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Artigo
Energia nuclear no Brasil: aprofundando-se o debate
Por Horst Monken Fernandes
10/03/2007

A energia nuclear no contexto internacional

O mundo assiste hoje à retomada da opção nuclear no quadro energético, o que era tido como improvável até bem pouco tempo, resultado da alta no preço do petróleo, receios sobre a segurança do seu fornecimento e, principalmente, de uma preocupação crescente a respeito do aquecimento global. Em contraposição é apontado o fato de que alguns países estariam renunciando ao uso da Energia Nuclear – sendo o exemplo mais citado o da Alemanha. Porém, países como França e Japão caminham em direção oposta e novos reatores serão construídos na Índia e na China. A Austrália, um dos maiores produtores de concentrado de urânio do mundo, passa a considerar a hipótese de ela própria construir usinas nucleares. Assim, novos reatores estão sendo construídos em 13 países e tanto os EUA quanto países da Europa aumentaram a geração de energia elétrica a partir de plantas nucleares já existentes através do processo de upgrade. No aspecto financeiro, os EUA estão oferecendo US$ 2 bilhões em seguros para cobrir eventuais perdas devido a atrasos na construção de plantas nucleares.

É importante frisar que além do combustível nuclear ser um dos mais baratos para as geradoras de eletricidade, a incorporação de avanços tecnológicos no projeto e na construção de centrais nucleares já permite avaliar a redução dos custos de capital no setor e, para diversos países, uma nova central nuclear já é competitiva em relação às demais fontes térmicas. Iniciativas como o projeto “International Project on Innovative Nuclear Ractors and Fuel Cycles” (Inpro) conduzido pela IAEA contribuem significativamente para esse objetivo.

Mais ainda, se na comparação com as unidades geradoras que utilizam combustíveis fósseis ou mesmo com as hidroelétricas, os custos ambientais, inclusive aqueles relacionados às emissões dos gases geradores do efeito estufa, forem levados em conta (desde que esses custos sejam explicitamente reconhecidos) aí a energia nuclear torna-se ainda mais competitiva.
Finalmente, o reprocessamento do combustível queimado de centrais nucleares associado à redução da quantidade de radiotoxicidade dos rejeitos; ampliação do uso efetivo e redução dos custos da deposição geológica; redução dos inventários de plutônio e a recuperação de energia ainda presente no combustível nuclear queimado são elementos favoráveis à retomada da geração nucleoelétrica.

O Contexto Energético Nacional: Aspectos Ambientais e Econômicos

Recentemente, a Agência Internacional de Energia Atômica publicou um estudo intitulado: “Brasil: a country profile on suistainable energy development” que pode ser encontrado em www.iaea.org.

No estudo é reportado que, no Brasil, a geração hidroelétrica provém de 433 plantas em operação, sendo que somente 23 plantas com capacidade instalada de mais de 1000 MW respondem por cerca de 70% da capacidade de geração instalada no país. Há ainda um potencial de cerca de 190 GW a ser explorado, todavia com grande parte se concentrando na região Norte, ou seja, afastado dos centros consumidores das regiões Sul e Sudeste.

Se no passado não se dava muita atenção para as possíveis conseqüências ambientais da construção de grandes lagos e barragens, hoje aspectos como alagamento de ecossistemas delicados, reassentamento de comunidades inteiras, perda de madeira e aumento da emissão de gases causadores de efeito estufa passam a ser considerados de forma bem criteriosa. Além de aspectos relacionados com a migração de espécies de peixes, desenvolvimento de ambientes atóxicos, corrosão de turbinas, produção de metano, uso de agentes desfoliantes e herbicidas para impedir o crescimento de algas.

O carvão no Brasil tem reservas modestas e de qualidade relativamente pobre. Das reservas brasileiras de gás natural, de 326 bilhões de m3 em 2004, somente na Amazônia essas estariam sendo exploradas como uma fonte principal de energia. Importante notar que, cerca de 2/3 das reservas de gás se encontram no litoral.

A geração eólica tem no Nordeste e na região costeira do Rio Grande do Sul as perspectivas mais promissoras sendo que o potencial eólico no Brasil pode estar entre 20 e 145 GW. Todavia, apesar das boas perspectivas para o seu aproveitamento, é reportado que os investidores não estariam dispostos a desenvolver novos projetos até que o governo garantisse algum tipo de subsídio.

O uso da biomassa é apontado como uma alternativa promissora. Em janeiro de 2002 havia 159 plantas termoelétricas operacionais com uma capacidade instalada de 992 MW, ou 8% da geração térmica do país.

A energia nuclear no Brasil

O Brasil se constitui na sexta maior reserva de urânio do mundo, com apenas 25% do seu território devidamente explorado o que garante ao país autonomia em relação à produção do combustível nuclear.

