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Reportagem
Pesquisa e desenvolvimento: quais os entraves no Brasil?
Por Janaína Quitério
10/03/2015

Os gastos brasileiros – públicos e empresariais – com pesquisa e desenvolvimento (P&D) pularam do patamar de 12,5 bilhões de reais em 2000 para mais de 50 bilhões de reais em 2012, de acordo com dados disponibilizados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com base em julho de 2014.

O crescimento é verificado também na produção científica nacional, medida pela quantidade de artigos publicados em revistas científicas especializadas. Os números referentes aos periódicos indexados pela Thomson/ISI (Institute for Scientific Information), por exemplo, triplicaram em quase dez anos: se, em 2000, pesquisadores brasileiros publicaram 10.521 artigos, em 2009 o número atingiu 32.100.

Entretanto, se for comparada à taxa de crescimento das publicações em termos globais, as de origem brasileira, nessa base, também se expandiram, mas em ritmo menos acelerado: passaram de 1,35% das publicações mundiais em 2000 para 2,69% em 2009.

Para o professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp e coordenador adjunto de Pesquisa para Inovação da Fapesp, Sergio de Queiroz, é preciso cautela ao olhar para os dados de investimento e produção científica: “Embora a ciência venha avançando consideravelmente nas últimas décadas, verifica-se, ainda, um atraso grande com relação aos países mais avançados. Quando você olha para o impacto da ciência produzida em países desenvolvidos – e mesmo em países como a Coreia ou a China –, estamos crescendo em ritmo muito lento”, pondera.

Trata-se de voltar os olhos para a ciência com as lentes focadas na qualidade, mais do que no seu crescimento quantitativo. De fato, a busca pela excelência na produção científica brasileira tem pautado as reflexões de vários cientistas, sobretudo no que diz respeito a como pensar as plataformas de indicadores de programas de pós-graduação com vistas a avaliar tanto pesquisas como pesquisadores.

Em seu artigo “Produtivismo, pesquisa e comunicação científica: entre o veneno e o remédio”, publicado em 2014, a professora da Faculdade de de Educação da USP e membro do comitê consultivo do SciELO (Scientific Eletronic Library Online), Teresa Cristina Rego, avalia os impactos causados pela adoção de uma política intitulada de produtivismo acadêmico. Embora planejada como “remédio”, voltada a incentivar o desenvolvimento da ciência, a política de avaliação em voga tem se mostrado um poderoso “veneno”, não apenas no âmbito das publicações científicas, mas em toda a ciência. “É preciso pensar, de modo sério e cuidadoso, sobre as consequências, para as revistas e para os avanços da própria ciência, das práticas que vêm sendo adotadas por muitos pesquisadores para satisfazer os critérios quantitativos utilizados pelos formuladores de políticas públicas para avaliar, promover e remunerar cientistas”, escreve.

A mesma reflexão é levantada pelo professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (EDESP-FGV), Rafael Alcadipani da Silveira, ao classificar de “produtivismo” a “ênfase exacerbada na produção de uma grande quantidade de algo que possui pouca substância”, como aponta no artigo “Resistir ao produtivismo: uma ode à perturbação acadêmica”, publicado em 2011. Para ele, a distorção não está em avaliar pesquisadores, mas a forma gerencial aplicada a isso, prática que, de 2011 para cá, segundo ele, piorou bastante: “O modelo empresarial está cada vez mais em voga nas universidades, e não se pensa em uma gestão alternativa que leve em conta a realidade do mundo acadêmico e suas peculiaridades. Acredito que isso não esteja acontecendo em nenhum lugar do mundo e, por isso, estamos sem alternativas”, argumenta.

Além do modelo que erra pelo excesso de produtivismo, o professor do Instituto de Física da Unicamp, Marcelo Knobel, aponta dois outros grandes desafios para o aperfeiçoamento da ciência no país: a busca por pesquisas com mais impacto e o incentivo à internacionalização: “A forma de avaliação é muito criticada por um excesso de produtivismo e também pela heterogeneidade das próprias áreas, ou seja, no país, temos áreas que estão em estágios de desenvolvimento muito diferentes – as competitivas de nível mundial, por um lado, e as com poucos pesquisadores especializados. Há casos em que falta preparo, como outro idioma, o que põe de lado uma visão internacional necessária para algumas áreas específicas”.

