REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
Neurociências: ensino e divulgação científica - Carlos Vogt
Reportagens
A luta contra o AVC no Brasil
Beatriz Abramczuk
e Edlaine Villela
De pai para filho: fatores genéticos e ambientais podem desencadear a doença
Danielle Lucon
e Fábio Mury
Qualidade de vida pós-AVC
Ana Paula Morales,
Carolina Toneloto,
Daniele Martini
e Sueli Adestro
Janelas de tempo: a eficácia do atendimento de emergência
Caio Moreira
e Felipe Modenese
AVC na infância?
Cleide Fernandes
e Enio Rodrigo
Quando o médico vira paciente
Marcela Carlini
e Renata Armas
Falta divulgação de AVC em animais de estimação
Cesar Ornelas
Artigos
Decifra-me ou devoro-te...
Li Li Min
Epidemiologia e impacto da doença cerebrovascular no Brasil e no mundo
Norberto Luiz Cabral
Acidente vascular cerebral e pronto-socorro
Lucas Vilas Bôas Magalhães
A divulgação do AVC por dois meios de comunicação de massa
Ricardo Afonso Teixeira,
Li Li Min
e Vera Regina Toledo
Neuroimagem dos infartos e hemorragias
Augusto Celso S. Amato Filho
O doppler transcraniano como método complementar diagnóstico e terapêutico
Viviane Flumignan Zétola
e Marcos C. Lange
Diagnóstico por imagem da trombose venosa cerebral
Fádua Hedjazi Ribeiro
Técnicas de processamento de imagens de tomografia computadorizada
Gabriela Castellano,
Márcia Silva de Oliveira
e Li Li Min
Diagnóstico e tratamento dos fatores de risco
Wilson Nadruz Junior
Hipertensão arterial e AVC
Rubens José Gagliardi
Atividade física e acidente vascular cerebral
Alexandre Duarte Baldin
Abordagem do tabagismo: estratégia para redução de fator de risco modificável para AVC
Renata Cruz Soares de Azevedo
Síndrome metabólica e obesidade: é melhor prevenir desde a infância
Lília D'Souza-Li
Medicina tradicional chinesa e acupuntura
Li Shih Min
Tempo é cérebro
Wagner Mauad Avelar
Orientações fonoaudiológicas
Lucia Figueiredo Mourão
e Elenir Fedosse
O papel da fisioterapia no acidente vascular cerebral
Luiz Carlos Boaventura
Terapia ocupacional no tratamento do AVC
Daniel Marinho Cezar da Cruz
e Cristina Yoshie Toyoda
Aspectos psicossociais do AVC
Paula Teixeira Fernandes
Neuroestimulação e reabilitação motora no acidente vascular cerebral
Adriana Bastos Conforto
e Josione Rêgo Ferreira
Genética e doença cerebrovascular
Marcondes C. França Jr.
Modelos animais no estudo de AVC
Marcelo Ananias Teocchi
Isquemia e hemorragia cerebral na infância
Maria Augusta Montenegro
e Carlos Eduardo Baccin
Onde a enxaqueca se encontra com o derrame cerebral
Ricardo Afonso Teixeira
Dissecção arterial: causa pouco conhecida de AVC em jovens
Cynthia R. C. Herrera
Pororoca cerebral
Li Li Min
e Paula T. Fernandes
Gravidez sem acidente
Marcelo Luís Nomura,
Liu Dong Yang
e Li Li Min
Saúde bucal e aterosclerose da carótida
Nayene Leocádia Manzutti Eid
A vivência dos familiares de pacientes no processo de adoecer e morrer
Marcos Antonio Barg
Resenha
Corpo, doença e liberdade
Por Juliano Sanches
Entrevista
Sheila Cristina Ouriques Martins
Entrevistado por Por Suélen Trevisan
Poema
Plano de rota
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Artigo
Abordagem do tabagismo: estratégia para redução de fator de risco modificável para AVC
Por Renata Cruz Soares de Azevedo
10/06/2009

Introdução

A maior parte do tabaco consumido atualmente é sob a forma de cigarros industrializados. Na queima, cada cigarro libera mais de quatro mil substâncias, muitas das quais ainda não estudadas. São conhecidas a nicotina, monóxido de carbono, dióxido de carbono, água e um conjunto de substâncias chamadas de alcatrão. A nicotina exerce efeitos psicoativos (sensação de prazer, alerta, concentração, diminuição do apetite). A maior parte dos danos físicos advém do monóxido de carbono e do alcatrão.