Os impactos ambientais causados pela operação de reatores nucleares podem ser considerados mínimos. Claro que é preciso abordar a questão da deposição final dos rejeitos radioativos. No entanto, decisões a respeito das estratégias a serem adotadas a esse respeito se tornam muito mais complicadas pelos aspectos políticos envolvidos e pela percepção da opinião pública de que este problema não tem solução adequada, do que pelos aspectos tecnológicos inerentes. Na realidade, um consenso está sendo formado internacionalmente no sentido de que a deposição desses rejeitos em repositórios de sub-superficie (deposição geológica) é uma opção aceitável. Tanto a Finlândia quanto os EUA já escolheram os sítios para deposição.

Quanto à questão envolvendo acidentes, inicialmente, deve ser considerado que os dois acidentes nucleares mais citados são os relativos à Three Mile Island, nos EUA e Chernobyl (na antiga União Soviética). O primeiro, ao contrário do que se propala, pode ser considerado uma prova da segurança das centrais nucleares, já que a estrutura de contenção impediu que a radiação escapasse para o ambiente. No segundo caso não havia um vaso de contenção, além de o projeto ser de 2ª geração, em contraste com os reatores ocidentais que são de 3ª geração e tem na contenção as 5ª e 6ª barreiras físicas para evitar o escape de radioatividade para o exterior. O que se pode afirmar é que a manutenção dos baixos níveis de risco está, entre outras coisas, associada com a manutenção de uma cultura de segurança operacional e com a consolidação de uma Autoridade Regulatória atuante, que disponha de pessoal treinado, estimulado e bem remunerado, contando ainda com recursos financeiros adequados, o mesmo valendo para os agentes operadores das instalações.

Deve-se também buscar a melhoria contínua das ações de resposta na eventualidade de ocorrência de um acidente nuclear, e se dispor de mecanismos atualizados para lidar com essas situações. Isso implica em planejamento, treinamento e condução de exercícios de forma regular.

Conclusões

Formas alternativas de geração de energia, especialmente aquelas que são consideradas como provenientes de fontes renováveis, virão, no futuro, desempenhar um papel importante no panorama de geração de energia elétrica, tanto no Brasil quanto no mundo. O seu desenvolvimento, contudo, depende da realização de investimentos importantes assim como da concessão de subsídios governamentais. No curto prazo, as formas convencionais de geração de energia, como a partir de combustíveis fósseis e geração hidroelétrica tem a si impactos associados, mais ou menos percebidos pela sociedade que, se contabilizados no custo total de geração, tornam a geração nucleoelétrica uma opção muito atraente.

As questões de segurança ainda representam barreiras importantes para a aceitação da energia nuclear pela sociedade. Isso é causado pelo preconceito da sociedade em relação à energia nuclear oriundo tanto da falta de informação e pela disseminação de informações não consistentes. Há sim estratégias para a deposição final segura dos rejeitos radioativos sendo que os riscos de acidentes nucleares, já bastante baixos, tenderão a diminuir mais ainda se investimentos na área de desenvolvimento tecnológico e de segurança continuarem a ser feitos. Para tanto, o fortalecimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear, no Brasil, é algo imperativo e para isso se concretizar há a necessidade de se investir, não só em formação de mão-de-obra, mas também na reciclagem dos profissionais mais experientes.

A opção nuclear no Brasil, até recentemente defendida na sua perspectiva puramente estratégica, passa a ser importante no tocante à contribuição do ponto de vista da diversificação e regulação termoelétrica, necessária para conferir confiabilidade ao sistema elétrico brasileiro e para propiciar desenvolvimento tecnológico ao país e o que é melhor sem ônus adicional para o Tesouro Nacional. O Brasil passa a ter uma nova oportunidade de explorar a opção nuclear e conferir maior diversificação e confiabilidade ao sistema elétrico brasileiro, cujo primeiro passo é a conclusão de Angra 3, seguindo-se de outras instalações nucleares.


Horst Monken Fernandes é pesquisador do CNEN, atualmente licenciado e atuando na Agência Internacional de Energia Atômica.

Referências:
1 International Atomic Energy Agency (2006). Brazil: a country profile on sustainable energy development. Vienna. 250p. (
www.iaea.org)
2 International Atomic Energy Agency. International Project on Innovative Nuclear Reactors and Fuel Cycles (INPRO) – Status 2005. Vienna 12p. (
www.iaea.org)
3 Mattos, J.R. L e Dias, M.S. Brasil nuclear: da estagnação ao crescimento (2006).Energy Information Administration/Department of Energy:
http://www.eia.doe.gov