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Reportagem
O desafio de contabilizar ações de divulgação da ciência e os impactos gerados
Por Simone Caixeta de Andrade
10/03/2015
A produção dos pesquisadores é medida, em grande parte, pela qualidade e quantidade de artigos científicos publicados, o que deixa pouco espaço para avaliar outros tipos de produção, como aulas e divulgação das pesquisas em sites, blogs e outras ações de divulgação científica.

A página de apresentação da competição Three minute thesis (Tese em três minutos) da Austrália, anuncia: “uma tese com 80 mil palavras precisaria de 9 horas para ser apresentada”, no entanto, os competidores possuem somente três minutos! Esse mesmo limite de tempo é levado ao extremo pelo FameLab, uma outra competição de comunicação científica, criada em 2005 pelo Cheltenham Science Festival no Reino Unido, em parceria com o British Council. Durante três minutos os temas podem ser falados, cantados ou até dançados, como também ocorre na competição Dance your Ph.D, que recebe apoio da Associação Americana para o Avanço da Ciência e da revista Science. Seja qual for a modalidade de expressão, os competidores são julgados primariamente por sua clareza em comunicar os temas ao público não especializado e pela fidelidade científica do tema.

O FameLab, em Portugal, já está na oitava edição e, de acordo com Fátima Dias, gerente de projetos e parcerias do British Council, “constitui um verdadeiro caso de sucesso na comunicação científica em Portugal”. O objetivo fundamental, explica Dias, “é encontrar e dar alguma formação a potenciais e futuros comunicadores de ciência, pessoas que, em diferentes palcos e em diversas funções, possam contribuir para uma maior divulgação da ciência em geral, abrangendo públicos tão amplos quanto possível”.

José Vítor Malheiros, consultor em comunicação de ciência da CiênciaViva, que organiza o FameLab em Portugal, explica que “contar uma história em termos simples obriga-nos a arrumar as ideias e isso é fundamental para um investigador. Por outro lado, a experiência do Famelab é uma experiência de promoção da cidadania – dos cientistas e dos outros. Promover a cultura científica é criar cidadãos mais informados, capazes de fazer melhores escolhas”.

Se por um lado é indiscutível que é preciso haver divulgação da ciência ao público, por outro lado há uma real dificuldade em fazer esses tipos de ações serem contabilizadas na produção de um pesquisador, especialmente no Brasil. Por aqui, a união entre ciência e comunicação teve um novo capítulo em 2011, quando a Fapesp lançou um edital para a criação de “centros de pesquisa, inovação e difusão”, os Cepids. O diferencial da proposta foi a previsão de um “plano para educação e difusão do conhecimento, demonstrando sua conexão com o plano de pesquisa”. Uma das propostas escolhidas permitiu a criação do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC, da sigla em inglês).

O OCRC planejou suas iniciativas educacionais em quatro fases. Na primeira foi feito um site para o público acadêmico, explica Ronaldo Pilli, coordenador de educação e difusão do conhecimento do centro. “Também era necessário abranger um outro público, afinal, a divulgação tem que ser feita em todos os níveis, e optamos por criar um site que fosse ágil, atrativo e em uma linguagem fácil de ser absorvida pelo público em geral”, diz, explicando que para isso foi criado o site Sobrepeso. Paralelamente, iniciaram-se as atividades com alunos do ensino fundamental e médio da rede estadual de ensino de Campinas, por onde já passaram mais de 500 alunos.

As próximas fases ainda preveem uma parceria com o Museu Exploratório de Ciências da Unicamp, história em quadrinhos sobre diabetes e doenças associadas, kits e treinamento de experimentos sobre a temática do Cepid para os professores e, ainda, atividades práticas na cozinha experimental do campus de Limeira da Unicamp, em parceria com o curso de nutrição. Em 2014 participaram do dia internacional de diabetes no centro de Campinas e há previsão de repetir a mesma estratégia de aproximação do público em geral esse ano. Mas apesar do incentivo à difusão dos projetos dos Cepids, Pilli observa dificuldade em achar formas e métricas para avaliar o impacto das ações.

Há, portanto, necessidade urgente de melhorar a contabilização de ações como essas. Segundo Malheiros defende, “comunicar à sociedade o que se faz é uma obrigação de todo o cientista e isso não se faz apenas pela comunicação com os pares que têm lugar nas publicações científicas. O diálogo com a sociedade deve, aliás, ser bidirecional, pois a sociedade também tem uma palavra útil a contribuir para os esforços da investigação”.

