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Artigo
A felicidade é campo de estudo da psicologia?
Por Claudia Hofheinz Giacomoni
10/09/2014

O tema da felicidade tem sido central desde a filosofia grega. Muitos pensadores ocidentais têm estado interessados em compreender a “felicidade”. O que nos faz felizes? Que condições são necessárias para a felicidade? Como a felicidade se manifesta ao longo da vida? Respostas a essas e outras questões vem sendo buscadas por várias áreas do conhecimento científico há muitos anos. Além disso, uma variedade de estudos relativos à qualidade de vida, estado muito relacionado à felicidade, foi e vem sendo aprofundada e ampliada. Sabemos muito sobre os indicadores objetivos que promovem a qualidade de vida. Quantos médicos por parcela da população são necessários, quais indicadores de segurança pública são desejáveis, renda mínima per capita, condições de moradia, entre outros, são medidas já mapeadas e, em muitos casos, já disponíveis.

A psicologia foi chamada, não há muito tempo, para colaborar nessa área. Quais são as contribuições da psicologia para a promoção de qualidade de vida? E quais são os aspectos psicológicos envolvidos na felicidade? Nas últimas três a quatro décadas, pesquisadores da psicologia vêm dedicando-se a estudar esses temas. Para a ciência psicológica, o que é conhecido pelo senso comum como “felicidade” é denominado de bem-estar subjetivo. Os estudos sobre o bem-estar têm crescido reconhecidamente nos últimos tempos. As investigações envolvem pesquisas que têm utilizado as mais diversas nomeações, tais como: felicidade, bem-estar, satisfação de vida e afeto positivo, além de também ser considerada a avaliação subjetiva da qualidade de vida. Num simples resumo, buscamos entender o que as pessoas pensam e como elas se sentem sobre suas vidas.

Quando a pessoa para e pensa sobre a própria felicidade, muitos processos são acionados e estão inter-relacionados. Por exemplo, buscar resposta para a pergunta clássica: “você está feliz?”, provoca, instantaneamente, um processo de avaliação da vida, que se dará através de dois sistemas. A pessoa vai avaliar a vida, inicialmente, de forma cognitiva, isto é, vai pensar. Ela fará um julgamento avaliativo consciente sobre a sua vida como um todo, mas fará também, julgamentos sobre aspectos específicos da vida, tais como o quanto está satisfeita com o seu trabalho, sua situação econômica, o lazer, a vida sexual, entre outros.

Feito isso, outro processo também é necessário para completar essa avaliação da vida. É a chamada avaliação afetiva, calcada nas emoções prazerosas e desprazerosas vivenciadas ultimamente. A psicologia as conhece como os afetos ditos positivos e negativos vividos. Quais seriam os afetos positivos e negativos? Como identificá-los? É mais fácil do que parece. Significa retomar os afetos básicos da existência, como por exemplo: a alegria, o contentamento, a exaltação, a afeição e, entre os negativos, a tristeza, a raiva, o estresse, a vergonha.

Portanto, o bem-estar, que é um processo subjetivo, seria uma avaliação, tanto cognitiva quanto emocional, da própria existência. Vamos imaginar, então, que se uma pessoa possui alto bem-estar subjetivo, estamos nos referindo ao fato de que ela está vivenciando satisfação de vida e frequentes emoções de contentamento, alegria e poucas emoções como tristeza e raiva. Por outro lado, uma pessoa possui baixo bem-estar subjetivo quando não está satisfeita com a vida e frequentemente sente emoções negativas como raiva ou ansiedade.

Essas premissas definem o bem-estar subjetivo como uma ampla categoria de fenômenos que inclui as respostas emocionais das pessoas, os diferentes domínios de satisfação (família, trabalho, lazer, amizades, relacionamentos afetivos, saúde, etc) e os julgamentos globais de satisfação de vida. Para os principais autores, existem basicamente três componentes do bem-estar subjetivo: satisfação, afeto prazeroso e baixos níveis de afeto desprazeroso.

