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Artigo
Razão de ser das editoras universitárias
Por Paulo Franchetti
10/11/2008

Um dos tópicos recorrentes nos debates de fóruns dedicados às editoras universitárias é se elas têm condições de ser auto-sustentadas. A questão não é simples. Mas, de meu ponto de vista, tem de ser formulada de outra maneira: uma editora universitária deve ser auto-sustentada?

Para responder de forma produtiva a essas indagações, evitando brandir princípios ou preconceitos, é preciso começar por refletir sobre as funções de uma editora universitária.

A primeira pergunta, portanto, é: em que condições e com que objetivos uma instituição acadêmica deve criar ou manter sua própria editora? No caso das universidades públicas, essa indagação gera, desde logo, um corolário que é: por que o Estado deve assumir a atividade editorial, em vez de buscar um fornecedor do serviço no mercado?

A resposta mais simples e simplista seria que uma editora universitária se destina a difundir a pesquisa realizada no âmbito da universidade a que pertence. Ora, a pesquisa realizada nos níveis iniciais da carreira acadêmica, quais sejam a iniciação científica e o mestrado, tem atualmente uma forma privilegiada de divulgação, que é a eletrônica. Já a produção posterior ao doutorado, nas áreas de exatas e tecnológicas, se difunde por meio de periódicos especializados e indexados. Apenas nas áreas das humanidades a forma preferencial de divulgação de pesquisa é o livro. Mas justamente nessas áreas não é difícil encontrar interesse de publicação dos trabalhos por editoras comerciais de primeira linha.

É certo que boa parte dos resultados da pesquisa acadêmica que demanda a forma de livro não desperta interesse das editoras de mercado, seja porque se destina apenas a um conjunto relativamente pequeno de especialistas, seja porque o assunto não está na moda ou não ocupa um lugar importante nas preocupações do presente. Mas, do ponto de vista da divulgação dos resultados da pesquisa, esse conjunto de obras não justifica a constituição e a manutenção de uma editora: muito mais barato e eficaz, do ponto de vista da difusão, seria, para a universidade, subvencionar a publicação de obras de seus pesquisadores por editoras comerciais. Não é, pois, para divulgar a sua produção de pesquisa que uma universidade deve criar ou manter uma editora. Fosse esse o objetivo principal, já essa editora traria uma pesada marca de origem, pois a endogenia não é um bom caminho para a qualidade, e ter como objetivo principal abrigar a produção interna tem sido o caminho curto – principalmente nas universidades sem expressiva produção científica e cultural – para o rebaixamento do interesse e da respeitabilidade do catálogo.

Uma análise rápida do catálogo das mais conceituadas editoras universitárias do país permite verificar que, seja qual for a proporção de autores da casa nele representados, uma parte muito significativa dos demais títulos é constituída de livros produzidos por docentes e pesquisadores externos ao quadro da universidade a que pertence a editora.

Na verdade, a análise desses catálogos permite dividir a produção entre livros escritos originalmente em português e livros traduzidos; e, dentre os primeiros, abrem-se dois grupos principais: livros de referência para a pesquisa nos vários campos do saber e livros destinados à utilização em sala de aula.

Por meio dessa breve análise é possível delinear a função principal das melhores editoras universitárias. Sem prejuízo da publicação da pesquisa de qualidade realizada na instituição, elas atuam de forma decisiva na composição de bibliotecas acadêmicas, por meio da publicação de trabalhos produzidos no país e do investimento na tradução de obras fundamentais para os cursos universitários de graduação e pós-graduação, bem como publicando material didático.

É certo que as editoras de mercado também se dedicam ao segmento acadêmico (leia reportagem sobre o tema). O que distingue uma boa editora universitária de uma editora de mercado é que o argumento decisivo para a publicação de uma obra não é o retorno financeiro, mas sim o acadêmico, ou seja, o impacto da obra na consolidação, na expansão ou no aprimoramento de um determinado campo do saber. Assim, entre uma obra de qualidade inferior que promete retorno auspicioso do investimento e uma obra de qualidade superior que, na melhor hipótese, permite prever a recuperação do investimento ao longo de um período largo de tempo, não há dúvida sobre qual a escolha de uma boa editora. Porque o seu objetivo principal é o atendimento às necessidades da comunidade acadêmica, a editora universitária pode elaborar uma política editorial centrada no aspecto acadêmico. Por exemplo, pode contemplar de modo diferente a publicação de obras de um campo do saber ainda em formação no país, assumindo os custos de fazer livros para leitores potenciais que só existirão a partir do momento em que um conjunto significativo de livros daquela área específica estiver disponível no mercado. Da mesma forma, uma editora acadêmica, apoiada em pareceres especializados, pode optar responsavelmente por investir numa obra ou numa série de obras que só a médio ou longo prazo produzirão resultados, seja do ponto de vista financeiro, seja do ponto de vista científico e cultural. Mais que isso: uma editora acadêmica não foge aos seus objetivos, nem trai os seus princípios (pelo contrário) se constatar que vários de seus títulos não produziram nenhum lucro, embora tenham contribuído para o aprimoramento do saber.

