Brasil falha na rastreabilidade animal e se prepara para receber 
                Missão da UE
              
                Na década de 1990 a Inglaterra e outros países, 
                principalmente na Europa, sofreram com a epidemia do mal da vaca 
                louca que obrigou os criadores a retirarem a farinha de osso ou 
                de carne de origem animal da alimentação de seus 
                rebanhos. Desde então, a incidência da doença 
                diminui, mas não desapareceu . Em janeiro deste ano, três 
                casos foram confirmados no Canadá. Em abril, uma Missão 
                da União Européia virá ao Brasil para investigar 
                as condições sanitárias para a manutenção 
                da importação da carne brasileira. A rastreabilidade 
                e identificação individual tornou-se obrigatória 
                em bovinos importados pelo Brasil a partir de 2001 (Instrução 
                Normativa no 8, 13 de fevereiro de 2001) mas, apesar disso, nem 
                todos os animais importados foram rastreados. Fontes informam 
                que o ministério tem conhecimento da entrada de cerca de 
                8 mil bovinos importados da América do Norte sem rastreamento.
              
                
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                  | Animais 
                      identificados na Fazenda Canchim da Embrapa Pecuária 
                      Sudeste | 
              
              A 
                justificativa do Ministério da Agricultura é que 
                apenas alguns animais originados de países livres de Encefalopatia 
                Espongioforme Bovina (EEB) - a doença da vaca louca - não 
                estariam rastreados, o que não representaria um risco para 
                o país. No entanto, a União Européia resolveu 
                justamente rever as condições de controle sanitário 
                em alguns países depois que surgiram casos da doença 
                nos EUA e Canadá, países antes sem casos e grandes 
                exportadores de carne. Para o coordenador de sistemas de rastreabilidade 
                no Ministério de Agricultura, Naor Maia Luna, o fato do 
                país não ter todos seus animais importados rastreados 
                não será mal visto pelas autoridades européias, 
                ou seja, não resultará no rebaixamento do nível 
                de risco para EEB - atualmente o Brasil está em nível 
                I, ou seja, o menor risco para a doença.
              'É 
                importante que tenha [rastreabilidade] para todos os animais, 
                mas isso é gradativo. Há uma prioridade daqueles 
                de maior risco até chegarmos naquele sem risco. Para outras 
                espécies de animais não há rastreamento, 
                mas vamos evoluir para [que haja rastreamento para] exista também', 
                esclarece o veterinário.
              O 
                veterinário da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de 
                Botucatu, Rogério Martins Amorim, que trabalha com diagnóstico 
                de doenças neurológicas de bovinos, acredita que, 
                mesmo que apareça algum animal infectado com EEB, a chance 
                de propagação da doença no país é 
                muito pequena, já que os animais costumam se alimentar 
                principalmente de pasto e a ração que consomem não 
                utiliza carcaça ou restos animais, considerados a causa 
                da EEB. 'É um fator muito importante que talvez evite o 
                aparecimento de algum caso', explica. No entanto, Amorim admite 
                que, para haver um controle eficiente da doença da vaca 
                louca é preciso que o governo se esforce para ter um controle 
                nacional. 
              De 
                acordo com o veterinário, além do rastreamento de 
                animais importados ser falho, os pequenos e médio proprietários 
                não estão preparados para reconhecer um animal doente 
                e tampouco têm consciência da importância de 
                informarem as instituições competentes para realizarem 
                necrópsia em animais que venham a morrer (veja box). Atualmente, 
                o laboratório em que Amorim trabalha é solicitado 
                para testar animais, principalmente assistidos por veterinários, 
                que morrem de doenças como a raiva e outras patologias 
                a um custo médio para o proprietário de R$100 a 
                R$150 por animal. 
              Embora 
                o país não conte com nenhum programa de prevenção 
                da EEB, o governo dia estar preparado para diagnosticar a doença 
                e está providenciando a identificação e certificação 
                de bovinos e bubalinos (búfalos) através da implantação 
                do Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação 
                de Origem Bovina e Bubalina (Sisbov), desde 2004, que a princípio 
                deveria ser obrigatório para todos os pecuaristas, meta 
                descartada no último dia 2 de fevereiro pelo ministro da 
                Agricultura Roberto Rodrigues.
              'Vaca 
                Louca' em ovelhas
                No início do mês foi anunciado, pela primeira vez, 
                que a patologia pode acometer ovelhas, com um caso na França, 
                o que deverá mobilizar os governos a implementarem um sistema 
                de sanidade animal ainda mais rigoroso. No Brasil, o rebanho de 
                ovelhas de 14 milhões, com animais importados de países 
                como EUA, Inglaterra e Austrália, não é rastreado, 
                como ocorre em outros países. 
              Desde 
                de dezembro de 2004, o Brasil conta com um Programa 
                Nacional de Sanidade de Caprinos e Ovinos (PNSCO) com o objetivo 
                de controlar inicialmente três patologias que diminuem a 
                produtividade e esbarram em barreiras internacionais à 
                comercialização: Epididimite, Lentiviroses e a Scrapie. 
                A última delas é uma doença centenária 
                - com o primeiro caso aparecendo por volta de 1985 no Brasil - 
                e que teria originado a doença da vaca louca. Com o caso 
                da ovelha francesa com a doença antes exclusiva de vaca, 
                especialistas temem que ovinos e caprinos, uma vez com EEB, possam 
                transmitir a doença para outros indivíduos - diferentemente 
                da vaca louca em bovinos -, além de acumularem o príon 
                (proteína que desencadeia a degeneração nervosa) 
                no músculo (em vacas fica principalmente retido no cébebro), 
                o que potencializaria sua disseminação e o risco 
                do consumo desta carne. 
                
