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Editorial
Desastres ambientais no Brasil - Carlos Vogt
Reportagens
Desastres ambientais no Brasil e no mundo: características semelhantes, maneiras de agir distintas
Carolina Medeiros
Impactos econômicos, socioambientais e as mazelas da mineração
Erik Nardini
Romprimento da barragem Fundão: tecnologia poderia evitar a tragédia
Tiago Alcantara
Fragilidades em estudos de impacto ambiental prejudicam real avaliação de riscos
Tamires Salazar
Oceanos: contrastante império de riqueza e poluição
Tassia Biazon
Artigos
Os impactos das mudanças climáticas globais
Ana Maria Heuminski de Avila e Chou Sin Chan
Novas configurações míticas para a Idade Antropoceno da supremacia dos plásticos: a deusa do mar e as sereias vigilantes
Elizabeth Doud
O estudo de impacto ambiental e as atividades minerárias no estado de São Paulo
Andréa Mechi e Djalma Luiz Sanches
Os desastres em uma perspectiva antropológica
Renzo Taddei
Objetividade e sensacionalismo na cobertura jornalística de mudanças climáticas e meio ambiente
Rubens Neiva
Resenha
Desafios na gestão de desastres
Kátia Kishi
Entrevista
Marilene Ramos
Entrevistado por Sarah Schmidt
Poema
Decreto
Carlos Vogt
Humor
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Entrevistas
Marilene Ramos
Presidente do Ibama explica o polêmico acordo assinado com a mineradora Samarco para compensar e reparar os danos ambientais causados pelo rompimento da barragem de Fundão.
Sarah Schmidt
10/03/2016
O desastre em Mariana (MG), ocasionado pelo rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, ocorrido em novembro de 2015, é considerado o maior desastre ambiental do Brasil. A catástrofe provocou uma onda de rejeitos que matou pelo menos 17 pessoas, provocando a perda da biodiversidade ao longo de 663 km de rios. No último dia 2 de março, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado pelos governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo e pela mineradora Samarco e suas controladoras, a Vale e a BHP Billiton. O acordo prevê a recuperação de 42 mil hectares de áreas de preservação degradadas e cinco mil nascentes na bacia do Rio Doce. Segundo o Ibama, o TAC estabelece que as empresas deverão desembolsar R$ 4,4 bilhões nos próximos três anos, sendo R$ 2 bilhões em 2016. Estão previstos investimentos, até 2031, de R$ 800 milhões a R$ 1,6 bilhão por ano, totalizando cerca de R$ 20 bilhões. Porém, algumas entidades têm contestado os termos do TAC, argumentando que ele teria “amenizado” o lado das empresas por colocar um teto nos gastos. Conversamos sobre esse assunto com a presidente do Ibama, Marilene Ramos. O instituto, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, participa das negociações do acordo e do levantamento das consequências do desastre. Marilene Ramos é engenheira civil e tem doutorado em engenharia do meio ambiente pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ). Foi presidente do Instituto Estadual do Ambiente (Inea/RJ) entre 2011 e 2014, secretária de Estado do Ambiente entre 2008 e 2010 e presidente da Serla/RJ entre 2007 e 2008, e professora da Escola de Administração Pública e Empresas (Ebape) da Fundação Getúlio Vargas.

Como está o levantamento dos impactos na região do desastre de Mariana? Já há um volume consistente de dados?

Nós temos um laudo técnico preliminar que agora está sendo atualizado. Teremos um novo laudo com previsão para final de março. Não posso dizer que é o laudo definitivo, porque temos um desastre que ainda está produzindo impactos, danos. A mancha lá na foz do Rio Doce não se dissipou ainda. Tanto o Ibama quanto a ANA (Agência Nacional de Águas) e o ICMBio estão trabalhando nessa atualização, além da contribuição dos estados e equipes técnicas. Essa atualização será baseada em todo o monitoramento e em vistorias de campo que foram feitas desde os meses de dezembro, janeiro e fevereiro. Há um monitoramento intensivo, tanto dos trechos dos rios quanto da parte estuarina e da área marinha atingida pelo desastre, inclusive áreas em que não há ainda certeza se foram ou não atingidas, mas que estão sendo monitoradas, como é o caso do Parque de Abrolhos (BA). Têm saído laudos parciais, como por exemplo o que acabou embasando uma suspensão da pesca de arrasto, de camarão, ali na região da foz do Rio Doce, por conta da lama que foi depositada no fundo do rio; é uma região que pode ter a presença de contaminantes. Da mesma forma, há laudos desaconselhando o retorno da pesca em todo o Rio Doce. Não por conta só da questão de haver contaminação, mas também porque, como houve uma redução drástica na população de peixes em todo o rio, é recomendável não se retornar à pesca enquanto nós não pudermos fazer um enriquecimento e pudermos constatar um crescimento dessas populações. Esses laudos que estão sendo preparados para o fim de março estão baseados no monitoramento de qualidade de água, de sedimentos, tanto nos rios quanto na área marinha e costeira.

