REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
A casa alsaciana - Carlos Vogt
Reportagens
Novos medicamentos, novos tratamentos, novas abordagens
Patrícia Mariuzzo e Murilo Alves Pereira
A versão biológica da dor
Susana Dias
Em busca de um padrão de medida
Marta Kanashiro
O piercing e a cruz: a dor que não se evita
Yurij Castelfranchi
Dar à luz sem sentir dor
Carolina Cantarino
Artigos
Dor e linguagem: em torno de Wittgenstein
Jaime Ginzburg
Dor crônica, sofrimento que pode ser tratado
Jaime Olavo Márquez
Trabalho, adoecimento e sofrimento
Álvaro Roberto Crespo Merlo
Conseqüências da dor repetida ou persistente no período neonatal
Ruth Guinsburg, Ana Teresa Stochero Leslie e Luciene Covolan
Tratamento alternativo e complementar e dor
Li Shih Min
Homens e mulheres: manual do usuário
Jerry Borges
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional
Sebastião Carlos da Silva Junior
Resenha
Por dentro da enxaqueca
Fábio Reynol
Entrevista
Gabriela Lauretti
Entrevistado por por Rodrigo Cunha
Poema
Dúvida unânime
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Artigo
Tratamento alternativo e complementar e dor
Por Li Shih Min
10/05/2007

Tratamento alternativo e complementar (TAC)

O tratamento alternativo e complementar (TAC) é um grupo de tratamento constituído de diversos sistemas médicos e de assistência à saúde, práticas e produtos que não são considerados como parte da medicina convencional no presente momento. A lista do que é considerado como modalidade de TAC muda continuamente; na medida em que as terapias são provadas como seguras e eficazes, são adotadas no cuidado de saúde convencional, enquanto novas abordagens do cuidado de saúde emergem.

Há uma distinção teórica entre tratamento complementar e alternativo: o complementar é usado junto com a medicina convencional. Um exemplo de uma terapia complementar é usar aromaterapia para ajudar a diminuir o desconforto de um paciente depois da cirurgia. Já o tratamento alternativo é usado no lugar da medicina convencional. Um exemplo de terapia alternativa é o uso de uma dieta especial para tratar câncer, em vez de se submeter à cirurgia, à radioterapia ou à quimioterapia recomendadas por um médico convencional. Outro termo que tem sido usado é medicina integrativa, que combina tratamentos da medicina convencional e TAC, e para a qual há alguma evidência de alta qualidade em relação a segurança e eficácia. É também chamada de medicina integrada.

Uso de Tratamento Alternativo e Complementar (TAC)

Um levantamento feito pelo telefone, envolvendo 1.204 adultos britânicos, selecionados aleatoriamente, foi conduzido pelo BBC em 1999. Dos entrevistados, 20% utilizaram TAC nos 12 meses anteriores à pesquisa, sendo que 34% procuraram medicina herbária; 21%, aromaterapia; 17%, homeopatia; 14%, acupuntura/acupressão; 6%, massagem; 6%, reflexologia; 4%, osteopatia e 3%, quiropraxia. Os entrevistados podem ter procurado mais de uma modalidade terapêutica, por isso, a somatória foi maior que 100%.

Em outro levantamento sobre o uso do TAC na Inglaterra (não no Reino Unido), através de um questionário enviado pelo correio a 5.010 adultos selecionados aleatoriamente, 2.668 respostas aproveitáveis foram obtidas (uma taxa de resposta corrigida de 53%). Esse estudo perguntou se os entrevistados haviam visitado um profissional de uma de oito terapias - acupuntura, quiropraxia, herbalismo médico, hipnoterapia, homeopatia, osteopatia, aromaterapia e reflexologia - nos últimos doze meses. Também perguntou se tinham comprado qualquer remédio herbário ou homeopático sem a prescrição. Os resultados mostraram que 13,6% dos entrevistados tinham visitado um profissional de uma das oito terapias citadas nos 12 meses precedentes e 28,3% do total tinham visitado um terapeuta do TAC ou comprado um remédio sem a prescrição. Os terapeutas mais consultados foram os osteopatas (4,3% dos entrevistados), os quiropatas (3,6%), os aromaterapeutas (3,5%), os reflexologistas (2,4%) e os acupunturistas (1,6%). 8,6% tinham comprado um remédio homeopático sem a prescrição e 19,8% tinham comprado um remédio herbário. O Sistema Nacional de Saúde (NHS) pagou por 10% das visitas estimadas aos profissionais, mas os autores calcularam que 450 milhões de libras foram usadas em seis das terapias principais (excluindo aromaterapia e reflexologia) durante o ano anterior.