              Luiz 
                Alberto Oliveira Ribeiro, especialista em medicina de ovinos e 
                caprinos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 
                e membro da Comissão do PNSCO, afirma que o fato do Brasil 
                não utilizar com frequência ovelhas para a alimentação, 
                mas sim para a produção de lã, faz com que 
                o rastreamento deste rebanho não tenha uma importância 
                econômica, diferentemente de países como a Austrália 
                e Inglaterra. Apesar disso, diz, o país quer estabelecer 
                normas de controle, capacitar veterinários na identificação 
                laboratorial e monitorar os rebanhos. 'Credenciaremos propritários, 
                de forma voluntária, junto ao Ministério da Agricultura, 
                o que trará ao produtor a vantagem de agregar valor a produtos 
                para exportação', conta Ribeiro. Atualmente ele 
                trabalha em cooperação com a Universidade Luterana 
                do Brasil, em Canoa (RS), na identificação, no genoma 
                de ovelhas, genes mais resistentes e propensos a scrapie. 
                
                O Brasil é, há dois anos líder mundial em 
                exportação de carne bovina. No ano passado, foram 
                1,85 milhão de toneladas que renderam US$ 2,457 bilhões. 
                Entre os fatores desta expansão está o anúncio 
                de vaca louca atingindo os EUA (um caso em dezembro de 2003), 
                Canadá (dois casos em janeiro deste ano) e outros tantos 
                em países europeus, favoreceu a exportação 
                para estes destinos e também para outros mercados, abastecidos 
                anteriormente com carne européia. Além disso, o 
                país conquistou outros mercados, como Argélia e 
                Rússia. As expectativas para 2005 apostam na manutenção 
                do país na liderança mundial e a conquista de vendas 
                para países como a China. Para tanto, o país terá 
                de justificar a falha no rastreamento de animais importados para 
                a Missão da União Européia em abril próximo. 
                
              
                
                  | Como 
                      diagnosticar a doença da vaca louca
 Segundo Pedro Eduardo Felício, professor da Faculdade 
                      de Engenharia de Alimentos da Unicamp e especialista em 
                      qualidade de carne, diagnosticar um animal doente é 
                      simples, pois ele tem hiper sensibilidade na pele, à 
                      luz e a sons. Assim, basta tocar uma vaca doente com uma 
                      caneta para ela começar a tremer inteira, ou então 
                      deixá-la em um quarto escuro e ascender a luz ou 
                      mesmo bater palmas para que o mesmo sintoma possa ser observado. 
                      Felício lamenta que o governo federal ainda não 
                      tenha feito campanhas nacionais de prevenção 
                      para informar proprietários, pecuaristas e profissinais 
                      da saúde sobre os sintomas da doença para 
                      que as autoridades competentes sejam acionadas caso apareça 
                      algum caso no país. Como a morte da freira Dorothy 
                      no Pará, talvez seja preciso morrer um primeiro animal 
                      para que se arme o circo.
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