Métricas formais no currículo

As linhas de financiamento para pesquisas que valorizam a divulgação e difusão científica, em suas diversas formas, esbarram no desconhecimento de métricas que avaliem essas ações. Na página do edital para os Cepids não há informação de como será a avaliação. Em outra situação, a aba criada no currículo Lattes do CNPq para inserir dados de atividades e trabalhos voltados à “educação e popularização de ciência e tecnologia”, não está conectada a nenhuma métrica, ao contrário do que ocorre com as publicações em revistas científicas, que mostram o número de citações e vão compor o índice h do pesquisador.

“O que é estranho é ficar tão fixo em fator de impacto. Há coisas mais relevantes, como a extensão”, critica Atila Iamarino, biólogo, pós-doutorando em microbiologia e comunicador de ciência. Enquanto a Capes avalia as publicações em periódicos dos pesquisadores pelo sistema Qualis-Periódicos, muito deixa de ser avaliado, principalmente em divulgação e difusão científica, simplesmente porque não são aceitas as métricas de valoração existentes. “Hoje já é possível medir outros desdobramentos de artigos que são importantes para a Capes. Por exemplo, um pesquisador tem 50 citações, e a Capes respeita isso porque tem o índice h e o fator de impacto da revista”, diz.

Um outro problema, segundo Pilli, é “que ainda não temos no país uma cultura entre os pesquisadores, dentro da universidade, de que divulgação e difusão da ciência são importantes”. Somadas, a falta de conhecimento e de utilização de métricas, criaram uma situação em que se “desconhece a produção de divulgação científica no Brasil”, conclui Iamarino.

Altmetrics

Iamarino, explicando sobre a revisão por pares, acredita que ‘tem sido produzido um tipo de ciência que envolve tanta gente e tantas técnicas diferentes, que não é possível três ou quatro cientistas avaliarem um artigo. Cada vez mais vamos depender de pessoas julgando o artigo, recomendado ou não, e falando a respeito”. Um dos cenários em que ocorre essa discussão é o Twitter, que foi apontado em uma pesquisa divulgada na Revista Fapesp e outra conduzida pela revista Nature como a rede social mais usada para divulgar artigos científicos, tanto de revistas no Brasil, quanto no exterior, confirmando que “a discussão do artigo científico deve continuar pós-publicação”, como defende Iamarino.

Uma pesquisa indica que há uma intensa interação, indo de compartilhamentos em redes socais à participação em discussões, e toda essa atividade pode ser quantificada por métricas alternativas, as altmetrics.

No mundo da classificação das métricas existem as ferramentas tradicionais e as altmetrics (do inglês métricas alternativas). As tradicionais avaliam citações individuais, índice h e das revistas – fator de impacto (Journal of Citation Reports e SCImago Journal and Country Rank) dos artigos científicos. Segundo os críticos, essas medidas tradicionais precisam de anos de acompanhamento e, principalmente, não são aplicáveis às novas formas de comunicação científica. As altmetrics, por sua vez, podem medir diversas formas de impacto em artigos, bancos de dados publicados, postagens em blogs e redes sociais e aulas compartilhadas. A frase “compartilhe ou pereça”, extraída da publicação de Ronaldo Ferreira Júnior, aponta para uma possível – e necessária – mudança de direção nos próximos anos.

“Se alguém escreve um artigo de revisão e faz uma figura muito didática, que é compartilhada em aulas pelo SlideShare, você consegue, pelo doi, (código alfanumérico que identifica um conteúdo digital e atribui um endereço eletrônico) saber se está sendo usado em aula”, explica Iamarino, que ainda completa: “se você escreve um artigo que não tem citação nenhuma, mas é usado em cem aulas diferentes, ele não é tão ou mais relevante que um artigo que recebe mais citações?”. Iamarino defende que falta “o uso de ferramentas interativas atualizadas em tempo real, como do Impactstory, em que um currículo pode ser cadastrado e podem ser geradas métricas para visualização dentro do site e em sites de busca de artigos, para gerenciadores de referências bibliográficas e para o Twitter.

Algumas pesquisas têm buscado validar estatisticamente as altmetrics e, para isso, seguem o caminho de uma utilização híbrida com o número de citações. O Impactstory, ao lado de Altmetric.com, Plum Analytics e Mendeley, são ferramentas que agregam dados tradicionais e alternativos e podem gerar informações que expressem a amplitude de ações centradas em ensino, pesquisa e extensão definidas para o ensino superior do Brasil.

Apesar da existência das ferramentas de medida de produção científica (tradicional ou não), emerge a necessidade de uma política para estimular o engajamento em atividades de divulgação e difusão, e avaliações mais completas das atividades da academia. Para tanto, não há um caminho fácil, no qual uma equação irá resolver o problema, contudo, uma análise multivariada, representada por ferramentas tradicionais e altmetrics, irá ampliar a perspectiva das atividades de ensino, pesquisa e extensão