REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Artigo
Abordagem do tabagismo: estratégia para redução de fator de risco modificável para AVC
Por Renata Cruz Soares de Azevedo
10/06/2009

Introdução

A maior parte do tabaco consumido atualmente é sob a forma de cigarros industrializados. Na queima, cada cigarro libera mais de quatro mil substâncias, muitas das quais ainda não estudadas. São conhecidas a nicotina, monóxido de carbono, dióxido de carbono, água e um conjunto de substâncias chamadas de alcatrão. A nicotina exerce efeitos psicoativos (sensação de prazer, alerta, concentração, diminuição do apetite). A maior parte dos danos físicos advém do monóxido de carbono e do alcatrão.

Em meados de 1970, foi publicado o primeiro relatório oficial afirmando que fumar contribui para o desenvolvimento de doenças graves. Em 1988, estudos apontaram que a nicotina é uma droga que provoca dependência. De um hábito extremamente glamourizado, há algumas décadas, o fumo perdeu vertiginosamente sua aceitação social.

Nas últimas décadas, o combate ao fumo e seus malefícios ganhou fôlego, com uma crescente conscientização por parte dos profissionais da saúde e da população sobre os danos à saúde representados pelo tabagismo. Além de abordagens preventivas, novas formas de tratamento foram desenvolvidas. Apesar disso, ainda há deficiências na abordagem e escassez nas medidas de intervenção.

Levantamento realizado em 2005 apontou que 10,1% da população brasileira, de 12 a 65 anos, é dependente de tabaco. A idade média de início de consumo está entre 13 e 14 anos mas, diferentemente do que acontece com as outras drogas, não há tendência de declínio do uso com a idade.

Estima-se que 60% daqueles que fumam por seis semanas irão continuar fumando por mais trinta anos. Portanto, as estratégias de enfrentamento do tabagismo devem incluir a não iniciação e o estímulo para cessação nos já dependentes.

Tabagismo e doenças

O tabagismo é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a principal causa de morte evitável no mundo, sendo responsável por quatro milhões de mortes no mundo e oitenta mil no Brasil, a cada ano. A expectativa de vida de um indivíduo que fuma é 25% menor que a de um não fumante. Das 25 doenças relacionadas ao hábito de fumar, todas são causa de morte, sendo as principais: doenças cardiovasculares (43%), câncer (36%) e doenças respiratórias (20%).

Entre as patologias que podem ter sua taxa modificada com a cessação do tabagismo encontram-se a hipertensão arterial e o AVC. A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é muito frequente (87,8%) entre pacientes idosos com AVCi, independentemente do sexo e da faixa etária. Estudos apontam que o tabagismo aumenta em duas vezes o risco de AVC, sendo o principal fator de risco modificável, especialmente entre homens. Alguns autores sugerem que o abandono do tabaco, principalmente na forma de cigarros, reduz o risco de AVC em dois a cinco anos.

Além dos riscos para o fumante, há redução do crescimento fetal e agravamento de quadros respiratórios, alérgicos e infecciosos em crianças expostas à fumaça do cigarro.

Dependência de nicotina

A dependência de nicotina apresenta três principais mecanismos para sua manutenção:

- Reforço positivo, que é o mecanismo que leva um indivíduo a repetir um comportamento percebido como prazeroso, no caso, a capacidade da nicotina de reduzir o apetite, aumentar a disposição, o estado de alerta e a atenção;
- Condicionamento ou hábito desencadeado por estímulos ambientais, tais como, o uso de café e de bebidas alcoólicas ou de emoções positivas (comemorar, relaxar) e negativas (sentir-se solitário, entristecido), associadas ao ato de fumar);
- Reforço negativo, caracterizado pela manutenção do uso para evitar o desconforto proporcionado pelos sintomas da síndrome de abstinência, principalmente ansiedade, irritabilidade, aumento do apetite, e dificuldade de concentração.

Estratégias para abordagem do tabagismo

A combinação de informações a respeito dos riscos do fumo, educação de saúde para mudar as atitudes das pessoas em relação ao cigarro, proibição da propaganda e venda a menores de idade, aumento de impostos, restrições ao fumo em lugares públicos (como a recente lei adotada no estado de São Paulo) e a criação de grupos de aconselhamento breve para fumantes, estão entre as principais estratégias.

Com relação à abordagem dos tabagistas, propriamente dita, alguns aspectos são fundamentais:

- Avaliar o grau de motivação do tabagista para parar de fumar e adequar a intervenção ao momento do indivíduo, para aqueles muito resistentes à ideia, apresentar informações sobre os riscos do tabagismo para ele e para as pessoas com quem convive e solicitar que considere isso para estimulá-lo a pensar em parar de fumar, em um outro momento, para os que já se mostram receptivos à ideia da cessação, apresentar alternativas de tratamento que possam ajudá-lo e para os já motivados, iniciar o tratamento.