Como está a situação das pessoas que foram afetadas, de alguma forma, pelo desastre? Há dados de quantas são e como elas serão auxiliadas?

Essa questão dos impactos sociais e econômicos está sendo tratada diretamente por um grupo formado na Casa Civil, com participação dos estados atingidos e inclusive de representantes dos atingidos. O importante é que esse acordo, esse TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) celebrado na quarta-feira (02/03), prevê a inclusão de todos os atingidos, de todas as tipologias de atingidos. E todo esse trabalho de cadastramento está sendo acompanhado pela área social do governo federal, para garantir que todos os atingidos sejam contemplados. Seja porque perdeu um ente da família, seja porque perdeu a casa, porque teve que suspender sua atividade agrícola, a pesca, ou um comércio que por conta da falta d'água no seu município não pode funcionar. A previsão que está no TAC, de cadastramento e de negociações, é com todas as categorias de atingidos. Tudo isso está previsto no TAC, além, obviamente, da própria Defensoria Pública, que está acompanhando essa questão de perto. Mas essa não é uma questão em que o Ibama se envolva diretamente.

Como foi feito o cálculo para estimar o valor do TAC? Vimos que existem entidades que estão contestando o acordo, argumentando que ele teria favorecido mais as mineradoras. O que a senhora pode dizer sobre isso?

Eu acho que as pessoas que estão criticando deveriam aguardar um pouco para ler os termos do acordo. Não é? Para evitar fazer afirmações infundadas; depois, no momento em que ele já estiver homologado pelo juiz e puder ser amplamente divulgado em todas as suas cláusulas, vão ver que essa suspeição não procede. Nós ainda não pudemos disponibilizar no site do Ibama e no site do governo os termos do acordo, porque há um entendimento da Advocacia Geral da União de que ele só deve ser disponibilizado publicamente após apreciação feita pelo juiz. O juiz poderia se sentir de alguma forma pressionado, ou não devidamente respeitado na sua autoridade, caso haja uma divulgação ampla. Mas o que nós, que participamos da negociação, podemos afirmar é que reparação dos danos não tem limite, ela não tem teto e nem piso. A reparação terá que ser feita pelas empresas na totalidade dos projetos que forem aprovados, que forem exigidos pelo comitê interfederativo e pelos órgãos ambientais competentes, para as medidas de reparação.

E como foi feita a estimativa do valor?

A estimativa que existe é para que as empresas trabalhem, para que elas possam fazer previsões em seus balanços, em seus orçamentos, para os próximos 15 anos. Agora, obviamente, como toda previsão, ela pode ser alterada para mais ou para menos. O que existe firmado dentro do acordo, isso sim, tem um valor já pré-fixado, que independe de quanto custarão as medidas reparatórias, são as medidas compensatórias. Ou seja, antes até de nós termos a totalidade dos estudos que vão permitir definir a totalidade dos danos, e a totalidade das medidas de reparação, foi pré-fixado um valor de R$ 4,1 bilhões para medidas compensatórias. O que são essas medidas compensatórias? Elas vão compensar danos causados até aqui que, independente da sua reparação, nós consideramos que exigiam uma compensação. Então, esse é o valor. E veja como isso é vantajoso, porque nos acordos, o normal é que as medidas compensatórias sejam um percentual das medidas reparatórias. Esse valor de R$ 4,1 bilhões foi estimado em função de estudos técnicos, em cima de medidas que foram negociadas como medidas necessárias para que o Rio Doce e as áreas impactadas pudessem se recuperar de uma forma mais acelerada. O que importa é esse conceito: nós precisamos de medidas compensatórias que ajudem o Rio Doce e os demais rios atingidos e as demais regiões impactadas a se recuperar de forma mais acelerada, e elas são complementares às medidas de reparação.

Quais serão essas medidas compensatórias? Como elas vão funcionar?