Nos Estados Unidos da América, dois estudos nacionais por telefone foram conduzidos, entrevistando adultos aleatoriamente selecionados, sobre o uso do TAC em 1990 e 1997. Destacam-se só as modalidades correspondentes às dos estudos ingleses para poder comparar. Em 1990, 33,8% dos entrevistados usaram TAC nos últimos 12 meses, e em 1997 foram 42,1%. Dentro das modalidades de TAC usadas: as técnicas de relaxamento foram usadas por 13,1% em 90 e 16,3% em 97; medicina herbária, 2,5% em 90 e 12,1% em 97; massagem, 6,9% em 90 e 11,1% em 97; quiropraxia, 10,1% em 90 e 11,0% em 97; cura espiritual, 4,2% em 90 e 7,0% em 97; homeopatia, 0,7% em 90 e 3,4% em 97 e acupuntura, 0,4% em 90 e 1,0% em 97. O TAC foi usado principalmente para condições crônicas, tais como dor lombar, alergias, ansiedade, depressão e dores de cabeça. Os autores do estudo descobriram que a extrapolação dos resultados à população inteira dos EUA sugeriu um aumento de 47,3% no total das visitas aos profissionais alternativos, de 427 milhões a 629 milhões, o que era maior do que o número de visitas a todos os médicos de assistência primária dos EUA. A despesa em TAC foi estimada em 27 bilhões de dólares americanos em 1997.

Um inquérito postal nacional com 1.035 adultos foi conduzido especificamente, nos EUA em 1998, para determinar o motivo pelo qual os pacientes usaram TAC. Uma análise com regressão múltipla foi usada a fim de identificar os fatores para predizer o uso do TAC. O fator mais significativo era nível educacional mais alto, seguido pelo estado de saúde total. Os problemas de saúde crônicos, tais como a ansiedade, os problemas das costas, os problemas urinários e a dor crônica, cada um era fator também significativo para o uso do TAC. Desconsiderando os estados da saúde e social, os únicos três fatores significativos de predição sobre o uso do TAC eram: ser "culturalmente criativo", ter uma atitude filosófica holística em relação à vida e ter tido "uma experiência transformacional". O autor concluiu que o descontentamento com o cuidado convencional não era o fator principal que conduz ao uso do TAC. Sugeriu que a maioria dos usuários de TAC utilizou essas terapias por considerá-las "mais congruentes com seus próprios valores, opiniões e orientações filosóficas para a saúde e a vida".

Tratamento Alternativo e Complementar (TAC) e dor

Na literatura norte-americana, as modalidades mais citadas para tratamento da dor crônica são: biofeedback, hipnose, meditação, treinamento mente-corpo, acupuntura, homeopatia, Reiki/toque terapêutico, medicina manual: como técnicas de liberação miofascial e terapia craniosacral e ervas.

Um levantamento nacional norte-americano mostrou que os problemas lombares são a condição médica mais comum (24 por cento) para a qual as pessoas relataram o uso de TAC. Os problemas cervicais também foram associados ao uso freqüente do TAC. Outros estudos encontraram que um terço de todos os pacientes que sofreram de dor lombar procuraram mais os quiropatas do que os médicos para se tratar, tendo os quiropatas fornecido 40 por cento da assistência primária para dor lombar. Além disso, esses estudos encontraram que os quiropatas retiveram uma proporção maior de seus pacientes (92 por cento) para episódios subseqüentes do cuidado da lombalgia do que outros profissionais. De modo similar, outros autores encontraram que os praticantes e os produtos do TAC foram escolhidos mais freqüentemente do que os médicos convencionais, como nas terapias para dor crônica (52 contra 34 por cento) e dores de cabeça (51 contra 19 por cento), e também nas pessoas que sofrem de outros males associados, incluindo a depressão (34 contra 25 por cento), ansiedade (42 contra 13 por cento) e insônia (32 contra 16 por cento). Os levantamentos com os pacientes da reumatologia encontraram taxas similarmente elevadas de utilização do TAC, variando entre 19 a 63 por cento, dependendo do tipo e da gravidade de sua condição clínica. Outros estudos documentaram que as pessoas com condições crônicas dolorosas, como artrite e dor de cabeça, e problemas psicológicos (insônia, depressão e ansiedade) são usuários freqüentes das terapias alternativas e complementares, particularmente massagem, quiropraxia e acupuntura.

