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         I 
          - Ciência, Tecnologia e Inovação: 
          Desafios e Contraponto 
        Carlos 
          Vogt 
        No dia 
          23 de agosto deste ano, na posse do novo Ministro do Desenvolvimento, 
          embaixador Sérgio Amaral, o presidente Fernando Henrique Cardoso, 
          lançou, em seu discurso, o Grito do Ipiranga do Brasil pós-tudo: 
          - Exportar ou Morrer!  
          As imagens veiculadas pelas televisões nos jornais da noite e 
          as fotos estampadas nos diários, no dia seguinte, mostravam uma 
          assistência seleta dividida por um corredor que, de um lado, identificava, 
          por tabuletas, empresários e, do outro, parlamentares.  
          No domingo, dia 26 de agosto, a situação de discurso do 
          presidente voltava aos jornais numa charge de Glauco, à página 
          A2 da Folha de São Paulo, em que os protagonistas do novo grito 
          de independência, recortados agora em presidente, autor da exortação, 
          e em empresários, todos em atitude grave, reflexiva, às 
          vezes cética, vêem-se rebaixados aos limites de uma cômica 
          humanidade: todos trajam apenas as roupas de baixo, cuecas para os homens, 
          sutiãs e calcinhas para as mulheres, mais os adereços 
          da idade, óculos para os que os usam, sapatos e meias usados 
          por todos. 
          A comicidade da charge produz-se como resultado de oposições, 
          como as acima descritas e seu fundo "didático-moralizante" 
          é também efeito do rebaixamento que a semi-nudez dos protagonistas 
          da cena produz em contraste com a grandiloqüência retórica 
          do grito histórico e mítico da proclamação 
          da independência do Brasil.  
          Em outras palavras, o gesto é grandioso e retoricamente eficiente, 
          mas as condições de felicidade de sua eficácia, 
          como diria o filósofo da linguagem J. L. Austin, estão 
          totalmente ausentes da situação de sua enunciação 
          ou, se presentes, como é o caso, têm o sinal tão 
          invertido, - a semi-nudez dos atores - que o seu efeito acaba sendo 
          pomposamente cômico. 
          É como se, para o exercício de sua autoridade, um personagem 
          ordenasse, o tempo inteiro a um ajudante que fechasse uma porta que 
          não existisse. 
          Resumo da ópera: - Exportar ou Morrer!, diz o presidente - Com 
          que roupa?, responde o chargista, fazendo coro aos críticos, 
          aos articulistas e aos próprios empresários céticos 
          quanto as conseqüências reais da exortatória. 
        II 
         O país 
          esforça-se para criar as condições de competitividade 
          que lhe permitam participar mais efetivamente da distribuição 
          da riqueza, hoje cada vez mais concentrada em alguns poucos países 
          pelos efeitos da globalização da economia. 
          E pior, a acreditar-se no que os analistas e a imprensa anunciam, o 
          mundo corre o risco de ser arrastado para a recessão pelas próprias 
          economias concentradoras da riqueza: EUA, Europa e Japão. 
          Mas o Brasil se esforça, consciente de que, no cenário 
          da nova economia, o futuro dos exportadores de matéria prima 
          é curto e inseguro. Produzir valor agregado é o desafio 
          e para tanto, Ciência, Tecnologia e Inovação (C, 
          T&I) são indispensáveis. 
          Já se falou muito e já se escreveu bastante sobre a imperiosa 
          necessidade de o Brasil criar, com urgência, uma cultura empresarial 
          em que o risco faça parte dos investimentos e em que os investimentos 
          de risco constituam, como nos países ricos, fontes efetivas de 
          financiamento da pesquisa tecnológica nas empresas.  
          O Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) tem procurado, 
          nos últimos anos, aumentar consideravelmente a capacidade de 
          indução das políticas públicas do setor, 
          motivando as parcerias estratégicas entre governos, empresas 
          e universidades, multiplicando sua capacidade de investimento através 
          da criação dos fundos setoriais, buscando modernizar a 
          gestão do sistema, quer pela agilização das instituições 
          de fomento, quer pela criação da Agência de Gestão 
          Estratégica, quer ainda pela tentativa de abrir cada vez mais 
          os procedimentos à participação efetiva da ponta 
          do sistema, isto é, de seus usuários, na gestão 
          eficiente e crítica de seu funcionamento.  
          As publicações do Livro Verde da Sociedade de Informação, 
          há meses atrás, e, mais recentemente, do Livro Verde da 
          Ciência, Tecnologia e Inovação testemunham esse 
          esforço em constituir marcos de referência importantes 
          para a discussão e o aprimoramento das políticas de desenvolvimento 
          no país.  
          Os Encontros Regionais ocorridos nos dias 16 e 17 de agosto em cinco 
          capitais do país e o caráter preparatório desses 
          Encontros para a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia 
          e Inovação, programada para Brasília, de 18 a 21 
          de setembro deste ano, vão dando medida do esforço de 
          reorganização e de reestruturação do sistema 
          de C&T no Brasil. 
