REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
Catástrofes naturais - Carlos Vogt
Reportagens
O previsível e o imprevisível nos desastres naturais
Alessandra Pancetti
Quando a terra treme
Márcio Derbli
Os (não tão) imperceptíveis movimentos da Terra
Leonor Assad
As consequências sociais das tormentas
Carolina Octaviano
Desastres ambientais impactam de acordo com a estrutura local
Carolina Simas e Clara Montagnoli
Artigos
Tempestades, terremotos, vulcões e a geomitologia
Antonio Carlos Sequeira Fernandes
Origem dos terremotos no Nordeste
Paulo de Barros Correia
Impactos e medidas econômicas relacionados a desastres
Juliano Costa Gonçalves
Riscos geológicos e políticas públicas
Ronaldo Malheiros Figueira
Subsídios para análise dos desastres
Marcos Antônio Mattedi
Resenha
Espelho de uma transição
Por Cristiane Paião
Entrevista
Álvaro Crósta
Entrevistado por Danilo Albergaria
Poema
Gravidade
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Artigo
Origem dos terremotos no Nordeste
Por Paulo de Barros Correia
10/04/2010

“O Brasil é um país abençoado por Deus porque aqui não há terremotos”. Quem nunca ouviu esta frase? Infelizmente isso não é verdade. Como mostra a Figura 1, há mais terremotos no Brasil, do que se pensa ou pensava. Nas últimas décadas, o Nordeste é a região do país que vem registrando o maior número de abalos sísmicos. Recentemente, a população da cidade de Alagoinhas no agreste de Pernambuco, a cerca de 230 km do Recife, ficou apavorada com os tremores de terra que ocorreram em um pequeno espaço de tempo. Foram mais de 60 abalos sísmicos de magnitudes que variaram de 2,5 a 3,2 na escala Richter, entre os dias 8 e 10 de março passado. Aliás, abalos sísmicos não são raros no Nordeste. Os primeiros registros históricos de terremotos no Nordeste datam de 1724 em Salvador (BA). Desde essa época, muitos abalos sísmicos foram registrados em todos os estados do Nordeste do Brasil. Dentre as localidades mais atingidas destacam-se Caruaru e Belo Jardim, em Pernambuco, João


Mapa de Sismicidade no Brasil. Fonte “Decifrando a Terra”.

Câmara e Parazinho, no Rio Grande do Norte, Pacajus e Sobral, no Ceará, e algumas cidades do recôncavo baiano.

Por que ocorrem terremotos no Nordeste?

A superfície terrestre é composta por placas litosféricas rígidas, que incluem crosta continental e oceânica, chamadas de placas tectônicas. Essas placas flutuam sobre uma camada viscosa da parte mais externa do manto, que os geocientistas chamam de astenosfera. As placas tectônicas se distribuem na superfície terrestre como se fossem peças de um quebra-cabeça. Se uma peça dessas se move, vai colidir com as suas vizinhas. Essa colisão provoca dois tipos de terremotos, os terremotos de borda de placa, mais fortes, como os que ocorrem no Chile e os terremotos intraplaca, historicamente mais fracos, como os que ocorrem no Nordeste. A placa em que viajamos é a Placa Sulamericana, que colide com a Placa de Nazca a oeste (Figura 2), e a leste, ela se afasta da Placa Africana, como mostram as setas azuis divergentes da Figura 2. A colisão a oeste é do tipo zona de subducção (Figura 3A), onde a placa de Nazca que é oceânica e mais densa mergulha sob a placa Sulamenricana, que é continental e menos densa. Já na borda leste, o mecanismo envolve uma célula de convecção que faz o magma ascender à superfície afastando as duas placas, dando origem à cadeia meso-atlântica, mostrada na Figura 3B. Diante disto é fácil compreender que a Placa Sulamericana está submetida a um regime compressivo provocado pelo empurrão da Placa de Nazca de oeste para leste, e pela ascensão magmática na cadeia meso-atlântica, que a empurra para oeste.


Colisão entre as placas Sulamericana, a placa de Nazca e a placa Africana.
As setas azuis mostram a direção e o sentido do movimento das placas.


Mecanismos de colisão da Placa Sulamericana, a oeste com a
Placa de Nazca (A) e do afastamento a leste, da Placa Africana (B).

Essa compressão a que está submetida a Placa Sulamericana, é a principal responsável pela maioria dos abalos sísmicos que ocorrem no Nordeste. Estando sobre uma unidade geológica muito antiga, mas cheia de falhas, chamada Província Borborema (Figura 4), o Nordeste é sismologicamente instável. As falhas mais extensas e profundas constituem verdadeiras zonas de fraqueza da crosta terrestre, que os geocientistas chamam de suturas, tendem a se movimentar, provocando diversos abalos sísmicos. Uma dessas suturas corta o estado de Pernambuco desde o Recife até a divisa com o estado do Piauí. Essa grande falha geológica, de pelo menos 550


Falhas geológicas profundas ou zonas de fraqueza na Província Borborema.
As setas vermelhas representam os esforços compressivos originados
nas bordas da placa Sulamernicana.

milhões de anos, constitui uma sutura vertical da ordem de 30 km de profundidade. Na terminologia geológica é denominada Zona de Cisalhamento Pernambuco ou Lineamento Pernambuco (Figura 5).


Mapa de Pernambuco mostrando a Zona de Cisalhamento Pernambuco
em branco e as falhas associadas em preto.
As setas laterais vermelhas representam a compressão sofrida pela placa
Sulamericana e as bolinhas vermelhas são os locais onde já ocorreram abalos sísmicos.

Ao longo da Zona de Cisalhamento Pernambuco os sismos se distribuem às vezes sobre a própria zona de cisalhamento (Figura 5), às vezes acima ou abaixo da mesma, associado a alguma falha de menor extensão.

Comparados com os terremotos que ocorrem na borda oeste da placa Sulamericana, os abalos sísmicos do Nordeste são muito menos intensos, devido à sua situação intraplaca. Não há, como no Chile, uma placa mergulhando por baixo da outra provocando grandes terremotos. O Nordeste brasileiro está longe das bordas da placa. Os terremotos são de magnitude baixa e ocorrem provocando pequenos abalos, às vezes em grande quantidade. É bom que seja assim, pois é um sinal de que o esforço está sendo dissipado em doses homeopáticas, não permitindo o acumulo de grande quantidade de energia, capaz de provocar sismos de maior magnitude.

Até agora não há como prever de uma maneira efetiva a hora e o local exato dos abalos sísmicos. Com todo o avanço da tecnologia na construção de sensores sofisticados, no momento é impossível precisar, principalmente o dia e a hora do evento sísmico. Com relação aos locais dos sismos se sabe que em geral os eventos ocorrem sempre associados a falhamentos ou suturas. No Nordeste o monitoramento dos sismos é feito através de estações sismográficas controladas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que tem o único observatório sismológico da região. Eventualmente a Universidade de São Paulo (USP), através do Instituto Astronômico e Geofísico, e a Universidade de Brasília (UnB) realizam pesquisas sismológicas na região. No entanto os conhecimentos ainda são parcos uma vez que a pesquisa nessa área ainda é incipiente. Não se sabe ainda, por exemplo, se o esforço acumulado na placa está sendo completamente dissipado através desses pequenos abalos. Será que regionalmente a placa não está acumulando esforço para depois liberar toda essa energia de uma só vez, apesar dos pequenos abalos? A resposta a essa pergunta só acontecerá com intensa pesquisa e apoio dos órgãos públicos.

Paulo de Barros Correia é professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).