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Reportagem
Teoria e experimentação na física: os desafios na confirmação das hipóteses
Por Gabrielle Adabo
10/03/2014
Entender o Universo é um dos propósitos da física. A preocupação em responder às questões que todo ser humano se coloca sobre sua existência está presente desde os primórdios dessa ciência. Segundo autores como o físico, astrônomo e matemático britânico James Jeans, os passos iniciais da física começam em 5000 a.C.: a mais remota manifestação de interesse sistemático por essa ciência da qual se tem notícia teria vindo das civilizações que habitaram as bacias do Eufrates e do Nilo nesse período.

Muito mais próximos no tempo, os fundamentos da física atual devem muito à contribuição dos gregos da Antiguidade clássica. Em 340 a.C., ao buscar um modelo, com base na observação a olho nu dos astros, que melhor representasse a Terra, o filósofo grego Aristóteles apresenta a ideia revolucionária de que o planeta teria o formato de uma esfera, e não de um prato, como era a crença corrente. O filósofo, no entanto, acreditava ser a Terra o centro do universo e que todos os demais astros fariam um movimento circular ao redor dela.

Por volta de 200 a.C., o cientista Cláudio Ptolomeu, também grego, cria um modelo para representar a ideia de Aristóteles. Apenas por volta de 1500 essa interpretação será substituída: Nicolau Copérnico propõe que o Sol seria, na verdade, o centro de tudo, ao redor do qual girariam os planetas. Um século depois, a ideia de Copérnico será verificada pelo italiano Galileu Galilei com o uso de um telescópio, equipamento recém-inventado. Galileu também se dedicou a testar os princípios de mecânica propostos por Aristóteles. Até então, a tradição aristotélica pregava que a observação não era necessária para se formular as hipóteses – era o chamado “pensamento puro”.

Para verificar o enunciado de que diferentes corpos caem a diferentes velocidades, por exemplo, Galileu realizava experiências com objetos de diferentes pesos, deixando-os cair da mesma altura ou rolando-os de superfícies, calculando o tempo com o uso de um relógio de água aprimorado. Com base nos diversos testes que realizou, Galileu pôde provar que o efeito de uma força sobre um corpo não era apenas produzir movimento e sim alterar a sua velocidade, e que um corpo sobre o qual não atuasse nenhuma força se moveria com movimento uniforme.

Em 1687, Isaac Newton publica os Princípios matemáticos da filosofia natural, no qual postula leis da física com base nos resultados de Galileu. A publicação marcou a história da física. Nela estão a Lei da Gravitação Universal e as famosas três leis de Newton que descrevem o movimento dos corpos e são a base da mecânica clássica.

Teoria versus experimento

Essa breve viagem pelos primórdios da física evidencia a relação entre teoria e experimentação, fundamental para a ciência. “A física é uma ciência dedicada a explicar os fundamentos dos processos naturais. Assim, uma teoria só faz sentido se conseguir explicar os processos que se propõe a descrever. Outra coisa que se espera é que uma teoria seja o mais simples possível, simples, aqui, no sentido de exigir poucas hipóteses. Uma teoria que não possa ser comprovada experimentalmente não pode ser chamada de teoria, pois deve ser passível de verificação experimental”, explica o professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) Airton Deppman.

A teoria, na física, portanto, é sempre algo provisório e sua manutenção depende do sucesso dos experimentos. Na verdade, as teorias são constantemente testadas, mas a sua comprovação é algo impossível: um experimento pode dar certo milhões de vezes, o que aumenta a credibilidade da teoria, mas pode ser que na próxima tentativa ele dê errado. Um experimento, no entanto, também é capaz de derrubar uma teoria, caso as observações sejam contrárias às hipóteses e previsões. Nesse sentido, o advento da tecnologia tem papel fundamental.

“Uma vez que temos uma teoria, extraímos consequências observacionais e a testamos. Se ela não descrever bem os resultados experimentais, isso pode indicar diferentes problemas: 1) a teoria pode realmente estar errada e a descartamos; 2) a teoria pode estar parcialmente correta e aí tentamos modificá-la a fim de obter concordância com os dados; 3) a teoria pode não descrever bem os dados porque a estamos aplicando fora do domínio de validade da mesma”, enumera o professor do Instituto de Física da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Andre Sznajder.

Essa última possibilidade , segundo Sznajder, foi o que aconteceu com a mecânica newtoniana. Do século XVII, quando foi proposta, até o início do século XX, ela foi a responsável por explicar todos os fenômenos físicos. “A mecânica de Newton (mecânica clássica) foi utilizada para descrever o movimento dos objetos macroscópicos de forma precisa por algumas centenas de anos. Entretanto, quando começamos a fazer experimentos a nível atômico, descobrimos que a teoria de Newton não descrevia bem os movimentos dos objetos nessa escala. Isso levou à formulação da Mecânica Quântica, que é uma teoria mais fundamental e da qual a mecânica clássica de Newton pode ser vista como um caso limite macroscópico”, explica Sznajder.

O século XX, portanto, foi palco para o surgimento de novas teorias que substituíram a mecânica newtoniana. A Mecânica Quântica descreve os fenômenos que ocorrem no nível do átomo e suas subpartículas. Por outro lado, a Teoria da Relatividade, proposta por Albert Einstein, surgiu para dar conta de energias ou velocidades muito grandes, próximas à velocidade da luz, e dos campos gravitacionais como os das galáxias.

A Teoria da Relatividade Especial foi criada em 1905 e prevê fenômenos que ocorrem na ausência de um campo gravitacional, os quais foram confirmados, por exemplo, em experiências com os aceleradores de partículas (dispositivos nos quais os átomos e suas subpartículas colidem na velocidade da luz) e nas viagens à Lua. Já para dar conta da gravidade e substituir a lei postulada por Newton, surgiu a Teoria da Relatividade Geral.