          As Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) com capacidades 
          diferenciadas de ação, dependendo das políticas 
          dos governos estaduais, têm um potencial de atuação 
          nas regiões dos Estados muito grande e fundamental para o desenvolvimento 
          equilibrado das pesquisas científicas e tecnológicas no 
          país, como um todo.  
          Entretanto, de todas essas Fundações, a que tem, até 
          hoje, maior organicidade, regularidade, sistematicidade e capacidade 
          de investimento (em 2.000 foram R$ 550 milhões) é a FAPESP, 
          que se destaca ainda por ser, atualmente, uma das principais formuladoras 
          de boas e eficazes políticas públicas para o setor.  
          Infelizmente, na maior parte dos Estados, as FAPs ou não foram 
          sequer implantadas, ou, quando foram, funcionam mal e parcamente, em 
          geral, por falta de visão dos governos estaduais que têm, 
          aliadas a dificuldades orçamentárias, muitas estreitezas 
          de trajetos.  
        III 
         Transformar 
          conhecimento em riqueza é o grande desafio contemporâneo 
          para países em desenvolvimento, ou, na nova nomenclatura, emergentes 
          como o Brasil.  
          Vários são os indicadores que mostram, nos últimos 
          20 anos, mudanças positivas no país, com índices 
          de desenvolvimento bastante favoráveis 
          É assim quando se consideram os dados dos IBGE para 1.999 e os 
          índices publicados no Livro Verde de C, T&I e se observa 
          flagrante diminuição nas taxas de analfabetismo da população, 
          no aumento das taxas de escolaridade das pessoas de 7 a 14 anos, nos 
          gastos com a educação, maiores que 5% do PIB, acima da 
          Argentina, da Itália e da Alemanha, na expectativa de vida que 
          de 43 anos na década de 1.930 é hoje quase de 70 anos, 
          na queda da taxa de mortalidade infantil, medida por cada 1.000 crianças 
          até 1 ano de idade, que em 1.950 era de 130, 86 em 1980 e em 
          1.999, 36, e, enfim, no acesso a serviços, como iluminação, 
          água, coleta de lixo, telefone, que antes estavam restritos a 
          uma parcela muito pequena da população. 
          Do ponto de vista da participação do país na produção 
          do conhecimento científico mundial é sabido que a mesma 
          subiu de 0.6% para 1.2%, considerando-se aí apenas as publicações 
          indexadas, o que o número de doutores que formávamos anualmente 
          em 1.980 era de 500, subindo para 1.500 em 1.990 e para quase 6.000 
          em 2.000. 
          A ciência brasileira tem reconhecimento internacional e o Programa 
          Genoma da FAPESP é, nos dias de hoje, a prova viva desse reconhecimento 
          . 
          Por outro lado, sabe-se também que a parcela da população 
          brasileira que forma nossa comunidade científica é ainda 
          muito pequena (0.1% do total, contra 0.4%, na Coréia do Sul e 
          0.8%, nos E.U.A.) e, o que é mais grave, apenas 11% desse número 
          já restrito, atua em centros de pesquisas empresariais. 
          Em outras palavras, apesar da comunidade científica não 
          ser tão grande como o desejável, a ciência no Brasil 
          vai bem e a tecnologia vai mal.  
          Vai mal também o acesso de nossos jovens entre 18 e 24 anos, 
          na idade de estarem freqüentando cursos superiores, às universidades 
          públicas. 
          No Brasil, como um todo, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos 
          e Pesquisas Educacionais (INEP) do Ministério de Educação 
          (MEC), de 1.999, a proporção de candidatos/vagas para 
          nossas escolas de terceiro grau é de 3,74. Em São Paulo, 
          o Estado mais importante da união, do ponto de vista de produção 
          de C, T & I, essa relação é de 2,85, mas quando 
          consideradas só as universidades públicas ela sobe para 
          13,75. 
          Há, nesse cenário, um desafio complexo e urgente a enfrentar, 
          ou seja, o de preservar as grandes conquistas que o sistema de pós-graduação 
          realizou nos últimos 20 anos, no país, principalmente 
          nas universidades públicas, mantendo-lhe as condições 
          de qualidade e desenvolvimento e, ao mesmo tempo, aumentar sensivelmente 
          a capacidade de atendimento à demanda crescente para nossos cursos 
          de graduação oferecidos pelo sistema público de 
          ensino superior, com acréscimo constante de qualidade.  
          Nessa particular, desenha-se um outro desafio, tão urgente quanto 
          o anterior, que é o de promover a qualificação 
          massiva do sistema privado de ensino superior no país, que ainda 
          deixa muito a desejar.  