- Um aspecto importante, na tentativa de aumentar a motivação, é buscar reconhecer quais motivos mostram-se mais adequados a cada pessoa. Por exemplo, para senhoras, uma razão pode ser ter se tornado avó e a preocupação com o tabagismo passivo em seus netos; para um homem, questões relacionadas à potência sexual; para jovens, aspectos que envolvam sua aparência e atividade física. Quanto mais próxima à realidade do indivíduo, maior a chance da sensibilização ocorrer.

- Avaliar se o indivíduo apresenta doenças físicas e/ou mentais que necessitem de avaliação e tratamento;

- Uma boa parte dos fumantes já tentou parar de fumar uma ou mais vezes. É importante reforçar que a média de tentativas gira em torno de quatro, e que, a cada tentativa, ele estará mais perto da cessação definitiva. Nesse sentido, é importante rever as tentativas anteriores de parada e as razões de fracasso para não repeti-las;

- Conhecer os temores do indivíduo com relação a parar de fumar (por exemplo ganho de peso, fissura, medo de fracassar) para orientá-lo;

- Se ele estiver disposto a tentar, sugerir que marque uma data de parada.

Uma forma de avaliar o grau de dependência da nicotina, e a provável necessidade de utilização de Terapia de Reposição de Nicotina (adesivo ou goma), é a utilização do teste abaixo:

Teste de Fageström

Pergunta

Resposta

Pontos

Quanto tempo demora para fumar o 1º cigarro da  manhã?

< 5 minutos
6-30 minutos
31-60 minutos
> 60 minutos

3
2
1
0

É difícil deixar de fumar nos lugares onde é proibido?

Sim
Não

1
0

Que cigarro ao longo do dia é mais difícil de deixar de fumar?

1º da manhã
Todos os demais

1
0

Quantos cigarros você fuma por dia?

<= 10
11-20
21-30
>31

0
1
2
3

Habitualmente você fuma mais nas primeiras horas do dia do que no restante do dia?

Sim
Não

1
0

Você fuma mesmo estando doente na cama?

Sim
Não

1
0

Pontuação: 0 a 3 dependência leve; 4 a 6 dependência moderada; >= 7 dependência grave.

A partir da dependência moderada, sugere-se considerar o uso de TRN.

Do ponto de vista farmacológico, as principais alternativas de tratamento são:

Produto

Comentários

Orientações

Adesivo de nicotina

Tratamento de 1ª linha. Libera nicotina estavelmente ao longo do dia. Risco de reação cutânea local.

Apresentações de 21, 14 e 7 mg. Iniciar na noite anterior à data de parada.

Goma de nicotina

Tratamento de 1ª linha. Libera nicotina agudamente. Cuidado com uso de prótese dentária.

Apresentação de 2 e 4mg. Iniciar imediatamente após a cessação.

Bupropiona

Tratamento de 1ª linha. Uso cuidadoso com hipertensos não controlados. Não utilizar para pacientes com antecedente de convulsões, anorexia ou transtorno bipolar.

Iniciar 10 a 15 dias antes da data de parada. Começar com 1 cp de 150 mg/dia pela manhã, após o 3º dia 150 mg pela manhã e 150 mg à tarde, intervalo de 8 horas, evitar tomada noturna.

Vareniclina

Tratamento de 1ª linha. Uso criterioso em pacientes com histórico de transtorno mental. Risco de náusea principalmente no início do tratamento.

Iniciar 7 a 15 dias antes da parada. Começar  com 0,5 mg 1x ao dia, do 1º ao 3º dia; do 4º ao 7º dia, 0,5mg 2 x ao dia, do 8º dia até o final do tratamento 1mg 2x ao dia.

Nortriptilina

Considerada terapêutica de 2ª linha. Considerar efeitos colaterais. Realizar avaliação cardiovascular; é contra indicado em paciente com transtorno bipolar

Iniciar com 25 mg e avaliar aumento da dose. Realizar ECG antes de iniciar.

Finalizando, é importante salientar que o estímulo à cessação do tabagismo deve ser realizado sempre que possível e, para isso, deve-se utilizar de clareza na orientação e considerar a dificuldade de cessação por parte do tabagista. O aumento da disponibilidade de informações sobre os malefícios do cigarro tem estimulado os tabagistas a tentarem parar de fumar, o que tem se refletido na redução das taxas de tabagismo na população brasileira. Esse movimento tem sido acompanhado de mudanças na legislação que priorizam a redução do fumo passivo através da exposição à fumaça do cigarro e outros produtos fumígeros em ambientes fechados. A essas medidas, deve ser acrescida a maior facilidade de acesso ao tratamento, propiciando, assim, uma elevação nas taxas de cessação definitiva e repercutindo, a médio prazo, na redução das doenças relacionadas ao tabaco, consequentemente, na mortalidade atribuída a esse fator de risco evitável.

Renata Cruz Soares de Azevedo é psiquiatra, professora do Departamento Psicologia Médica e Psiquiatria, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Coordenadora do Ambulatório de Substâncias Psicoativas (Aspa) do Hospital das Clínicas (HC) da Unicamp.