Pós-genômica em abelhas contribui para 
                estudos comparativos entre espécies
                
              
                O seqüenciamento de qualquer genoma (DNA) ou transcriptoma 
                (RNA mensageiro) contribui para o avanço do conhecimento 
                biológico das espécies. Do ponto de vista aplicado, 
                há interesse em desvendar os genomas dos insetos para conhecer 
                mais sobre seu metabolismo e sua bioquímica, com intuito 
                de se desenvolver inseticidas mais eficientes e específicos 
                às pragas agrícolas, de explorar características 
                economicamente viáveis, entre outros. Com o objetivo de 
                comparar dados já seqüenciados da abelha Apis mellifera 
                (produtora de mel), um grupo de pesquisadores da Universidade 
                de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, da Universidade 
                Federal de Uberlândia (UFU) e do Instituto Ludwig, de São 
                Paulo, analisou mais de 20 mil seqüências da A. 
                mellifera, relativas ao seu transcriptoma, depositadas no 
                GenBank, maior banco mundial de genes. Os resultados foram 
                publicados em um artigo 
                recente na revista inglesa de divulgação científica 
                BMC Genomics. 
                
                De acordo com um dos autores do trabalho, Francis Nunes, o objetivo 
                da equipe foi gerar dados sobre a abelha que não privilegiassem 
                apenas um órgão ou tecido, como os dados de transcriptoma 
                de cérebro depositados anteriormente no GenBank. 
                Os pesquisadores perceberam quantas seqüências seriam 
                necessárias para a compreensão do transcriptoma 
                da A. mellifera, conforme geraram dados relativos ao desenvolvimento 
                embrionário e pós-embrionário da abelha. 
                "Geramos 5 mil seqüências que, somadas as 15 mil 
                de cérebro previamente depositadas, nos permitiu fazer 
                análises importantes, sobretudo de genômica comparativa", 
                afirma Nunes. 
                
                Os pesquisadores verificaram que 52,2% dos dados mostraram-se 
                específicos para a espécie A. mellifera, 
                47,8% seqüências restantes eram compartilhadas entre 
                a abelha e outros organismos e 8% só aparecem entre insetos. 
                "Encontramos um conjunto de seqüências que apresenta 
                maior similaridade com mamíferos do que com qualquer outro 
                inseto ou vertebrado, sugerindo que tais genes divergiram menos 
                entre esses grupos e estão relacionados à aprendizagem 
                e comportamentos complexos", explica Nunes. 
                
                Para realizar o trabalho, iniciado em 2001, a equipe utilizou 
                a metodologia de seqüenciamento Orestes, desenvolvida por 
                pesquisadores brasileiros e que diferencia-se das demais por seqüênciar 
                fragmentos centrais do RNA mensageiro, ao invés das extremidades, 
                prioritariamente. 
                
                 Aplicabilidade
                De acordo com Nunes, a pesquisa com abelhas melíferas pode 
                contribuir para o aumento da produtividade na indústria 
                apícola, além de auxiliar na compreensão 
                de mecanismos complexos como a diferenciação de 
                castas (rainhas e operárias) e divisão de trabalho 
                entre as operárias na colméia. Essa espécie 
                é, atualmente, a maior produtora de mel no mundo. Graças 
                a sua introdução no Brasil, em 1956, o país 
                está hoje entre os dez maiores produtores de mel, com cerca 
                de 40 mil toneladas por ano e com a produção de 
                própolis ganhando espaço no mercado. "Em 2003, 
                o Brasil produziu em torno de 100 toneladas [de própolis]", 
                enfatiza. 
                
               
                O biólogo ressalta que as enzimas do veneno das abelhas 
                com ferrão, como a A. mellifera, possuem um potencial 
                farmacológico pouco explorado, podendo ser base para formulação 
                de novas drogas. As proteínas da geléia real e o 
                processamento do néctar (para produzir mel) também 
                são alvo de interesse econômico. "A abelha Apis 
                pode se tornar, em pouco tempo, um organismo de referência 
                para análises relativas aos genomas, sendo um modelo muito 
                mais forte que a Drosophila [mosca de frutas], que não 
                pode responder perguntas relativas a comportamentos aprendidos 
                entre outros atributos ligados a sua alta organização 
                social", explica. 
                
                Apenas quatro insetos já tiveram seus genomas seqüenciados: 
                além da A. mellifera (cujo genoma tornou-se público 
                em janeiro de 2004) e da D. melanogaster, também 
                o Anopheles gambiae (mosquito transmissor da malária) 
                e o Bombyx mori (bicho-da-seda), todos realizados por grandes 
                consórcios de pesquisadores em todo o mundo. De acordo 
                com Nunes, apesar dos insetos serem anteriores aos mamíferos 
                na escala evolutiva, tendendo a ter um genoma menos complexo, 
                parte dos genomas dos eucariotos [organismos com célula 
                nucleadas, como insetos e humanos] apresenta um certo grau de 
                conservação, que varia de acordo com a distância 
                evolutiva. "Eu posso, por exemplo, estudar um gene em embriões 
                de abelha que se comportam de forma semelhante em embriões 
                humanos. O importante é conhecer e comparar os genomas 
                no que diz respeito a regiões conservadas", conclui.