Pesquisa sobre Tratamento Alternativo e Complementar (TAC) e dor

Com os dados citados anteriormente, pode-se avaliar a magnitude do uso de TAC. Várias organizações governamentais e médicas têm demonstrado preocupação com a efetividade e a segurança do TAC. Por causa disso, vários estudos nessa área são publicados. Em uma busca rápida na base bibliográfica Medline, usando a palavra chave "dor" e limitando à terapia alternativa e complementar, pode-se achar 6.022 artigos publicados e indexados nos últimos 5 anos. Ao ler esses estudos, podemos nos deparar com resultados e conclusões conflitantes, às vezes até contraditórios. Várias explicações foram aventadas para justificar as diferenças de achados e a carência de comprovações consistentes. Como ponto de partida das justificativas, encontram-se os conflitos de paradigmas entre o TAC e modelo biomédico vigente (como o entendimento integral e integrado do TAC versus estilo reducionista da biomedicina), e a atenção voltada ao indivíduo no TAC versus estudo com número grande de indivíduos incluídos nos ensaios clínicos valorizados na biomedicina, são alguns pontos citados. Esse conflito paradigmático não propicia a cultura em pesquisas nos moldes considerados como válidos no TAC, com conseqüente redução na formação de recursos humanos voltados para pesquisa, produzindo assim menos estudos. Com menor produção científica, os organismos fomentadores de pesquisa reduzem o montante de financiamento para TAC, dessa forma iniciando um ciclo vicioso. Mesmo assim, há esforços para vencer as dificuldades, respeitando os conflitos paradigmáticos entre os diversos modelos de terapia. Vários estudos têm tentado resolver as questões de métodos de pesquisa clínica para que os resultados do TAC possam fornecer dados consistentes sob crivo de prática baseada em evidência, permitindo um julgamento clínico mais seguro.

Estratégia para aconselhamento

As modalidades de TAC, por um lado, não pertencem à medicina convencional nem fazem parte da formação médica curricular e, por outro lado, há freqüente surgimento de novas modalidades de TAC, com uma carência de pesquisas com resultados confiáveis. Tudo isso, acentua o desconhecimento do TAC por parte dos médicos, o que pode levar a uma postura contrária à sua utilização. Mas o paciente, na sua busca por uma assistência diferente, pode querer usar as modalidades alternativas ou complementares. Esse é um momento importante que depende muito da relação de confiança entre médico e paciente, já que muitos pacientes usam TAC e não comunicam seus médicos, e muitos médicos ignoram simplesmente a possibilidade de seu uso pelos pacientes.

Os médicos têm a responsabilidade de zelar pela saúde e pelo bem estar dos pacientes, e também de engajá-los a participar ativamente na busca desses objetivos. Para evitar as conseqüências inesperadas com o uso do TAC, foi desenvolvida uma estratégia de aconselhamento para os pacientes. A estratégia é guiada pelo princípio de "não causar dano" e "monitorar os efeitos colaterais não intencionais". Alguns itens devem ser tratados entre o médico e o paciente para esse entendimento:

1. Identificar o sintoma principal;
2. Manter um diário do sintoma;
3. Discutir as preferências e expectativas do paciente;
4. Revisar os tópicos relacionados à segurança e à eficácia, lembrando sempre que:

  • A ausência de toxicidade documentada não é sinônimo de segurança;
  • A noção de que as substâncias naturais são seguras é falsa;
  • Considerar a "toxicidade indireta" pela demora para um tratamento comprovado ou expectativa não correspondida;
  • Ponderar a relação entre risco e benefício.

5. Identificar um profissional licenciado confiável;
6. Providenciar as questões chave para o profissional alternativo durante a consulta inicial;

  • Se o profissional acredita na efetividade da terapia baseada na experiência clínica com pacientes similares? Se é possível conversar com esses pacientes?
  • Em que consiste a terapia? Qual é a freqüência recomendada?
  • Quanto tempo é necessário para decidir se a terapia é benéfica?
  • Qual é o custo? Com ou sem medicação? Se há reembolso?
  • Há efeitos colaterais potenciais?
  • Se o profissional vai comunicar os achados diagnósticos, planos terapêuticos e de seguimento para médico assistente? Há algumas limitações nesta comunicação?

7. Agendar visita de seguimento para reavaliar plano de tratamento;
8. Seguimento para revisar a resposta ao tratamento;
9. Providenciar a documentação.

Esta estratégia é recomendada porque muitas vezes os médicos e os pacientes ficam confusos diante de tantas modalidades de TAC, com surgimento constante de novas terapias e carência de resultados de estudos consistentes. A utilização da estratégia de aconselhamento pode estabelecer uma avaliação da eficácia e segurança do tratamento alternativo e complementar.

Para saber mais:
1.National Center for Complementary and Alterantive Medicine (NCCAM), National Institutes of Health (NIH): http://nccam.nih.gov/
2.White House Commission on Complementary and Alternative Medicine Policy: http://whccamp.hhs.gov/
3.European Forum for Complementary and Alternative Medicine: http://www.efcam.eu/
4.House of Lords - Science and Technology - Sixth Report, Complementary and Alternative Medicine: http://www.parliament.the-stationery-office.co.uk/pa/ld199900/ldselect/ldsctech/123/12301.htm
5.Evidence-based Complementary and Alternative Medicine (EBCAM), Tufts University School of Medicine (TUSM): http://www.tufts.edu/med/ebcam/ebm/index.html

Li Shih Min é professor adjunto do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), médico do Ambulatório de Acupuntura do Hospital Universitário/UFSC,e colaborador do Programa de Residência Médica em Acupuntura do Hospital Regional de São José, SC. É também diretor do Instituto de Pesquisa e Ensino de Medicina Tradicional Chinesa (Ipe/MTC), Florianópolis, SC. Contato: li@hu.ufsc.br