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Artigo
Impactos da internet no jornalismo impresso
Por Sabine Righetti
e Ruy Quadros
10/08/2009

No começo deste ano, o jornal espanhol El Pais, um dos mais influentes do mundo, anunciou a união das versões impressa e online do jornal. Desde março, uma única redação produz conteúdo para papel, internet e celular numa mudança que a direção do jornal chamou de "plano de sobrevivência". O diretor do Grupo Promotora de Informaciones (Prisa), que publica o El Pais, Juan Luis Cebrián, considerou o processo inevitável já que em 15 anos, acredita ele, o jornal impresso estará extinto.

A decisão do El Pais, de transformar a produção do jornal impresso em uma parte do trabalho da empresa – e não mais no coração das atividades de comunicação – é um grande passo numa dança ensaiada há mais de uma década, quando a internet surgiu como um novo meio de comunicação capaz de suportar – com mais agilidade – o conteúdo dos jornais impressos. Antes, informações factuais escritas (com base em fatos que acabaram de acontecer) eram exclusividade dos jornais impressos e cabia às revistas, como o próprio nome diz, revisar o conteúdo da semana e aprofundar algumas informações. Hoje, a internet cumpre funções que eram apenas dos jornais em papel e, num contexto de redução de circulação, que varia entre 2% a 4% ao ano em todo o mundo (Bughin e Poppe, 2005), o debate sobre o futuro do jornal impresso ganha força.

Debruçamo-nos sobre essa discussão há cerca de quatro anos por meio da pesquisa "Inovação, formação de competências e diversificação no setor de comunicação: a exploração da internet em dois grupos brasileiros de mídia impressa", cujos resultados foram defendidos em uma dissertação de mestrado1, em fevereiro de 2008, no Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), do Instituto de Geociências (IG), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Um dos objetivos do trabalho, exposto neste artigo, foi entender os impactos da internet na chamada “crise do jornalismo impresso” que, de acordo com Meyer (2004) e Boczkowski (2004), é caracterizada por dois principais fatores: a redução de circulação e do número de leitores e a queda de participação dos jornais no total do dispêndio publicitário em meios de comunicação.

Ao contrário da nossa hipótese inicial, de que a internet criou a crise do jornalismo impresso, descobrimos por Meyer (2004) e Boczkowski (2004) que a queda de penetração dos jornais é percebida há décadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de leitores de jornais diários caiu de 356 a cada mil habitantes, em 1950, para 234, em 1995, o que representa uma redução de 34% em 45 anos (Boczkowski, 2004:08). Os motivos da redução do número de leitores, expostos pelos autores, são muitos e variam desde a concorrência de outros meios de comunicação mais “atraentes”, como a própria TV, à queda do hábito de leitura e seu não incentivo nas escolas. Os autores, no entanto, concordam que a internet acelerou uma crise já existente e que pode se intensificar.

Trazendo a crise do jornalismo impresso para o nosso cenário, vemos, no Brasil, uma redução de cerca de 11% no número absoluto diário de jornais impressos em dez anos analisados. Eram 3,5 milhões de exemplares por dia, em 1995, e em 2005 restavam 3,09 milhões por dia.

Fazendo um recorte mais específico nos dois principais jornais do país, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo – que foram alvo de estudo minucioso que incluiu levantamento de dados, consulta à material institucional e entrevistas com profissionais dessas empresas – observa-se, também, uma considerável redução de leitores. Na Folha de S.Paulo, a média diária de exemplares caiu de 606 mil, em 1995, para 308 mil, em 2005, o que significa uma redução de 49% (lembrando que a Folha é o principal jornal do país em termos de circulação). Essa queda deve-se, sobretudo, à redução do número de assinantes, que diminuíram em 38% no período, passando de 440,3 mil, em 1995, para 272,4 mil, em 2005.

No jornal O Estado de S.Paulo, a circulação passou de 381 mil exemplares, em 1995 para 230,9 mil, em 2005, o que representa uma redução de 39%. Vemos que a redução também está associada à fuga de assinantes, que diminuíram em aproximadamente 45% em cinco anos, passando de 351 mil, em 2000, para 195 mil, em 2005 (os dados de O Estado de S.Paulo foram fornecidos pela empresa a partir de 2000).

Podemos dizer que a internet está diretamente associada à redução dos assinantes dos jornais, pois oferece ao leitor uma nova forma de recebimento da informação em casa. Se antes as assinaturas dos jornais possibilitaram que o consumidor deixasse de ir à banca, hoje ele não precisa  ir sequer à garagem de sua casa ou à portaria do seu prédio. O jornal está disposto, eletronicamente, em seu computador. É, simplesmente, uma nova forma de distribuição da informação.