Em meados de 1970, foi publicado o primeiro relatório oficial afirmando que fumar contribui para o desenvolvimento de doenças graves. Em 1988, estudos apontaram que a nicotina é uma droga que provoca dependência. De um hábito extremamente glamourizado, há algumas décadas, o fumo perdeu vertiginosamente sua aceitação social.

Nas últimas décadas, o combate ao fumo e seus malefícios ganhou fôlego, com uma crescente conscientização por parte dos profissionais da saúde e da população sobre os danos à saúde representados pelo tabagismo. Além de abordagens preventivas, novas formas de tratamento foram desenvolvidas. Apesar disso, ainda há deficiências na abordagem e escassez nas medidas de intervenção.

Levantamento realizado em 2005 apontou que 10,1% da população brasileira, de 12 a 65 anos, é dependente de tabaco. A idade média de início de consumo está entre 13 e 14 anos mas, diferentemente do que acontece com as outras drogas, não há tendência de declínio do uso com a idade.

Estima-se que 60% daqueles que fumam por seis semanas irão continuar fumando por mais trinta anos. Portanto, as estratégias de enfrentamento do tabagismo devem incluir a não iniciação e o estímulo para cessação nos já dependentes.

Tabagismo e doenças

O tabagismo é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a principal causa de morte evitável no mundo, sendo responsável por quatro milhões de mortes no mundo e oitenta mil no Brasil, a cada ano. A expectativa de vida de um indivíduo que fuma é 25% menor que a de um não fumante. Das 25 doenças relacionadas ao hábito de fumar, todas são causa de morte, sendo as principais: doenças cardiovasculares (43%), câncer (36%) e doenças respiratórias (20%).

Entre as patologias que podem ter sua taxa modificada com a cessação do tabagismo encontram-se a hipertensão arterial e o AVC. A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é muito frequente (87,8%) entre pacientes idosos com AVCi, independentemente do sexo e da faixa etária. Estudos apontam que o tabagismo aumenta em duas vezes o risco de AVC, sendo o principal fator de risco modificável, especialmente entre homens. Alguns autores sugerem que o abandono do tabaco, principalmente na forma de cigarros, reduz o risco de AVC em dois a cinco anos.

Além dos riscos para o fumante, há redução do crescimento fetal e agravamento de quadros respiratórios, alérgicos e infecciosos em crianças expostas à fumaça do cigarro.

Dependência de nicotina

A dependência de nicotina apresenta três principais mecanismos para sua manutenção:

- Reforço positivo, que é o mecanismo que leva um indivíduo a repetir um comportamento percebido como prazeroso, no caso, a capacidade da nicotina de reduzir o apetite, aumentar a disposição, o estado de alerta e a atenção;
- Condicionamento ou hábito desencadeado por estímulos ambientais, tais como, o uso de café e de bebidas alcoólicas ou de emoções positivas (comemorar, relaxar) e negativas (sentir-se solitário, entristecido), associadas ao ato de fumar);
- Reforço negativo, caracterizado pela manutenção do uso para evitar o desconforto proporcionado pelos sintomas da síndrome de abstinência, principalmente ansiedade, irritabilidade, aumento do apetite, e dificuldade de concentração.

Estratégias para abordagem do tabagismo

A combinação de informações a respeito dos riscos do fumo, educação de saúde para mudar as atitudes das pessoas em relação ao cigarro, proibição da propaganda e venda a menores de idade, aumento de impostos, restrições ao fumo em lugares públicos (como a recente lei adotada no estado de São Paulo) e a criação de grupos de aconselhamento breve para fumantes, estão entre as principais estratégias.

Com relação à abordagem dos tabagistas, propriamente dita, alguns aspectos são fundamentais:

- Avaliar o grau de motivação do tabagista para parar de fumar e adequar a intervenção ao momento do indivíduo, para aqueles muito resistentes à ideia, apresentar informações sobre os riscos do tabagismo para ele e para as pessoas com quem convive e solicitar que considere isso para estimulá-lo a pensar em parar de fumar, em um outro momento, para os que já se mostram receptivos à ideia da cessação, apresentar alternativas de tratamento que possam ajudá-lo e para os já motivados, iniciar o tratamento.

- Um aspecto importante, na tentativa de aumentar a motivação, é buscar reconhecer quais motivos mostram-se mais adequados a cada pessoa. Por exemplo, para senhoras, uma razão pode ser ter se tornado avó e a preocupação com o tabagismo passivo em seus netos; para um homem, questões relacionadas à potência sexual; para jovens, aspectos que envolvam sua aparência e atividade física. Quanto mais próxima à realidade do indivíduo, maior a chance da sensibilização ocorrer.

