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Resenhas
Montenegro
Novo livro de Fernando Morais tira do esquecimento grande visionário brasileiro que deixou como sua maior contribuição o ITA
Patrícia Mariuzzo
10/02/2007

Num tempo em que faltam líderes, falta ética e, mais ainda, faltam líderes éticos, conhecer Casimiro Montenegro Filho, o Marechal Casimiro, é um alento de esperança. Neste livro, Fernando Morais reassume sua veia de biógrafo e tira do esquecimento esse grande visionário brasileiro que deixou como sua maior contribuição o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA, um dos mais importantes centros produtores de conhecimento do país, e semente da Empresa Brasileira de Aviação, Embraer. Em 1923, quando o jovem Montenegro, então com 19 anos, disse à família que iria para o Rio de Janeiro para ser piloto de avião, todos pensaram que ele estivesse louco. O pai quase o deserdou. Mesmo assim ele deixou Fortaleza, sua cidade natal, e seguiu na segunda classe de um vapor que demorou nove dias para completar a viagem. Essa, no entanto, seria apenas a primeira das muitas idéias visionárias do menino Mimiro.

Se por acaso o leitor associar a idéia de biografia de um militar da aviação à palavra tédio, vale dizer que o ritmo da história é empolgante e faz justiça ao subtítulo: as aventuras do marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil. Contaminado pelo vírus do tenentismo, movimento ativo no Brasil desde 1922, ele conspirava com os revolucionários egressos da Revolta do Forte de Copacabana. Em 1930, quando estoura a revolução liderada pelo gaucho Getúlio Vargas contra o presidente Washington Luís a Escola de Aviação Militar se divide e o tenente Montenegro recebe ordens de bombardear focos revolucionários. Num movimento raro em sua carreira militar ele se nega a cumprir uma ordem superior e faz o contrário: rouba um avião da base do Campo dos Alfonsos, no Rio, e vai até Belo Horizonte para combater os últimos focos de resistência à revolução que terminaria vitoriosa.

As aventuras do Marechal trazem ainda um pouco da história da aviação no Brasil. Morais nos conta, por exemplo, que o Brasil tem a glória (embora contestável) de ter sido a primeira nação do mundo a utilizar o avião como arma de guerra durante a repressão aos beatos da Guerra do Contestado, em Santa Catarina, no ano de 1911, seis anos antes do início da Primeira Guerra Mundial. Pousos de emergência, panes mecânicas e, é claro, acidentes, faziam parte da rotina dos pioneiros da aviação brasileira. Não era incomum a notícia de algum aviãozinho atropelando uma vaca num pasto usado de improviso como pista de pouso. Mesmo com essas condições precárias Montenegro apostou na criação do serviço de correio aéreo. Para ele era uma forma de integrar o país. No dia 12 de junho de 1931, foi ele o piloto do vôo entre Rio de Janeiro e São Paulo que inaugurou o Correio Aéreo Nacional, CAN. Até então, a correspondência trocada entre Rio e Goiás, por exemplo, demorava cerca de quatro semanas, entre a postagem e o recebimento. De avião esse tempo foi reduzido para cinco dias. A rota do Nordeste, iniciada em 1933, trazia uma carta de Fortaleza para o Rio em menos de 48 horas, fato que enchia o militar cearense de orgulho.

Outros personagens da história da aviação brasileira
Os acontecimentos e personagens da história do Brasil que Morais recupera no livro servem como um guia para o leitor. São também uma oportunidade de conhecer a história sob o ângulo da caserna. A pesquisa nos documentos do Marechal e uma série de entrevistas com familiares, amigos e companheiros de farda resultaram em uma proximidade e simpatia do autor pelo personagem. Essa simpatia contamina o leitor, que em determinado ponto torce pelo Marechal (quem diria!), torce sobretudo pelo sucesso do ITA, principalmente após o suicídio de Getúlio Vargas, que leva Eduardo Gomes, outrora companheiro revolucionário, ao Ministério da Aeronáutica e agora grande opositor do projeto do Instituto.

