REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
Vacinas e vacinações - Carlos Vogt
Reportagens
Vacinas para doenças negligenciadas ganham força com parcerias
Juliana Passos e Patrícia Santos
Da doença à saúde: os caminhos dos patógenos e das epidemias
Michele Gonçalves
O que a vacina tem a ver com o que você come
Gabrielle Adabo
Novas vacinas: tecnologia e burocracia no caminho da inovação
Carolina Medeiros e Simone Caixeta de Andrade
Controvérsias em torno das vacinas
Roberto Takata e Alice Giraldi
Artigos
Panorama do desenvolvimento tecnológico em vacinas no Brasil
Akira Homma, Cristina A. Possas, Reinaldo M. Martins
Medicina de viagem e a importância no controle de epidemias
Marta Heloisa Lopes e Karina Takesaki Miyaji
Campanhas de imunização: um diálogo entre propaganda e educação
Ausônia Favorido Donato
Modelos de análise de decisão na introdução de novas vacinas
Patrícia Coelho de Soárez
Vacinas e a educação em ciência
Paulo Cunha, Verônica Coelho, Sandra Moraes, Silvia Sampaio e Daniel Manzoni
Resenha
Pegadas microscópicas
Janaína Quitério
Entrevista
Esper Georges Kallas
Entrevistado por Tatiana Venancio
Poema
Questionário
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Entrevistas
Esper Georges Kallas
Atualmente, o vírus HIV e o vírus da dengue têm sido o foco das principais pesquisas do ramo da imunologia no país. Neste sentido, conversamos com o médico infectologista e imunologista Esper Georges Kallas, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que participa da fase II de experimentação da vacina contra a dengue e é membro do laboratório onde pesquisadores estão desenvolvendo a vacina contra Aids.
Tatiana Venancio
10/10/2014
Quais as principais dificuldades no desenvolvimento da vacina contra o vírus da Aids?

A principal é a variabilidade genética do vírus. Ele é muito mutável. O HIV tem uma variabilidade maior que a dos vírus influenza, por exemplo, é a maior de toda a história da epidemia. Essa capacidade de mudança do vírus HIV é muito grande e ele cria, com isso, um mecanismo de evasão da resposta do sistema imunológico. A mutação confere variação na sequência genética e, desta forma, o vírus é capaz de dissuadir o sistema de defesa.

Como será o funcionamento da vacina, uma vez que os vírus têm mecanismos de reprodução muito eficazes e destroem as células responsáveis pela produção de anticorpos?

Como várias vacinas já existentes. As vacinas costumam ser divididas em dois tipos principais: aquelas que induzem a produção de anticorpos neutralizantes e as vacinas que induzem uma resposta imune do tipo celular, em outras palavras, educando as células do organismo a se protegerem contra o antígeno específico. No primeiro tipo de vacina, há a tentativa de evitar que o vírus entre no organismo. Já o segundo, tenta-se fazer com que haja destruição das células infectadas pelo antígeno, não impedindo que o vírus entre no corpo. A vacina que está sendo desenvolvida contra HIV pelo professor Edécio Cunha Neto, também da FMUSP, é do tipo celular.

Existem parcerias internacionais nas vacinas desenvolvidas no Brasil?

A vacina contra a dengue, por exemplo, foi desenvolvida pelo laboratório dos Institutos Nacionais de Saúde NIH, na sigla em inglês, nos Estados Unidos, chefiado pelo pesquisador Stephen Whitehead, que trabalha com o conceito de vacinas de atenuação, ou enfraquecimento de vírus, há muitos anos. Ele já havia feito estudos em animais, que funcionaram. Já foram feitos também alguns estudos em número pequeno de seres humanos nos Estados Unidos, onde a vacina foi bem aceita e tolerada, induzindo resposta de defesa contra os quatro tipos de vírus da dengue, uma vacina quatro em um.

Em relação à vacina contra a dengue, já em fase II de experimentação, e que se apresentou bastante eficaz, quais serão os próximos passos?

Os resultados preliminares das pesquisas dos Estados Unidos ficaram disponíveis e há alguns anos o Butantan fez parceria com esse grupo. Atualmente a vacina está sendo desenvolvida também aqui no Brasil e, através do Butantan, nós começamos a fazer um estudo aqui na FMUSP. Estamos fazendo um estudo em fase II, de um total de três fases, para verificar se vacina também funciona aqui entre voluntários brasileiros. E estamos fazendo outros testes como, por exemplo, fazer com que a vacina seja mais fácil de ser administrada em forma liofilizada, ao contrário de uma forma líquida; se ela poderia ser usada com somente uma dose, ao invés de duas; e se ela induz uma boa resposta em pessoas que tenham contraído ou não a dengue anteriormente. Ainda não há resultados preliminares, serão 300 voluntários. Já foram vacinados cerca de 100 e esperamos que até o final do ano tenhamos terminado a vacinação dos outros 200, encerrando essa etapa do estudo.