O segmento de jornais impressos também sofreu uma redução significativa de participação nos dispêndios publicitários em meios de comunicação, passando de 28%, em 1995, para 16%, em 2005, enquanto outros segmentos, como revistas e rádio, praticamente se mantiveram estáveis. Isso mostra que, de fato, encontramos no Brasil as duas características da chamada crise do jornalismo impresso: queda de receita por vendas e por publicidade (Meyer, 2004, e Boczkowski, 2004).

Mas para onde foram os dispêndios publicitários antes destinados aos jornais?

No Brasil vemos que a publicidade, no período analisado (1995-2005), migrou sobretudo para a TV (que teve um aumento de participação de 5% nos dispêndios) e para os chamados “outros meios de comunicação” que, somando meios como a internet, cinema e TV por assinatura, chegaram a 11% dos dispêndios publicitários em 2005 (ante 3% em 1995). Mas vale destacar que a participação da internet, sozinha, foi pequena e só aparece a partir de 2004, com 1,7% do total gasto em publicidade. Em 2006, a participação da internet no dispêndio publicitário chega a 2% do total. Isso mostra que a internet pode ser a responsável pela absorção dos antigos leitores de jornal em papel, mas ainda não é a responsável por absorver a publicidade.

A mídia eletrônica, apesar de ainda não ter se configurado como um meio de comunicação capaz de atrair montantes significativos de publicidade, tem potencial para se tornar alvo do mercado publicitário, pois oferece novas formas de anúncios (interativos, por exemplo) e atinge a um número incalculável de receptores (enquanto um anúncio em jornal impresso atinge, em média, quatro pessoas por exemplar, de acordo com os cálculos de penetração mais utilizados na atualidade). O mercado publicitário tende a caminhar para onde está o maior número de pessoas (receptores da publicidade). Por essa lógica, se a internet continuar atraindo cada vez mais usuários, é possível esperar uma movimentação da receita publicitária para a mídia online.

No Brasil, a audiência da internet ainda deixa a desejar. Números otimistas do Comitê Gestor de Internet do Brasil (CGI.br) mostram que, aproximadamente, 30% da população tem acesso à rede, sendo grande parte dos acessos realizados na região Sudeste – a título de comparação, temos que, no Estados Unidos, cerca de 90% da população tem internet.

Vale, no entanto, destacar que o número de usuários de internet no Brasil aumentou cerca de 46% durante os cinco anos analisados (2001-2005). Esse número tende a crescer com iniciativas públicas e privadas de inclusão digital, com a inserção do computador na escola e com um relativo barateamento que tem sido observado na aquisição de computadores domiciliares.

Não menos importante, vemos também, na atualidade, uma geração de jovens que cresceu consumindo informações na internet e que dificilmente se tornará leitora ou assinante de um jornal em papel na idade adulta.

Diante desse turbilhão em que se encontram os jornais impressos e de um cenário positivo em relação ao crescimento de usuários de internet – e de consumidores de informação na rede –, a pergunta que fica é: como o jornalismo impresso pode sobreviver?

Jornais impressos: como vencer a crise?

Enquanto Juan Luis Cebrián, diretor do Prisa/ El Pais, vê o fim dos jornais em papel em quinze anos e Phillip Meyer (2004), um dos maiores estudiosos do assunto, não dá mais do que 25 anos para os jornais impressos se extinguirem, a maioria das empresas de comunicação parece atônita e otimista, mas seguindo estratégias de sobrevivência pouco exitosas.

No início da grande e atual crise do jornalismo impresso, na década de 1990, uma das principais estratégias adotadas pelas empresas de comunicação para aumentar a circulação dos jornais foi os chamados “anabolizantes” – fascículos que acompanham periodicamente o jornal, como enciclopédias e livros. Em curto prazo, houve resultados satisfatórios para jornais como a Folha de S.Paulo, que observou um crescimento de 50% nas vendas em banca em 1995 por causa dos anabolizantes (MídiaDados, 1996:150). A venda de fascículos integrada ao jornal passou a ser considerada um novo modelo de negócios para as empresas de comunicação, já que alguns anabolizantes passaram a ser produzidos internamente pelos grupos de comunicação, como as publicações do Publifolha, a divisão de publicações do grupo criada em 1995.

Mas a estratégia de venda de fascículos, adotada com objetivo de estimular as vendas, apesar de ser mantida até hoje em várias partes do mundo, não foi sustentável. O que se observa é que as vendas em bancas regridem a cada término de campanha dos anabolizantes e as assinaturas – principal fonte de receita de vendas dos jornais (em média correspondem a 80% da receita de vendas) – continuam em queda.

Por outro lado, no caso específico do Brasil, vemos que os dispêndios em publicidade no segmento impresso tiveram um aumento significativo, recentemente, devido ao boom imobiliário. Em 2007, por exemplo, o total de dispêndios de publicidade nos jornais aumentou cerca de 20% devido aos anúncios do setor imobiliário. Esses números positivos fizeram os jornais respirarem aliviados e muitos deles chegam a questionar a crise diante de um aparente cenário de retomada. Mas até quando dura o boom imobiliário no Brasil? Quanto durou o boom nos Estados Unidos?