A oposição entre Montenegro e o também Marechal Eduardo Gomes, hoje patrono da Força Aérea Brasileira (FAB) perpassa todo o livro. Ela mostra que maior do que as batalhas travadas por Montenegro nos céus, era a luta contra a resistência dos seus pares, simbolizada na figura de Gomes. Pelo fato dele defender que o ITA fosse uma instituição civil, voltada para a iniciativa privada (os militares a queriam como uma escola militar, de preferência voltada para fins militares) muitos o consideravam um militar “apaisanado”. Politicamente Montenegro era um conservador: foi preso na Revolução Constitucionalista de 1932 que tentou derrubar Getúlio Vargas, ficou do lado dos golpistas que não queriam dar posse a Juscelino Kubitscheck, no episódio que ficou conhecido como Novembrada, e apoiou o regime militar. O que ele defendia de fato era a idéia de compartilhar com a sociedade civil os avanços obtidos pelo Estado. Era um desenvolvimentista que acreditava que ciência e tecnologia eram condições essenciais para o Brasil crescer.

Em 1942,Vargas opta pelo apoio aos americanos na Segunda Guerra Mundial. Os EUA montam bases militares em território brasileiro e passam a fornecer equipamentos bélicos para o Brasil, incluindo, evidentemente, aviões. No ano seguinte, Montenegro, então subchefe da Diretoria de Material do recém-criado Ministério da Aeronáutica, viaja para os Estados Unidos para comprar um lote de aviões norte-americanos e aproveita sua estadia no país para conhecer a Wright Field, centro de pesquisas em engenharia mantida pela força aérea norte-americana e o Massachusetts Institute of Technology (MIT). Quatro meses depois ele volta ao Brasil com a mais visionária das suas idéias: ao invés de importar aviões dos Estados Unidos, produzi-los localmente. Porém, para isso era necessário construir o que seria mais tarde o Centro Técnico de Aeronáutica, CTA, que abarcaria, por sua vez, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, ITA. “Aquelas idéias pareciam fruto do mais puro delírio. Ele correria sério risco de ser tradato como um doido varrido se ousasse afirmar que aviões poderiam ser produzidos em série no Brasil, um país que não fabricava nem bicicletas e que importava até mesmo vasos sanitários”, escreve Morais sobre esse momento.

Todo o processo de idealização e implantação do ITA é contado em detalhes pelo autor. Trata-se de uma sucessão de batalhas e de alianças com brigadeiros, marechais, ministros e até presidentes da república que reforçam a percepção de um homem obstinado e, ao mesmo tempo, um grande conciliador de interesses civis e militares. Sob direção de Montenegro o CTA chegou a reunir professores de 16 nacionalidades, onde se falavam dez idiomas diferentes. Para assegurar a continuidade das atividades do CTA e protegê-lo das mudanças de humor do Ministério da Aeronáutica ele elaborou um projeto para transformar o ITA em uma fundação pública com dotação orçamentária própria, autonomia administrativa e liberdade de cátedra. Mas o documento foi engavetado. Os temores do Marechal se confirmaram após do Golpe de 1964, época em que o ITA perdeu 150 professores que não resistiram à atmosfera policial instaurada pelo regime no campus. Numa das maiores crises do Centro, durante o governo de Castello Branco, mesmo fora da direção Montenegro lançou mão de sua influência no governo e da boa reputação do ITA junto à opinião pública para ajudar a manter a instituição.

Depois de contar a história de Olga Benário, companheira de Luís Carlos Prestes e que acabou assassinada nos campos de concentração nazistas, as aventuras do Marechal Montenegro atestam novamente o faro jornalístico de Fernando Morais para boas histórias. A leitura agradável e instigante mostram o bom escritor. Nossos heróis estão por tada parte, basta querer vê-los ou querer escrever sobre eles.