O diferencial da editora universitária se apresenta ainda com clareza quando se considera o seu catálogo de traduções. Um livro traduzido implica um investimento enorme. Primeiro, é preciso fazer um adiantamento ao editor estrangeiro, para obter a licença. Depois, é preciso investir na tradução propriamente dita, bem como na revisão técnica da tradução. Só depois desse investimento alto é que começa a segunda fase de produção, que corresponde à de um livro na língua do país: preparação, revisão, composição e impressão. Entre o pagamento do adiantamento e a comercialização do primeiro exemplar decorre tempo tanto mais longo, quanto mais especializada e complexa for a obra a traduzir. E como as obras mais especializadas e mais complexas não são usualmente as que encontram maior público, o melhor cenário possível é aquele no qual a primeira edição permita cobrir o investimento. Fica evidente, pois, que se as traduções de textos relevantes para o universo acadêmico se fizessem apenas segundo os critérios de mercado, as lacunas bibliográficas seriam muito maiores do que são hoje no Brasil. E esse é um lugar de atuação privilegiado das editoras universitárias, pois estas não somente contam com as indicações da comunidade dos pesquisadores e professores – que conhecem as lacunas existentes –, mas também estão dispensadas de obter resultados de vendas para distribuir dividendos entre sócios ou acionistas.

Por fim, o terceiro ponto de destaque nos catálogos das editoras universitárias de primeira linha são os livros que consubstanciam uma experiência de sucesso no ensino e na formação de estudantes. São os livros para uso em sala de aula, tanto em nível de graduação, quanto de pós-graduação. Especial atenção merecem aqueles que, moldados pelas necessidades de faculdades de alto nível e de ponta no desenvolvimento de um campo do saber, não teriam acolhida em editoras de mercado, pois não se aplicariam indistintamente aos demais cursos universitários do país. Constituem eles, assim, não só um investimento na consolidação da experiência acumulada pela instituição, mas também uma forma de permitir a inovação e a prática diferenciada que caracterizam uma boa instituição de ensino superior.

Neste momento, podemos retornar à questão inicial: uma editora universitária deve ser auto-sustentada? Se por auto-sustentada quisermos significar que o resultado da venda dos livros deve cobrir todos os custos de operação da editora (isto é: o uso e a depreciação das instalações físicas e dos equipamentos, as despesas operacionais, o custo financeiro do investimento na produção e o salário dos funcionários e dirigentes), podemos ver facilmente que o diferencial da editora universitária tenderia a reduzir-se rapidamente a zero, pois ela teria de se submeter à lógica do mercado. Se tal ocorresse, não faria sentido manter, dentro da universidade – ao menos no caso das universidades sustentadas pelo poder público –, um órgão que não se distingue significativamente das empresas dedicadas à exploração do mesmo negócio. É certo que, em alguns casos, uma editora universitária que se comporte como editora de mercado, mas carregue a marca de uma universidade, pode ser uma forma conveniente de afirmação da marca, uma forma eficiente de marketing. Mas esse é um argumento que foge ao escopo desta reflexão, que está centrada na questão da função diferencial, em termos do avanço do conhecimento, da editora universitária. Do ponto de vista dessa função, que me parece mais relevante do que as demais que se possam atribuir às editoras universitárias, creio que exigir delas a completa auto-sustentabilidade é impedi-las de encontrar a justificativa da sua existência.

É certo que o equilíbrio entre o custo e o resultado é desejável. Mas creio que mais importante do que obter a conciliação das contas é prover a editora universitária de um orçamento que lhe permita investir regularmente na produção de livros selecionados com base em argumentos de mérito científico e cultural. A composição desse orçamento – recursos diretos obtidos de fundações, órgãos de fomento ou da própria universidade que a mantém; recursos indiretos como cessão de instalações e equipamentos, bem como salário de funcionários – não importa discutir aqui. Importa, sim, afirmar a necessidade desse orçamento, pois sem ele a editora universitária não conseguirá tornar-se ou continuar a ser um espaço de elaboração e implementação de uma política acadêmica conseqüente.

As universidades públicas, cujos objetivos são a produção do conhecimento e a formação de profissionais para a sociedade, não esperam que as várias atividades para a produção, a difusão e a preservação do conhecimento devam ser auto-sustentadas. Não o são a extensão comunitária, nem os museus, nem os vários meios de difusão dos trabalhos produzidos no seu interior. Muito menos os cursos de formação de graduados ou pós-graduados. Avaliar o rendimento de uma editora universitária pelos critérios empresariais, portanto, não faz sentido.

O que, sim, devemos fazer, em minha opinião, é exigir que ela seja, pelo contrário, cada vez mais, um espaço de promoção do conhecimento, de elaboração e implementação de uma política editorial que contribua para o fortalecimento e para a melhoria dos vários campos do saber que compõem a universidade. Ou seja, que ela seja menos uma empresa e mais um órgão universitário de caráter decididamente acadêmico.

Paulo Franchetti é diretor executivo da Editora da Unicamp.