Relatório mostra que violação dos direitos 
                humanos é pior no meio rural 
              
                No início do mês foi lançado o Relatório 
                Direitos Humanos no Brasil 2004, publicado pela organização 
                não-governamental Rede Social de Justiça e Direitos 
                Humanos. Com a colaboração de mais de 30 entidades 
                - como o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) 
                e a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Trabalho e Solidariedade 
                de São Paulo - e de movimentos sociais como a Comissão 
                Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento Sem Terra (MST), o documento 
                traz em 39 artigos, dados e análises importantes sobre 
                os direitos humanos no país nos últimos anos, e 
                especialmente em relação à situação 
                em 2004. Entre as constatações a de que, principalmente 
                no meio rural, a violação dos direitos fundamentais 
                continua preocupante. 
              O 
                agronegócio é responsável pelo grande desmatamento 
                que ocorre na Amazônia. O estado de Mato Grosso, o maior 
                produtor mundial de soja, foi responsável nos últimos 
                vinte anos pelo desmatamento de 30 milhões de hectares, 
                quase metade dos 75 milhões que correspondem à floresta 
                ou cerrado. E é justamente no cerrado brasileiro, onde 
                surgem as principais bacias hidrográficas do país 
                e onde está a maior savana do mundo - em um total de 10 
                mil de espécies vegetais - que o agronegócio mais 
                se expandiu, comprometendo este bioma ainda mais com o desmatamento 
                e a grande utilização de agrotóxicos, que 
                provocam desequilíbrio ambiental. Pequenos agricultores, 
                rodeados pelas monoculturas, sentem o aumento do número 
                de pragas, que migram para locais livres de veneno e comprometem 
                a biodiversidade existente. O relatório denuncia a sobreposição 
                do direito do capital sobre o direito do ser humano, com a destruição 
                dos valores de convivência e de solidariedade, oriundos 
                da agricultura camponesa.
              O 
                relatório aponta o setor de agronegócio como grande 
                concentrador de terra, renda e água potável (a irrigação 
                consome mais de 70% da água doce do país), além 
                de substituir a mão de obra do campo por máquinas, 
                em tempos de desemprego. Enquanto o campo se moderniza com máquinas 
                e insumos, o maior produtor de algodão do Brasil, o prefeito 
                de Acreúna (GO), demitiu dois mil empregados de suas fazendas, 
                em maio de 2004, em conseqüência da aquisição 
                de 18 colheitadeiras", afirmam Plínio de Arruda Sampaio 
                e Marcelo Resende, autores do artigo Tendências da Conjuntura 
                que Impedem a Reforma Agrária, do relatório. O setor 
                também beneficiaria pequenos grupos de produtores e empresas 
                internacionais, contrariando a imagem, freqüentemente divulgada, 
                de ser um grande gerador de empregos. 
              Um 
                estudo realizado em setembro pelo Movimento dos Trabalhadores 
                Rurais Sem Terra (MST), citado no relatório, conclui que 
                áreas com mais de mil hectares empregam somente 600 mil 
                trabalhadores, enquanto que a pequena propriedade emprega mais 
                de 13 milhões de trabalhadores familiares e mais de um 
                milhão de assalariados. Outro ponto levantado é 
                a utilização de grande quantidade de agrotóxico, 
                colocando o Brasil no topo do ranking de consumo desta sustância, 
                mesmo com os prejuízos que causam na saúde humana 
                e meio ambiente, de acordo com dados da FAO - organismo das Nações 
                Unidas para a alimentação. 
                
                Escravidão
                O artigo sobre escravidão, de autoria da jornalista Evanize 
                Sydow, que também coordenou o relatório, denuncia 
                que a pecuária conta com 50% de trabalho escravo, enquanto 
                o desflorestamento e a carvoagem conta com 25%, e o agronegócio 
                com outros 25%. Segundo dados do Grupo Especial de Fiscalização 
                Móvel do Ministério do Trabalho, muitos trabalham 
                16 horas por dia, de domingo a domingo, por um prato de arroz 
                e farinha e um barraco de lona para dormir. Grande parte não 
                sabe o próprio nome completo ou o dos pais e, freqüentemente, 
                há casos de assassinatos dos que tentam fugir. Entre 1995 
                e 2004, esse mesmo Grupo Especial retirou 13.119 pessoas deste 
                regime, mas muitos casos ainda não foram identificados. 
                Em 10 anos 1260 propriedades foram fiscalizadas, das quais 300 
                utilizavam trabalho escravo. Desde então, mais de R$ 13,5 
                milhões foram desembolsados em indenizações 
                trabalhistas.
              De 
                acordo com Sydow, o relatório se destina a informar a sociedade, 
                imprensa e órgãos do governo sobre o quê a 
                sociedade civil organizada está pensando sobre os diversos 
                temas relacionados aos direitos humanos no Brasil. Ela espera 
                que o relatório fortifique a luta das entidades e dos movimentos, 
                servindo de instrumento para tal. O documento será encaminhado 
                ao governo e a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos 
                o divulgará no 5º Fórum Social Mundial, que 
                ocorrerá em janeiro do próximo ano. Uma versão 
                em inglês será enviada a organismos internacionais 
                como a Organização das Nações Unidas 
                (ONU) e a Organização dos Estados Americanos.