Qual o impacto das vacinas na vida das pessoas?

As vacinas são um dos grandes avanços que a humanidade conquistou ao longo de toda sua história. Elas previnem doenças infecciosas e têm um histórico de reduzir enormemente a carga de doenças, especialmente nas crianças e nos idosos, reduzindo muito o número de mortes. Só para citar um exemplo, antigamente a poliomielite constava em qualquer livro romanceado do século XIX nos Estados Unidos porque era tão presente na sociedade que era muito comum encontrar pessoas que sofriam demasiadamente com as sequelas ou com as perdas de familiares. Graças às vacinas, a poliomielite é praticamente uma doença erradicada no mundo ocidental, permanecendo em alguns bolsões onde não se consegue fazer chegar a vacina. Outro exemplo é a varíola, que foi uma das doenças mais terríveis que a humanidade já conheceu. Felizmente, graças ao desenvolvimento de vacinas, praticamente foi erradicada do planeta e já está se discutindo, inclusive, destruir os estoques finais de vacinas que estavam disponíveis em alguns locais, especificamente nos Estados Unidos e na Rússia, para livrar completamente a humanidade desse germe. Então, é inegável, inquestionável, o benefício que essas vacinas possuem na prevenção de doenças em toda humanidade, especialmente nessas últimas décadas.

Quais as dificuldades da vacinação em massa?

A vacina é administrada de duas maneiras, a primeira delas é através de calendários de vacinas. Por exemplo, toda criança precisará, no decorrer do seu desenvolvimento, ir aos postos de saúde receber as vacinas contra determinados germes, o que deveria transcorrer até a vida adulta. A outra forma se dá quando fazemos campanhas de vacinação. As campanhas são úteis em países onde a cobertura de vacinação não atinge os níveis desejados. As campanhas atraem um número maior da população em determinada data. Às vezes, quando temos uma cobertura acima de um determinado percentual, as pessoas não vacinadas ficam indiretamente protegidas, o que se chama de imunidade de rebanho e ocorre por meio das grandes campanhas de vacinação.

Em sua opinião, por que há pessoas que são contra a vacinação? 

Sobre as pessoas que negam o efeito da vacina, eu acho que há uma raiz de uma teoria conspiratória, de pessoas que não aceitam produtos artificiais no corpo. Entretanto, nós temos dados suficientes para mostrar que os efeitos benéficos das vacinas são muito superiores a qualquer efeito colateral que elas possam causar, dentre as vacinas licenciadas até hoje. O problema é que essas teorias conspiratórias não se baseiam em fatos científicos comprovados e temos sempre que discutir esse assunto, ter abertura para receber qualquer tipo de crítica, mas para rebater também, baseando-se sempre em informações científicas confiáveis. Algumas pessoas fazem disso algo dogmático, se colocam nessas posições com visões imutáveis, não aceitando a argumentação científica ou a experimentação. Muitas vezes criticam algo diferente sem a devida responsabilidade. Até hoje todos os argumentos se mostraram incapazes de serem suficientes para questionar o efeito benéfico das vacinas que temos hoje nos calendários de vacinação do mundo todo.

Com relação à segurança das vacinas, e os efeitos colaterais, o que tem sido feito?

As vacinas são utilizadas numa quantidade grande, muito maior que qualquer produto médico que conhecemos até hoje. Quando falamos de qualquer vacina, como por exemplo a vacina contra o sarampo, o número de crianças e adultos que já tomaram, suplanta em muitas vezes o remédio mais utilizado no mundo até hoje. Então temos uma experiência grande acumulada dos efeitos colaterais de cada uma dessas vacinas que utilizamos no calendário, e isso traz uma segurança que permite a utilização das vacinas na escala que são usadas atualmente. É claro que cada uma dessas vacinas pode ter ressalvas de alguma natureza. Por exemplo, a vacina contra a gripe é usada em milhões de pessoas no mundo, mas como ela é produzida em ovo embrionado, as pessoas que têm alergia ao ovo não devem tomar. Deste modo, esses detalhes devem ser respeitados e deve-se contar com o auxílio de profissionais responsáveis pelos sistemas de vacinação, que estejam preparados para informar quais pessoas estão sob o risco de ter algum efeito colateral e orientar do melhor modo possível.

Qual a participação da iniciativa privada nas pesquisas dessa área?

Em geral as instituições públicas contribuem com a maior parte financeira. Vacinas não costumam dar um grande lucro, então é comum a indústria ter menor participação, pois o interesse em vacinas é menor com relação à produção de remédios. Depende muito das vacinas, mas é desejável que exista uma parceria.

Quais as perspectivas para os próximos anos?

Acredito que a finalização das pesquisas relacionadas à vacina contra dengue será um trabalho enormemente coroado e terá grande impacto social, por se tratar de uma vacina gratuita e pública, e atuará contra os quatro tipos do vírus da dengue.