Físicos teóricos e experimentais

Quem é fã da série de TV The Big Bang Theory já deve ter reparado que a distinção entre teoria e experimentação está presente em dois personagens da trama. Sheldon é o chamado físico teórico, formula as teorias com base em cálculos; já Leonard é o físico experimental: seu ambiente de trabalho é o laboratório, onde testa as teorias em experimentos e observações. Na vida real, essa divisão de fato existe. “ Cada uma dessas atividades demandam um tempo muito grande de aprendizado e de dedicação, e poucas vezes é possível trabalhar nas duas. Existem, porém, problemas em que essas atividades se aproximam e, nesse caso, uma única pessoa pode trabalhar na teoria e no experimento”, explica Deppman, da USP.

“A divisão entre física teórica e experimental é uma questão puramente acadêmica, pois a física é única. Entretanto, dada a complexidade e extensão da física, alguns profissionais se dedicam primariamente à criação de teorias e à predição de consequências observáveis dessas teorias (os chamados físicos teóricos), enquanto outros profissionais se dedicam a criar e realizar experimentos a fim de testar essas consequências observáveis das teorias”, diz Sznajder, da Uerj. Ele lembra que também há casos em que os experimentos eventualmente apresentam resultados que não conseguem ser explicados por nenhuma teoria existente, o que torna necessária a criação de uma nova teoria.

Apesar de haver essa separação acadêmica entre quais físicos se dedicam a quais tarefas, a segregação entre teoria e experimentação não é tão simples assim. “ Um físico teórico só pode elaborar suas teorias a partir do conhecimento dos fenômenos naturais, o que é feito através da experimentação. Por outro lado, nos problemas sofisticados da física moderna, a teoria geralmente é usada para guiar o projeto e a execução dos experimentos”, diz o físico da USP.

Bem distante no tempo das primeiras experiências propostas por Galileu, os experimentos da física atual alcançam dimensão e custos elevados. O Large Hadron Collider (LHC), ou grande colisor de átomos, é um acelerador de partículas construído pela Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Cern, na sigla em inglês) que tem, aproximadamente, 27 quilômetros de perímetro e custou cerca de três bilhões de euros. “No caso do LHC, colidem-se prótons com prótons a cada 25 nanossegundos, com uma energia de 14 TeV (trilhões de elétrons-volt) no centro de massa”, dimensiona o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jose Manoel Seixas, engenheiro envolvido na construção do Atlas, o maior dos quatro detectores de partículas do LHC. Apenas o Atlas, segundo ele, reúne mais de 3 mil pesquisadores de 37 países.

Já Sznajder, da Uerj, trabalha em outro dos detectores de partículas do LHC, o Solenoide Compacto de Múons (CMS), na procura e medição das propriedades do bóson de Higgs. “O experimento CMS tem um vasto programa de estudos de física de partículas e, dentre eles, se encontra a física de íons pesados, na qual a densidade de energia obtida nas colisões é próxima à que se sucedeu após o Big Bang”, explica. Segundo ele, o LHC não se destina a testar a teoria do Big Bang, mas sim as quatro interações fundamentais entre as partículas: gravitacional, eletromagnética, forte e fraca.

A descoberta do bóson de Higgs forneceu evidências para a existência dos constituintes fundamentais da matéria do átomo e deu credibilidade à Teoria do Modelo Padrão, vigente atualmente. Também chamada de Teoria Quântica do Campo, ela une a Teoria da Relatividade Especial e a Mecânica Quântica e descreve três dessas quatro forças: eletromagnética, forte e fraca, além de prever a existência de novas partículas subatômicas. O bóson de Higgs era a última dessas partículas cuja existência ainda não havia sido verificada experimentalmente.

A teoria, em experimentos como os do LHC, tem papel fundamental, segundo Deppman, pois prevê como o aparato experimental irá funcionar depois de pronto e previne o prejuízo que pode ocorrer se o que foi projetado não funcionar corretamente. “ A física moderna é muito abstrata e com fenômenos pouco usuais e pouco intuitivos. Por isso, a elaboração de experimentos também é cada vez mais complexa e mais cara”, justifica Deppman.

“A física atual enfrenta duas grandes dificuldades. Uma é o custo e a complexidade dos experimentos modernos como o LHC. A outra dificuldade é tecnológica. Os experimentos do LHC funcionam como grandes microscópios que permitem aos físicos estudarem a natureza numa escala muito diminuta. Para avançarmos no conhecimento do mundo microscópico da física de partículas, necessitamos de aceleradores de partículas cada vez mais energéticos, o que esbarra em custos proibitivos nos dias de hoje”, opina Sznajder.

As observações mais difíceis, segundo o físico da USP, são as relacionadas a fenômenos que ainda não se conseguiu reproduzir em laboratório, como os astrofísicos e cosmológicos. A solução é esperar que eles aconteçam de forma natural, o que torna a observação mais complicada, pois são, segundo ele, impossíveis de se prever e controlar. “Imagina-se, por exemplo, que em estrelas de nêutrons possa existir um estado da matéria chamado plasma de quarks e glúons, o qual já foi observado em laboratórios, como no LHC. Mas observar isso numa estrela é muito mais complicado, porque não podemos levar a estrela para o laboratório”, diz.

Segundo Sznajder, existem diversas teorias físicas difíceis de serem testadas, seja pela dimensão dos objetos de estudo ou pela impossibilidade de se realizar experimentos controlados, nos quais são mudadas as condições iniciais e estudados os resultados. “Existem outras teorias, como a teoria das cordas, que é tão complexa, do ponto de vista matemático, que não se consegue extrair consequências observacionais e, portanto, também é de difícil verificabilidade”, avalia.