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Resenhas
O homem mais procurado do mundo
Livro traz depoimentos surpreendentes sobre como Edward Snowden revelou o lado obscuro da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos
Carolina Medeiros
09/05/2014

Lançado recentemente no Brasil, o livro Os arquivos de Snowden – a história secreta do homem mais procurado do mundo, escrito pelo jornalista Luke Harding, do jornal britânico The Guardian, traz revelações, documentos e detalhes exclusivos sobre como Snowden expôs para o mundo todo as ações de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency, ou NSA) e de seus aliados. O autor conta a história das pessoas por trás dos vazamentos de informação e das forças que tentaram detê-las, narrando como tudo começou e como o ousado ato de Snowden afetou líderes de nações em todo o mundo.

Os três personagens centrais dessa impressionante história são u m homem com alguns pen-drives, um jornalista estadunidense auto-exilado no Brasil e um jornal britânico em sua recém-inaugurada filial nova-iorquina, ou como são conhecidos mundialmente, Edward Snowden, ex-administrador de sistemas da Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos; Glenn Greenwald, jornalista e colunista político conhecido por criticar duramente as mais obscuras práticas do governo pós-11/9; e o The Guardian, um dos maiores jornais britânicos.

O que se vê no livro são os detalhes do mais espetacular vazamento de segredos de Estado de todos os tempos. Snowden, um jovem gênio da computação, possuía em seus pen-drives, documentos que comprovavam um esquema de vigilância e espionagem governamental, que inclui grampear cabos submarinos de fibra ótica, hackear os servidores de grandes empresas de comunicação (Google, Yahoo, Apple, etc.) e até mesmo interceptar imagens das webcams de notebooks particulares.

Harding dedica uma boa parte do livro para contar ao leitor como Snowden teve acesso às informações que comprovam o esquema de espionagem. A obra do jornalista, assim como as diversas notícias da época, aponta como alvo milhares de pessoas residentes em diversos países, bem como diversos chefes de Estado (como a premier alemã Angela Merkel e a presidente brasileira Dilma Rousseff). Harding faz questão de mostrar ao leitor os desdobramentos da publicação desses documentos, que estremeceram as relações políticas ao redor do mundo.

Uma das passagens mais relevantes do livro é a narração das ações de Snowden como frequentador de um site especializado em tecnologia. O site é o Ars Technina e o perfil utilizado por ele foi TheTrueHOOHa, um jovem de 20 e poucos anos, morador do estado de Maryland, próximo a Washington. Esse jovem não possuía diploma superior, mas tinha uma vasta gama de conhecimentos tecnológicos. Seus comentários no site chegaram a quase 800, sendo a maioria com dúvidas a respeito do vasto mundo da internet, que prontamente eram respondidas por outros internautas frequentadores do site; havia também, em seus comentários, dúvidas que iam de games a mercado de ações, passando por Japão, sexo e garotas.

Harding conta que, em diversos postagens, o tal jovem com perfil TheTrueHOOHa falava sobre sua experiência sem sucesso no exército americano e também deixava clara sua antipatia pela cultura britânica e seu repúdio por funcionários da CIA (Central de Inteligência dos Estados Unidos) e de outros departamentos do governo americano que vazam documentos à imprensa. Em relação a essa atitude, TheTrueHOOHa chega a questionar de maneira grosseira o jornal The New York Times, que publicou em janeiro de 2009 um relatório que continha informações sobre um plano secreto de Israel para atacar o Irã: “eles estão divulgando ao público essas merdas confidenciais?”; “além disso, que porra de fontes anônimas são essas?”; “essa gente deveria levar uns tiros no saco”.

Antes disso, ainda em 2006, após retornar do exército, Snowden conseguiu um emprego no setor de tecnologia da CIA e, em função de suas habilidades em tecnologia da informação, muitas outras portas foram abertas. Já em 2007, ele foi enviado para Genebra, onde seria responsável por manter a segurança da rede de computadores da agência, bem como dos diplomatas americanos que lá residem.

Harding conta que durante o período em que morou em Genebra, Snowden se relacionou com diferentes pessoas, a quem expunha seus pontos de vista sobre os avanços tecnológicos e também sobre o papel dos Estados Unidos na guerra do Iraque. Mas essas opiniões nem sempre coincidiam com as de seu perfil no site Ars Technina, onde adotava sempre uma postura mais radical e grosseira sobre esses temas.

Em 2009, já prestando serviço para a NSA em uma base americana no Japão, Snowden, através de seu polêmico perfil no site Ars Technina , começou uma onda de comentários a respeito do então recém-eleito presidente Barack Obama. Sua principal crítica era em relação ao plano de controle de vendas de arma. No site, Snowden chegou a declarar que tinha uma Walter P22, e que “era louco por ela”; em seguida, TheTrueHOOHa começou a postar comentários com críticas aos funcionários que vazavam informações aos jornais.

Mas nesse período, Snowden começou a se desiludir com o trabalho, como ele mesmo declara em depoimentos reproduzidos no livro: “Eu ficava lá observando enquanto Obama prosseguia exatamente com as políticas que eu achava que tinham que ser freadas”. Snowden afirma ainda que durante o período em que viveu no Japão (entre 2009 e 2012), pode perceber que as atitudes de espionagem da NSA eram absurdamente obsessivas. Diante disso, em 2012 quando retornou aos Estados Unidos, para trabalhar no Centro de Criptologia da NSA, na ilha de Oahu, onde fica Honolulu, capital do Havaí, Snowden já tinha tudo que precisava para entregar ao mundo o que a NSA fazia.

Por fim, neste livro, Harding busca entender o que pretendia Edward Snowden, dando detalhes da vigilância global de comunicações e tráfego de informações executada através de vários programas, entre eles o de vigilância Prism dos Estados Unidos. Após suas revelaçãoes, Snowden foi acusado por seu país de roubo de propriedade do governo, comunicação não autorizada de informações de defesa nacional e comunicação intencional de informações classificadas como de inteligência para pessoa não autorizada.

Oscilando entre a narrativa romanceada dos melhores livros de espionagem e a reportagem jornalística de fatos de inquestionável interesse público, Os arquivos Snowden mostra que o jornalismo ainda cumpre uma função essencial à sociedade, quando realizado com critério, ética e coragem. Nós, cidadãos de diversos países, tínhamos (e temos) nosso tráfego de dados constantemente interceptado pelas agências de segurança em prol de sua “guerra ao terrorismo”. Para o mundo da espionagem, isso é chamado de "controle da internet", mas para os cidadãos é a morte da privacidade.

Os arquivos Snowden: a história secreta do homem mais procurado do mundo
Autor: Luke Harding.
Editora: Leya Brasil (edição digital)

Ano: 2014
288 p.