Carta aos telecentristas

"Em cima do muro é um lugar que não existe" já dizia Pitty em Suas Armas. Também diz: "palavra e movimento, eis minha munição".

Até agora conversamos com quem nos procurou, falamos com um e com outro, mas não tínhamos tomado nenhuma atitude pública porque não queríamos pecar pela intromissão nem, como entendiam alguns, prejudicar o andamento e a continuidade do projeto que com tanto carinho, empenho e luta ajudamos a colocar em pé.

Rompemos o silêncio não para defender governantes ou partidos, mas sim para defender um movimento. Sim, este sempre foi o caráter do projeto telecentros, éramos um grande movimento: os telecentristas, como alguns costumavam nos chamar.

Os telecentristas não ficam restritos a seus trabalhos, ao espaço físico de um telecentro ou a um governo, seja ele qual fôr. Estão por aí, no mundo todo, porque descobriram que não dá prá conviver com a mais perversa das exclusões, a exclusão do conhecimento, da informação.

O governo Serra tinha pela frente um grande desafio: continuar um projeto que chegou a ser o maior plano de inclusão levado a cabo por um município, e transformar o que poderia ser entendido como marca de um partido e de uma gestão que se encerrava em uma conquista da população de São Paulo. É isto o que de fato significa o movimento que se criou: os Telecentros de São Paulo é uma conquista da população. E é isto que escapou a percepção do novo governo - o que os telecentros contribuem para emancipação das comunidades que atende, e o que estas comunidades podem fazer com este serviço público colocado ao seu alcance: transformar a sua realidade.

Não perceber isto leva a não entender que são estas comunidades que deram sustentação para que se conseguisse mais verbas orçamentárias, mais parcerias, sucesso e reconhecimento internacional. Tudo isso sempre foi muito além de partidos ou governantes. Políticas Públicas, é disso que se trata. Direito da população, e não vontades ou caprichos do governante de momento.

O que estamos assistindo não é sequer uma política de cortes planejados. O novo estilo de gestão instaurou uma rede de intrigas e desunião, jogando uns contra os outros para causar divisão, mostrando um enorme descaso com o movimento que havia se criado na cidade. Pela sede de controle vai-se deixando escorrer pelos dedos um projeto que havia se firmado.

Algumas verdades precisam ser colocadas. Não sabemos e não temos dados para falar de outros setores do governo anterior, nem do governo como um todo. Mas, o Governo Eletrônico não deixou nenhuma dívida sem solução - terminamos o ano com 205 mil reais liquidados e com pagamento previsto. Estes 205 mil reais entram necessariamente como restos a pagar e tem seu pagamento asegurado pela legislação orçamentária - quem suspendeu o pagamento foi o Governo Serra. Mas este novo estilo de gestão parece saber trabalhar bem com diversas verdades e inverdades, com falsas intimidades, com tantas caras quanto forem necessárias. Chegou a informar à imprensa que não iriam reabrir um telecentro roubado por falta de equipamentos, quando na verdade ainda restavam equipamentos para abrir mais cinco unidades. Chegou a informar que não haveria mais demissões pouco antes de demitir mais uma leva.

Quanto ao orçamento, no ano de 2004 trabalhamos com 11 milhões e meio de orçamento realmente gasto em nossa pasta. Fomos atrás de mais dinheiro e o conseguimos, com verbas da Educação para custear os Telecentros nos CEUs e o TeleCEU e, graças a credibilidade que o programa desfrutava, conseguimos mais verbas para manutenção e custeio junto ao Banco Santander. Juntando todas as negociações chegamos a algo em torno de 17 milhões.

Estes mesmos esforços poderiam ser feitos pela atual gestão, desde que se apoiassem na força das comunidades e do movimento que existia nos telecentros para conseguir escapar dos limites impostos pelos cortes orçamentários. Esta gestão diz estar partindo de um orçamento de 10 milhões, o mesmo patamar de que partimos em 2004, quando ainda abrimos telecentros novos, o que não parece ser plano desta gestão.

Nunca contamos só com nossa vontade, ao contrário sempre fomos cobrados e lutamos pelo que as comunidades colocavam, nas exigências que nos presentavam. E foi a força destas comunidades e do conjunto de pessoas que, mais do que trabalhadores, eram militantes telecentristas, que conseguiu tudo o que conseguimos.

A gestão anterior do Governo Eletrônico sempre foi transparente em relação às dificuldades e às modificações que deveriam acontecer nos telecentros e na própria administração Governo Eletrônico. Todas as ações sempre foram discutidas no coletivo e todas as decisões foram tomadas sem que fossem criadas situações de conflito entre ATUs, ATRs, monitores e pessoas que atuam dentro do Governo Eletrônico.

As atuais reuniões fechadas demonstram a falta de transparência e o desejo de desarticular esse movimento que nasceu do esforço de todos: da vontade e mobilização da população, monitores, ATUs, ATIs, ATRs, voluntários, entidades e usuários. Demonstra a fragilidade de compreensão da atual administração em relação à um projeto que teria que estar acima de qualquer partido. O projeto teria que ser, acima de tudo um espaço democrático, onde a participação popular se daria não apenas pela comunidade de usuários, mas também pelos monitores, ATUs e demais cooperados.

Mas nós continuamos militantes telecentristas e vemos com muita preocupação e, por que não dizer, tristeza, o desmonte que esta sendo feito em São Paulo. Precisamos nos manter ativos, antentos e vigilantes, pois a simples falta de manutenção e de melhorias técnicas pode levar ao sucateamento do projeto.