Pensando em incentivar a formação de pesquisadores de ponta capazes de produzir conhecimento no contexto internacional, Knobel ajuda a organizar a Fapesp Week –programa que procura mostrar para o mundo que, no estado de São Paulo, há pesquisas de caráter internacional sendo feitas. “A ideia é fomentar as colaborações, o que nem sempre é algo simples de ser feito, já que precisa ter a participação ativa do pesquisador”.

A burocracia em quantidade e qualidade

Quando perguntado sobre o que mais trava o desenvolvimento da ciência no país, Stevens Rehen, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e pesquisador do Instituto D’or, não tem dúvidas: a dificuldade de importar materiais para pesquisa científica e as barreiras regulatórias. “De um lado, falta aos órgãos reguladores conhecimento sobre a importância da ciência e da inovação para o Brasil, o que resulta na adoção de padrões e procedimentos morosos e exigências burocráticas exageradas. Por outro lado, também falta à maioria das universidades setores administrativos capazes de decifrar as exigências burocráticas dos órgãos reguladores”, conclui.

Os problemas, segundo ele, vão desde o alto custo, tempo demasiado de espera, retenção de reagentes até a perda de materiais perecíveis. Resultado: “Em última instância, há perda de tempo, prejuízo ao desenvolvimento das pesquisas, perda de dinheiro público e competitividade”, lamenta.

Em setembro de 2014, por exemplo, Rehen e sua equipe de laboratório perderam um material essencial para ser aplicado em estudos sobre envelhecimento e esquizofrenia. O reagente foi confiscado no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, e sua liberação contingenciada ao envio de documentos que, de acordo com o pesquisador, nunca antes haviam sido solicitados. “Cabe ratificar que tentávamos importar um pequeno fragmento de DNA (plasmídeo) que codifica gene humano. O reagente foi perdido. Tempo e dinheiro foram para o ralo”.

Desde 2004, quando ele ainda atuava como pesquisador nos Estados Unidos, Stevens Rehen formula questionários sobre as consequências nocivas das dificuldades de importação para o progresso científico no Brasil. “A ideia surgiu do contraste que pude sentir entre trabalhar no Brasil e nos Estados Unidos: sabíamos que outros pesquisadores passavam pelo mesmo problema e resolvemos contabilizar as diferentes experiências em todo o país”.

A pesquisa mais recente, feita em 2014, intitulada “Custo Brasil: burocracia e importação para a ciência”, consultou 165 cientistas de 35 instituições e 13 estados nacionais, e os dados obtidos demonstraram pouca mudança com relação ao panorama encontrado no levantamento anterior, feito em 2010: Segundo ele, “noventa e um por cento dos pesquisadores diz não ter percebido melhora na qualidade do processo de importação após 2011. Contudo, houve uma queda, de 76% para 46%, no número de pesquisadores que já perderam material retido na alfândega”, pontua.
Receita Federal (42%) e Anvisa (40%) figuram como os principais órgãos responsáveis pelo atraso no desembaraço de mercadoria.

Se a burocracia é um entrave que importa para pensar o desenvolvimento da ciência no país, qual a solução? Para Rehen, há vários caminhos: “No momento atual, eu não posso deixar de citar também a incerteza sobre a disponibilização de recursos oriundos do governo para ciência e tecnologia. Para o país ser mais competitivo e produzir melhores pesquisas, além de agilizar a chegada, até o cientista brasileiro, de reagentes e equipamentos necessários à pesquisa, é necessário também trazer pesquisadores do exterior (em vez de enviar milhares de estudantes de graduação para fora do país), aproximar empresas e iniciativa privada das universidades, facilitar o processo de geração de patentes, garantir o repasse de recursos estaduais e federais destinados à ciência, realizar concursos nas universidades que sejam capazes de atrair cientistas realmente produtivos”, indica.

Os desafios para o desenvolvimento da produção científica no Brasil não são pequenos, e se forem considerados os gargalos responsáveis por barrar o desenvolvimento da tecnologia e da inovação, o problema fica ainda maior. “Para o país ser inovador, há também muitos desafios – e não se trata tanto de disponibilidade de recursos, que está cada vez mais bem solucionado. O contexto é que é desfavorável com relação ao protecionismo, ainda forte na economia brasileira, que estimula pouco as empresas a competirem no mercado internacional. A falta de incentivo e as condições difíceis de infraestrutura prejudicam a inovação”, pontua Sergio Queiroz.