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              A partir de janeiro de 2005, uma comissão formada por representantes 
              do governo federal, do Congresso Nacional e da sociedade civil deverá 
              se reunir para revisar os instrumentos legais existentes sobre o 
              aborto. As propostas elaboradas deverão ser encaminhadas, 
              para votação, ao Congresso Nacional. O tema voltou 
              à polêmica durante o lançamento do Plano Nacional 
              de Políticas para Mulheres, no último dia 8 de dezembro, 
              quando a ministra da Secretaria Especial de Políticas para 
              as Mulheres, Nilcéa Freire, defendeu a revisão da 
              legislação sobre o assunto. A Secretaria propõe 
              ainda a garantia de serviços para a interrupção 
              da gravidez nos casos previstos pelo Código Penal: quando 
              houver risco de vida da gestante e gravidez provocada por estupro. 
              
            A 
              polêmica discussão sobre a descriminalização 
              do aborto envolve uma série de questões sobre a saúde, 
              os chamados direitos reprodutivos das mulheres, concepções 
              científicas e religiosas sobre a vida, dentre outras questões. 
              E os brasileiros possuem uma posição conservadora 
              em relação à descriminalização 
              do aborto. Essa é uma das conclusões da cientista 
              política Kátia Nishimura, do Centro de Estudos de 
              Opinião Pública (Cesop), da Unicamp, em artigo 
              publicado na última edição da revista Opinião 
              Pública. Os dados utilizados pela pesquisadora foram 
              retirados do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) 2002, a primeira 
              pesquisa acadêmica pós-eleitoral realizada no país. 
              A partir dela, a pesquisadora procurou estudar as tendências 
              do comportamento social dos brasileiros a partir de opiniões 
              sobre temas como a homossexualidade, o papel da mulher, o aborto 
              e a hierarquia social.
              
              Para Nishimura, a pesquisa revela posicionamentos que apontam para 
              uma tendência conservadora da sociedade brasileira. O curioso 
              é que, mesmo ao relacionar as opiniões sobre esses 
              temas e o voto na eleição presidencial de 2002, os 
              dados mostraram que o comportamento social conservador não 
              se restringe a uma escolha política eleitoral em particular. 
              Segundo Nishimura, as opiniões e as atitudes observadas em 
              relação às questões como a homossexualidade, 
              o papel da mulher, o aborto e a hierarquia social independem do 
              voto para presidente e, além disso, a tendência apresentada 
              pela maioria dos entrevistados é a de um posicionamento significativamente 
              conservador.
            As 
              opiniões dos entrevistados em relação ao tema 
              do aborto revela uma posição predominante: para 51%, 
              a interrupção da gravidez deve ser permitida somente 
              em situações particulares, como no caso de uma gravidez 
              provocada por estupro. Mesmo assim, a alternativa de que o aborto 
              deveria ser proibido em qualquer situação foi apontada 
              por parte significativa dos entrevistados (37,4%) e apenas 11,5% 
              concordam que o aborto deva ser permitido em qualquer situação.
            A 
              pesquisa também trata das opiniões de grupos religiosos 
              sobre a questão do aborto. A opinião de que ele deve 
              ser permitido somente em uma situação específica 
              é compartilhada pela maioria dos entrevistados: católicos 
              (50, 8%), evangélicos pentecostais (47,1%), religiões 
              afro-brasileiras (no caso da umbanda, por exemplo, 66,7%) e também 
              os que declararam não ter religião (59%). Já 
              para os adeptos de religiões como os Mórmons, os Adventistas 
              e Testemunhas de Jeová, o aborto deve ser proibido em qualquer 
              situação (65,4%).
            Além 
              da religião, de acordo com Nishimura, um outro elemento deve 
              ser destacado em relação aos posicionamentos sobre 
              o aborto: as opiniões mais conservadoras, que defendem a 
              sua proibição em qualquer circunstância, estão 
              entre aqueles com mais idade, mais pobres e menos escolarizados. 
              A opinião de que o aborto deve ser proibido de forma incondicional 
              concentra-se na faixa dos 60 anos ou mais, entre aqueles que não 
              têm renda ou com renda de até um salário mínimo 
              e com muito pouca instrução, analfabetos ou que cursaram 
              até a 4a. série do Ensino Fundamental. Já a 
              opinião de que o aborto deve ser permitido em uma situação 
              específica, apontada pela maioria dos entrevistados, é 
              predominantemente encontrada tanto entre aqueles com menor renda 
              e baixa escolaridade, como entre os mais escolarizados e de maior 
              renda. Esta postura também é a preponderante entre 
              os jovens e entre os adultos.
            Para 
              a pesquisadora, a opinião sobre o aborto, juntamente com 
              as outras questões abordadas pela pesquisa, estão 
              relacionadas às desigualdades de tratamento de várias 
              ordens (raciais, sociais e de gênero) que seriam obstáculos 
              para uma efetiva democratização da sociedade brasileira. 
              "Os resultados indicam uma presença expressiva de opiniões 
              e atitudes conservadoras na dinâmica do cotidiano da sociedade 
              brasileira, dificultando significativamente o processo de democratização 
              das relações sociais", conclui Nishimura.