Qual é a tese? É tecnologicamente impossível você reparar a totalidade, de forma completa e total qualquer dano, sempre poderá ficar algum resquício, ainda que você drague todo o rejeito que foi despejado dentro dos rios. Há uma parte, por exemplo, que está hoje sob forma coloidal, não há como você tirar ela do mar, tirar do estuário, vai ter que aguardar um tempo até que ela se degrade e se decante. Então, qual é a ideia das medidas compensatórias ambientais? (Existem também as medidas compensatórias socioeconômicas, mas estou me referindo às ambientais). É que se façam ações sobre outras fontes de degradação da bacia, que não têm nada a ver com o evento, com o desastre, que não têm nada a ver com os rejeitos despejados, como áreas de preservação permanente que hoje estão degradadas. Como, por exemplo, a bacia do Rio Doce, que é uma bacia que apresenta processos erosivos intensos, sem vegetação, com voçorocamentos enormes, o que faz com que o Rio Doce receba uma enorme contribuição de sedimentos, oriundos a cada chuva forte. Então, qual é a ideia? Nós vamos atuar recuperando a cobertura vegetal dessas áreas de preservação permanente, para reduzir esse aporte de sedimentos para dentro do rio. Com isso, mesmo que o rio ainda contenha sedimentos oriundos dos rejeitos, ao controlar outra fonte, no equilíbrio geral, eu tenho um impacto positivo sobre o rio. Da mesma forma, a questão de tratamento de cinco mil nascentes, a recuperação de cinco mil nascentes. A nascente tem aquela área de entorno dela, de um hectare, em que se você tem uma recuperação da cobertura vegetal, ela passa a produzir mais água. Quando eu tenho mais água no rio, eu tenho um rio mais capaz de restaurar seus processos biológicos, mesmo na presença de uma carga de sedimentos ainda oriunda do desastre. Da mesma forma, foi incluído um valor expressivo para coleta e tratamento de esgoto e para erradicar lixões, nas cidades ribeirinhas do Rio Doce, que são 39 municípios. Qual é a ideia? Nós vamos reduzir o lançamento de carga poluente no rio, seja de esgoto doméstico, seja de chorume dos lixões, para que o Rio Doce fique mais limpo e, com isso, ele possa regenerar a vida de forma mais rápida. Então, este foi o ponto de partida para estabelecer essas medidas compensatórias que montam a R$ 4,1 bilhões. Para você ter uma ideia, o plano da bacia do Doce, feito em 2009, previa um investimento ao longo de 20 anos de R$ 1,3 bilhão. Os recursos das medidas compensatórias colocadas disponíveis são mais de três vezes esse valor. Nunca ninguém imaginou o Rio Doce recebendo investimentos dessa monta. E, volto a afirmar, isso para as medidas compensatórias.

E para as medidas reparatórias?

Para as medidas reparatórias, há uma estimativa por conta de que tipo de medidas reparatórias são. Tem que dragar os rejeitos, tem que tratar os rios, tem que recompor a fauna, tem que fazer monitoramento, tem que fazer educação ambiental, tem que informar a população, tem uma série de medidas reparatórias que foram estimadas em algo em torno de R$ 15 ou 16 bilhões, por isso, tem-se falado em um total em torno de R$ 20 bilhões. Agora, há muitos estudos ainda a serem feitos para avaliar quais são as melhores soluções, quais são as melhores tecnologias disponíveis no mundo. Só então é que as medidas reparatórias vão poder ser definidas de forma adequada e com projetos adequados, bem detalhados, para que a gente saiba exatamente quanto vão custar. Independente do quanto custarão as medidas reparatórias, as medidas compensatórias vão custar no mínimo R$ 4,1 bilhões.

O que saiu de errado em termos de fiscalização, na sua avaliação? O desastre poderia ter sido evitado?

Olha, o Ibama não se envolveu diretamente na investigação do evento, do rompimento da barragem. Nós estamos aguardando o laudo de investigação da Polícia Federal e do Ministério Público, que estão com técnicos e especialistas convocados para gerar um laudo conclusivo sobre as causas do rompimento da barragem. Como você sabe, o licenciamento foi feito pelo órgão estadual, e o Ibama, em nenhum momento, acompanhou a construção ou o monitoramento dessa barragem para avaliar se houve alguma sinalização de risco. Não sabemos.

O evento trouxe alguma mudança em termos de legislação ambiental e fiscalização?

Nós iniciamos uma discussão sobre a inclusão, no Código de Mineração, de dispositivos que permitam prever recursos para um fundo de reparação ambiental, de recuperação de áreas degradadas. Existe uma previsão similar nos Estados Unidos, do chamado “superfundo”, que garante que, seja por um evento como esse de Mariana (MG), seja um acidente que cause uma degradação ambiental, ou que, no fim da vida útil daquela mina, o empreendedor tiver falido ou por qualquer problema não tenha condições de reparar o dano, que exista um fundo para promover essa reparação. De certa forma, estamos aproveitando toda essa mobilização em torno do tema para levantar essa discussão e tentar que isso seja previsto no novo Código de Mineração. Nós temos muitos casos no Brasil de áreas que foram exploradas e que depois se transformaram em passivo ambiental, porque não se conseguiu obrigar o empreendedor a fazer a recuperação da área degradada como é previsto no licenciamento ambiental.