes eletrônicos, ou cargas úteis dos satélites, porque, dependendo da órbita, eclipse ou do comportamento do satélite no espaço, em geral, as temperaturas variam numa faixa muito grande, de -80ºC a +80ºC, podendo chegar ao extremo de até -200ºC, se houver erro”, explica Bazzo.

 

No projeto coordenado por ele, foram construídos “evaporadores capilares” com pequenos tubos de 10 cm de comprimento e 2 cm de diâmetro, com micro-ranhuras em suas paredes internas, justamente o seu ponto inovador, pois equipamentos do tipo vêm sendo desenvolvidos desde década de 1980, basicamente utilizando materiais porosos em estruturas capilares (tubos cujo diâmetro interno é muito pequeno). O princípio de funcionamento baseia-se na capacidade de movimentação de líquido por bombeamento capilar, da mesma forma que ocorre com a queima de cera em velas ou de querosene em lamparinas, em que o pavio serve de estrutura para transporte do líquido ou do combustível que está sendo queimado. Dessa forma, os evaporadores têm a dupla função de bombear líquido e absorver calor pelo processo de evaporação.

 

O vapor se desloca para condensadores localizados em regiões mais frias ou para irradiadores de calor apontados para o espaço (no caso de satélites e sondas espaciais), perdendo calor e retornando ao estado líquido. O líquido é novamente bombeado pelo evaporador capilar e o sistema prossegue funcionando em ciclo fechado, enquanto houver calor para dissipar. Não há a necessidade de compressores ou de bombas mecânicas, que necessitam de energia elétrica para o funcionamento.

 

O experimento é dotado, ainda, de um software capaz de simular o processo, como se estivesse operando em condição real. O sistema é programado para operar sob diferentes cargas de calor e temperaturas de operação (de 20º a 60º), de modo a identificar situações críticas que numa situação real possam comprometer a missão do satélite. Também conhecidos como “bombas capilares”, por proporcionar a movimentação de líquido sem a ajuda de bombas mecânicas ou compressores herméticos, os evaporadores capilares são utilizados em sistemas de climatização industriais, refrigeradores domésticos (geladeiras) e aparelhos de ar-condicionado. O evaporador capilar do projeto da UFSC já foi utilizado também em coletores solares para produção de água quente.