Levantamos aqui o que Kip Garland, um dos maiores consultores em inovação tecnológica da atualidade, chama de “mudança de perspectiva” no mundo empresarial, ou seja: a necessidade de mudar o olhar sobre um mesmo problema. Garland conta que, nos primórdios da humanidade, enquanto os homens pensavam em como criar armas de caça mais eficientes, um “empreendedor das cavernas” pensou: “Como faço para caçar sem sair do lugar?” Então desenvolveu-se a domesticação de animais. Trata-se, simplesmente, da formulação de uma nova pergunta sobre uma mesma questão: o abate de animais (e a sobrevivência humana).

Trazendo a ideia de Garland mudar de perspectiva para o setor de comunicação, e pensando especificamente na sobrevivência das empresas de jornalismo diário impresso, concluímos que também está na hora de mudarmos as perguntas para obtermos novas respostas. Por exemplo: ao invés de questionar como aumentar as vendas e a publicidade dos jornais diários, podemos nos perguntar algo do tipo: “Essa é a única forma sustentável de se manter o modelo de negócios de um jornal?”

E nesse exercício de mudança de perspectiva, surgem novas perguntas: precisamos manter os jornais diários impressos da maneira como os conhecemos hoje – cobrindo o factual, em grande distribuição geográfica, num formato grande e difícil de manusear? Não está na hora de re-configurarmos a ideia que temos de jornal diário impresso?

Meyer (2004) sugere que a única alternativa possível de sobrevivência dos jornais é o investimento em qualidade (bons jornalistas e boas pautas), já que a tríade qualidade, credibilidade e lucro formam um caminho quase linear. É isso que o autor chama de modelo de influências dos jornais. No entanto, observa-se que as empresas têm seguido caminhos opostos: com a crise, demitem os grandes jornalistas e diminuem as redações. Por falta de recursos, “enxugam” as grandes, trabalhosas e mais interessantes pautas. Com texto de menos qualidade, os jornais perdem credibilidade – o que, pela visão de Wernenfelt (1984), Prahalad & Hamel (1990) e Barney (2001), é um recurso essencial das empresas de comunicação. Com menos credibilidade, diminui-se a receita em vendas e em publicidade (e o lucro).

O desenvolvimento de estratégias em um setor como o de comunicação é plausível de vários estudos. Os caminhos que as empresas de comunicação trilharão com o desenvolvimento da exploração eletrônica e a manutenção do jornalismo impresso certamente serão pauta para futuras pesquisas. Como relata Porter (1999), definir estratégias em uma nova área que ainda se configura, e cujo setor evolui quase diariamente, é uma atividade de grande dificuldade. Mas há pelo menos uma certeza: se os jornais se mantiverem como estão concebidos (idealmente) e produzidos na atualidade, serão engolidos pela internet nessa ou na próxima geração.

Sabine Righetti é jornalista, especialista em jornalismo científico pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp e mestre pelo Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências da Unicamp. Email: sabine@unicamp.br

Ruy Quadros é professor do DPCT do Instituto de Geociências da Unicamp e coordenador do Grupo de Estudos de Empresas e Inovação (Gempi).

Notas

1 As informações dispostas neste artigo foram atualizadas desde a defesa da dissertação de mestrado da jornalista Sabine Righetti, desenvolvida sob orientação do Prof. Dr. Ruy Quadros e defendida em 21 de fevereiro de 2008. A pesquisa de mestrado, realizada entre 2005 e 2008, foi financiada pelo CNPq.

Bibliografia:

Barney, J. Gaining and sustaining competitive advantage. 2 nd (International) Prentice Hall, 2001.

Bockowski, P. J. Digitalizing the news. Innovation in online news papers, Cambridge: The MIT Press, 2004.

Bughin, J.; Poppe, H. Dwiling readershiop: are tabloids the answer? The McKinseyQuartely, 2005.

Meyer, P. The vanishing newspaper – saving journalism in the information age. Missouri: University of Missouri Press, 2004.

Porter, M. Competição: estratégias competitivas essenciais. Harvard Business Review Book. Ed. Campus, 1999.

Prahalad, C.; Hamel, G. The core competence of the corporation. Harvard Business Review Article, v. 90, n. 3, p.79-91, May/June, 1990.

Wernenfelt B. A resource-based View of the Firm. Strategic Management Journal, v. 5, 171-180, 1984.

Fontes:

Relatório de responsabilidade corporativa Material institucional do Grupo Estado distribuído anualmente junto ao jornal, 2005 e 2006.

Grupo Folha Material institucional da Folha, 2005.

Mídia-dados. Relatórios anuais publicados pelo Grupo de Mídia, 1996-2006.