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Editorial
O planeta em risco
Por Carlos Vogt
10/03/2007

Tenho, em artigos e palestras, reiterado que um dos grandes desafios do mundo contemporâneo é, ao lado do chamado desenvolvimento sustentável, a transformação do conhecimento em riqueza. Como estabelecer padrões de produção e de consumo que atendam às demandas das populações crescentes em todos os cantos da Terra, preservando a qualidade de vida e o equilíbrio do meio ambiente no planeta? Esta é, em resumo, a pergunta que nos põe o assim chamado desafio ecológico. Como transformar conhecimento em valor econômico e social, ou, num dos jargões comuns ao nosso tempo, como agregar valor ao conhecimento?

Responder a essa pergunta é aceitar o segundo desafio acima mencionado e que poderíamos chamar de desafio tecnológico. Para enfrentar essa tarefa, própria do que também se convencionou chamar economia ou sociedade do conhecimento, deveríamos estar preparados, entre outras coisas, para cumprir todo um ciclo de evoluções e de transformações do conhecimento. Ele vai da pesquisa básica, produzida nas universidades e nas instituições afins, passa pela pesquisa aplicada e resulta em inovação tecnológica capaz de agregar valor comercial, isto é, resulta em produto de mercado.

Os atores principais desse momento do processo do conhecimento já não são mais as universidades, mas as empresas. Entretanto, para que a atuação das empresas seja eficaz, é necessário que tenham no seu interior, como parte de sua política de desenvolvimento, centros de pesquisa próprios ou consorciados com outras empresas e com laboratórios de universidades. O importante é que a política de pesquisa e desenvolvimento seja da empresa e vise às suas finalidades comercialmente competitivas. Sem isso, não há o desafio do mercado, não há avanço tecnológico e não há, por fim, inovação no produto.

Um dos pressupostos essenciais da chamada sociedade ou economia do conhecimento é, pois, para muito além da capacidade de produção e de reprodução industriais, a capacidade de gerar conhecimento tecnológico e, por meio dele, inovar constantemente para um mercado ávido de novidades e nervoso nas exigências de consumo.

Na economia tipicamente industrial, a lógica de produção era multiplicar o mesmo produto, massificando-o para um número cada vez maior de consumidores. Costuma-se dizer que na sociedade do conhecimento essa lógica de produção tem o sinal invertido: multiplicar cada vez mais o produto, num processo de constante diferenciação, para o mesmo segmento e o mesmo número de consumidores. Daí, entre outras coisas, a importância, para esse mercado, da pesquisa e da inovação tecnológicas. 

A ser verdade essa troca de sinais, a lógica de produção do mundo contemporâneo seria não só inversa, mas também perversa, já que resultaria num processo sistemático de exclusão social, tanto pelo lado da participação na riqueza produzida, dada a sua concentração – inevitável para uns e insuportável para muitos –, quanto pelo lado do acesso aos bens, serviços e facilidades por ela gerados, isto é, o acesso ao consumo dos produtos do conhecimento tecnológico e inovador.

Desse modo, aos desafios enunciados logo no início, é preciso acrescentar um outro, tão urgente de necessidade quanto os outros dois: o de que, no afã do utilitarismo prático de tudo converter em valor econômico, tal qual um Rei Midas que na lenda tudo transformava em ouro pelo simples toque, não percamos de vista os fundamentos éticos, estéticos e sociais sobre os quais se assenta a própria possibilidade do conhecimento e de seus avanços. Verdade, beleza e bondade, no mínimo, dão ao homem, como já se escreveu, a ilusão de que, por elas, ele escapa da própria escravidão humana.

Dividir a riqueza, fruto do conhecimento, e socializar o acesso aos seus benefícios, fruto da tecnologia e da inovação, é, pois, o terceiro grande desafio que devemos enfrentar e a sua formulação poderia se dar dentro de uma perspectiva cuja tônica fosse a de um pragmatismo ético e social. Quem sabe, possa ele constituir a utopia indispensável ao tecido do sonho de solidariedade das sociedades contemporâneas.

Esses desafios operam em harmonia desafiadora: não basta atender a um e não atender aos outros; seu comportamento é sistemático e a sua lógica comportamental é sistêmica. Por isso, o que vai separado na exposição constitui, na verdade, um bloco consistente de desafio maior: conhecer, gerar riqueza, distribuí-la, preservar a vida, biológica e social, no planeta.

Faces de um mesmo desafio.

Seremos capazes de enfrentá-lo e, enfrentando-o, mudar o curso desenhado pelos terríveis prognósticos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) apresentado ao mundo pela ONU no início de fevereiro e reafirmado mais recentemente pela comissão de especialistas que o customizou para o Brasil?

Os que dizem que não, são catalogados como alarmistas, catastrofistas e se agrupam em suas vertentes: os que vêem a Terra terminar em gelo e os que anunciam sua consumação em fogo.

Há os que dizem que a esperança escondida na caixa de Pandora nos salvará tanto de um fim, como de outro, redimindo, pela ciência e pela tecnologia em avanço constante, os males já espalhados no mundo pela enviada de Zeus como retaliação à ousadia de Prometeu que lhe roubara, para os homens, o fogo do conhecimento. Pandora, dádiva da divindade suprema, cujo nome traz inscrita a generosidade maldosa de seus atributos, casa-se com Epimeteu, irmão do herói acorrentado e é, no mito grego, o equivalente ancestral da Eva tentada e tentadora do fruto proibido do conhecimento. A mesma maçã – ou será outra? –, mordida pelos nossos pais bíblicos, que no Gênesis, nos expulsa do paraíso e que, no século XVIII, cai na cabeça de Newton despertando-o para a criação da física clássica que modernizou a ciência.

Há os que não se importam com nada, ou por exacerbado egoísmo individualista, ou por total falta de oportunidade de se importar com qualquer coisa que não seja a ferocidade, às vezes surda, outras ruidosa, da briga cotidiana pela sobrevivência.

E há ainda os que se alarmam e não são alarmistas e que se perfilam sem ser panglossianamente otimistas.

Qualquer que seja o grupo em que estejamos – haverá certamente muitos outros –, não há como fugir à realidade de que a vida está em risco no planeta e que os alertas que ouvimos do relatório do IPCC, ou os que vimos nas imagens do filme Uma verdade inconveniente, são exemplos enfáticos de que o primeiro passo é reconhecer que o planeta está em risco para que possamos arrancar à luz a esperança refugiada no saco de maldades das pandoras genéricas multiplicadas no mundo.