Existem características importantes no estudo do bem-estar subjetivo que merecem ser esclarecidas. Primeiramente, a área de estudos cobre a ampla extensão do bem-estar, não se limitando somente aos estados como depressão ou desesperança, mas também aos estudos sobre orgulho, exaltação, etc. O campo de estudo não se volta apenas para as causas da depressão e da ansiedade, mas também para os fatores que diferenciam as pessoas felizes das moderadamente felizes e extremamente felizes. Em segundo lugar, o bem-estar subjetivo é definido a partir da experiência interna do respondente, isto é, é avaliado a partir da perspectiva do próprio indivíduo. As pessoas avaliam as condições de vida de forma diferente, dependendo das suas expectativas, valores e experiências prévias. Suas crenças sobre o seu próprio bem-estar são de fundamental importância para essa avaliação. Além disso, são relevantes também os estados de longo prazo e não somente os afetos momentâneos. O interesse está nos afetos das pessoas ao longo do tempo, ainda que esses estejam sujeitos a alterações à medida que novos eventos aconteçam.

Outro aspecto relevante é que seja feita a distinção entre bem-estar subjetivo e saúde mental. Bem-estar subjetivo não é sinônimo de saúde mental ou saúde psicológica. Uma pessoa sofrendo de uma psicopatologia pode estar feliz e/ou satisfeita com a sua vida, mas não podemos dizer que ela possui saúde mental. Sendo assim, bem-estar subjetivo não é uma condição suficiente para bem-estar psicológico. O que se sabe é que o bem-estar é uma condição desejável.

O que sabemos sobre o bem-estar subjetivo até agora? No que se refere à relação entre o afeto positivo e o afeto negativo, alguns pontos têm sido controversos. Quando avaliamos a nossa vida, quando julgamos a nossa felicidade, consideramos a frequência das experiências emocionais positivas ou a intensidade dessas experiências? O que possui maior peso em nosso julgamento?

Os resultados de pesquisas vêm demonstrando que os julgamentos de bem-estar são baseados principalmente na frequência (na quantidade) de afeto prazeroso e menos na intensidade do mesmo. Tudo indica que as emoções positivas intensas são menos importantes do que experiências de bem-estar de longo prazo, devido ao fato de que emoções intensas são raras e, em geral, possuem elevados custos. Outros autores verificaram que indivíduos que experimentam afetos prazerosos intensamente também apresentam uma tendência a vivenciarem emoções desprazerosas da mesma forma. Essas conclusões poderiam explicar o efeito pequeno da intensidade de afeto nos julgamentos de bem-estar global.

No que se refere à satisfação de vida, as pesquisas iniciais estavam preocupadas em identificar como os fatores externos, as situações e as variáveis sócio-demográficas afetavam a felicidade. I nvestigaram o impacto das variáveis sócio-demográficas, como renda, educação, idade, estado civil, religião e emprego, no bem-estar subjetivo. Os últimos trinta anos de pesquisas têm demonstrado que todos os fatores sócio-demográficos tomados em conjunto não contam muito para explicar o bem-estar subjetivo. Ao questionarem o fato de que não seria o impacto das variáveis sócio-demográficas que afetaria o bem-estar subjetivo, os pesquisadores levantaram hipóteses de que, na realidade, esse impacto é provavelmente mediado por processos psicológicos como as características de personalidade da pessoa, as metas que ela estabelece para si e o estilo de processamento cognitivo que ela possui para interpretar o evento de vida que está vivenciando.

Esses novos conhecimentos abriram uma extensa gama de estudos que vêm investigando o papel da personalidade, do temperamento, das metas, dos estilos cognitivos de processar os eventos de vida no bem-estar subjetivo. Alguns resultados já têm sido consenso. Algumas características de personalidade têm sido associadas a bons níveis de bem-estar subjetivo, em especial, a extroversão e a sociabilidade. Além disso, sabe-se que o estabelecimento de metas de vida condizentes com as reais capacidades da pessoa vão promover bem-estar. Algumas pessoas teriam um estilo de processamento cognitivo mais calibrado, acurado para identificar melhor as experiências prazerosas do que outras pessoas. Enfim, a psicologia vem buscando intensamente investigar nos seus processos mais complexos as possíveis contribuições para a promoção de vidas mais satisfatórias, com preponderância de maior número de experiências afetivas positivas e de valorização de aspectos da vida mais significativos.

Claudia Hofheinz Giacomoni é professora do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Para saber mais:

Diener, E.; Scollon, C. N. (2014). “The what, why, when, and how of teaching the science of subjective well-being”. Teaching of Psychology , 41(2) 175-183.

Diener, E.; Suh, E. M., Lucas, R. E. & Smith, H. L. (1999). “ Subjective well-being: three decades of progress”. Psychological Bulletin, 125, 276-302.

Kahneman, D.; Diener, E. & Schwarz, N. (Eds) (1999). Well-being: The foundations of hedonic psychology. New York: Russell Sage Foundation.