- Avaliar se o indivíduo apresenta doenças físicas e/ou mentais que necessitem de avaliação e tratamento;

- Uma boa parte dos fumantes já tentou parar de fumar uma ou mais vezes. É importante reforçar que a média de tentativas gira em torno de quatro, e que, a cada tentativa, ele estará mais perto da cessação definitiva. Nesse sentido, é importante rever as tentativas anteriores de parada e as razões de fracasso para não repeti-las;

- Conhecer os temores do indivíduo com relação a parar de fumar (por exemplo ganho de peso, fissura, medo de fracassar) para orientá-lo;

- Se ele estiver disposto a tentar, sugerir que marque uma data de parada.

Uma forma de avaliar o grau de dependência da nicotina, e a provável necessidade de utilização de Terapia de Reposição de Nicotina (adesivo ou goma), é a utilização do teste abaixo:

Teste de Fageström

Pergunta

Resposta

Pontos

Quanto tempo demora para fumar o 1º cigarro da  manhã?

< 5 minutos
6-30 minutos
31-60 minutos
> 60 minutos

3
2
1
0

É difícil deixar de fumar nos lugares onde é proibido?

Sim
Não

1
0

Que cigarro ao longo do dia é mais difícil de deixar de fumar?

1º da manhã
Todos os demais

1
0

Quantos cigarros você fuma por dia?

<= 10
11-20
21-30
>31

0
1
2
3

Habitualmente você fuma mais nas primeiras horas do dia do que no restante do dia?

Sim
Não

1
0

Você fuma mesmo estando doente na cama?

Sim
Não

1
0

Pontuação: 0 a 3 dependência leve; 4 a 6 dependência moderada; >= 7 dependência grave.

A partir da dependência moderada, sugere-se considerar o uso de TRN.

Do ponto de vista farmacológico, as principais alternativas de tratamento são:

Produto

Comentários

Orientações

Adesivo de nicotina

Tratamento de 1ª linha. Libera nicotina estavelmente ao longo do dia. Risco de reação cutânea local.

Apresentações de 21, 14 e 7 mg. Iniciar na noite anterior à data de parada.

Goma de nicotina

Tratamento de 1ª linha. Libera nicotina agudamente. Cuidado com uso de prótese dentária.

Apresentação de 2 e 4mg. Iniciar imediatamente após a cessação.

Bupropiona

Tratamento de 1ª linha. Uso cuidadoso com hipertensos não controlados. Não utilizar para pacientes com antecedente de convulsões, anorexia ou transtorno bipolar.

Iniciar 10 a 15 dias antes da data de parada. Começar com 1 cp de 150 mg/dia pela manhã, após o 3º dia 150 mg pela manhã e 150 mg à tarde, intervalo de 8 horas, evitar tomada noturna.

Vareniclina

Tratamento de 1ª linha. Uso criterioso em pacientes com histórico de transtorno mental. Risco de náusea principalmente no início do tratamento.

Iniciar 7 a 15 dias antes da parada. Começar  com 0,5 mg 1x ao dia, do 1º ao 3º dia; do 4º ao 7º dia, 0,5mg 2 x ao dia, do 8º dia até o final do tratamento 1mg 2x ao dia.

Nortriptilina

Considerada terapêutica de 2ª linha. Considerar efeitos colaterais. Realizar avaliação cardiovascular; é contra indicado em paciente com transtorno bipolar

Iniciar com 25 mg e avaliar aumento da dose. Realizar ECG antes de iniciar.

Finalizando, é importante salientar que o estímulo à cessação do tabagismo deve ser realizado sempre que possível e, para isso, deve-se utilizar de clareza na orientação e considerar a dificuldade de cessação por parte do tabagista. O aumento da disponibilidade de informações sobre os malefícios do cigarro tem estimulado os tabagistas a tentarem parar de fumar, o que tem se refletido na redução das taxas de tabagismo na população brasileira. Esse movimento tem sido acompanhado de mudanças na legislação que priorizam a redução do fumo passivo através da exposição à fumaça do cigarro e outros produtos fumígeros em ambientes fechados. A essas medidas, deve ser acrescida a maior facilidade de acesso ao tratamento, propiciando, assim, uma elevação nas taxas de cessação definitiva e repercutindo, a médio prazo, na redução das doenças relacionadas ao tabaco, consequentemente, na mortalidade atribuída a esse fator de risco evitável.

Renata Cruz Soares de Azevedo é psiquiatra, professora do Departamento Psicologia Médica e Psiquiatria, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Coordenadora do Ambulatório de Substâncias Psicoativas (Aspa) do Hospital das Clínicas (HC) da Unicamp.