          Uma medida, de caráter jurídico-institucional, a ser discutida 
          e implantada no país seria a que propusesse, legislando para 
          a frente, a constituição obrigatória do sistema 
          privado como fundacional, portanto sem fins lucrativos que não 
          fossem senão os do lucro institucional. É assim que funciona, 
          na sua quase totalidade, o sistema de ensino superior nos EUA, sempre 
          tão citado em exemplo e exemplaridade para o que deveria ser 
          feito no Brasil.  
          Aliado a esses desafios permanece aquele outro, já histórico, 
          da autonomia de gestão financeira das universidades federais, 
          sistema há anos implantado nas estaduais paulistas com bons resultados 
          e, é claro, com a necessidade constante de ajustes finos para 
          o seu aprimoramento.  
          Com esse desafio, pontua-se outro, que por ser endêmico é 
          também uma ameaça às nossas instituições 
          públicas de ensino superior: a falta de uma política de 
          recursos humanos adequada aos objetivos, tarefas e missões das 
          universidades, e a conseqüente política salarial mambembe 
          e arrasadora dos melhores propósitos de ensino, pesquisa e extensão. 
           
          Compute-se ainda a classificação do país no anonimato 
          gritante de 79º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano 
          (IDH) das Nações Unidas, em 2.000 e de 43º lugar, 
          entre 72 países, no Índice de Desenvolvimento Tecnológico, 
          também da ONU, em 2.001, com não mais que duas patentes 
          por milhão de habitantes, sendo 8 na Argentina e 779, na Coréia 
          do Sul. 
          Vários alertas e metas diversas foram lançadas ao longo 
          dos últimos anos, o que mostra que consciência e percepção 
          do problema não faltam. Falta mesmo é resolvê-lo 
        IV 
         Em 1.996 
          o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) 
          e o IPEA, no Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil 
          apontavam para a nossa baixa competitividade nos mercados internacionais. 
          O governo federal já anunciou em 1.999 a meta de exportar US$ 
          100 bilhões até 2.002. Mal passamos da metade. 
          Também em 1.999 o documento Agenda 21 Brasileira - Bases para 
          Discussão faz de maneira pertinente um quadro da ciência, 
          da tecnologia e da inovação no Brasil, apontando a receita 
          que todos sabemos boa, mas cujo ponto está difícil de 
          acertar: " O Brasil precisa construir um sistema verdadeiramente 
          inovador em C&T, não adaptador de inovações 
          já superadas em outros países, ou que tenham alto custo 
          com reflexos sobre o balanço de pagamentos".  
          Há, ao lado disso, os grandes desafios que se renovam pelos males 
          que permanecem: a péssima e injusta distribuição 
          de renda, a escravidão, o clientelismo, a exclusão social 
          de grande parte da população, a violência disseminada, 
          a morte banalizada, a vida atormentada e insegura, o crime organizado, 
          as drogas, a delinqüência dos jovens de classe média, 
          o desemprego, a indigência ética, a corrupção 
          instalada nos poderes públicos e que, com esperança, trabalho 
          e persistência vai se mostrando e diminuindo, embora se amplifique 
          exatamente porque se mostra à imprensa, à mídia 
          e à opinião pública. 
          No caso de nosso sistema de formação de novos pesquisadores 
          e cientistas é preciso também considerar o desafio de 
          motivar o mercado de trabalho para a absorção e integração 
          desses profissionais. Dos mais de 5.500 doutores formados em 2.000, 
          só pouco mais de 2.000 têm vínculo empregatício, 
          sem falar nos 17.000 mestres. Para 2.001, as estimativas são 
          de que se formem 6.000 doutores e 20.000 mestres. O setor empresarial 
          precisa urgentemente ajudar a buscar respostas para essa oferta, sob 
          pena de que o esforço despendido ao longo desses últimos 
          20 anos seja ele também desperdiçado, como outros que 
          se perderam em décadas passadas.  
          O Ministério da Ciência e Tecnologia, responsável, 
          no governo pela gestão do sistema em nível nacional tem 
          procurado mostrar-se atento a esses desafios. A criação, 
          pela FINEP, do Programa Inovar para apoiar a inovação 
          e motivar uma cultura do investimento de risco é uma dessas tentativas. 
          Deverá ser apresentado ao Congresso um projeto de lei de inovação 
          desenhada para o Brasil sobre a eficiência e eficácia do 
          modelo da lei francesa. Antes, a proposta deverá ser debatida 
          no grande fórum da Conferência Nacional de Ciência, 
          Tecnologia e Inovação, em Brasília, nos dias 18 
          a 21 de setembro.  
          Que as discussões avancem, que os diagnósticos se ajustem, 
          que o consenso quanto aos marcos programáticos e quanto às 
          ações a serem implementadas se constitua. E, sobretudo, 
          que os enunciados competentes e as enunciações de futuros 
          se concretizem em atos fundadores de uma nova realidade cultural, política, 
          econômica e social para a ciência, a tecnologia e a inovação 
          no país.  
           
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