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Filósofo, psicanalista e ficcionista
Garcia-Roza

Stefan Zweig
Alberto Dines

Psicanálise: infância e desenvolvimento
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Stefan Zweig: um pacifista como Freud

Alberto Dines, um dos responsáveis pelas grandes transformações que a imprensa tem conhecido no Brasil, é pesquisador senior do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp e coordenador do Observatório da Imprensa on-line e pela TV. Autor de diversos livros, tem desenvolvido um trabalho sistemático em pesquisas biográficas, área em que publicou o excelente Morte no Paraíso - a tragédia de Stefan Zweig, em 1981, pela Nova Fronteira, preparando atualmente sua terceira edição. Stefan Zweig, escritor, autor de Brasil país do futuro, considerava-se grande amigo de Freud. Fugido da perseguição nazista, refugiou-se na Inglaterra e no Brasil, onde suicidou-se após 6 meses. Foi a partir do texto dessa biografia que aconteceu a entrevista com Alberto Dines.

Com Ciência - O seu livro Morte no Paraíso - a tragédia de Stefan Zweig, é uma biografia preciosa e apaixonada de um homem e de um autor também apaixonado, com um sentido de missão intelectual e existencial muito fortes. Há alguma identificação, neste sentido, entre o biógrafo e o biografado?
Dines - Identificação não vem pronta, ela faz-se, vai acontecendo. Neste processo, conta tanto a admiração como a rejeição. Há coisas em Zweig que sempre me deixaram irritado, outras são tocantes. Sobretudo o seu medo.

Com Ciência - Stefan Zweig, mais do que uma grande amizade, tinha por Freud uma verdadeira veneração, que aliás incomodava o psicanalista. Você acredita que o fato de Stefan Zweig não ter conseguido seduzir inteiramente Freud, tenha produzido nele um sentimento de frustração que viria a contribuir com o seu suicídio?
Dines
- Stefan venerava grandes figuras. O caçador de almas - como foi chamado - fascinava-se com os gigantes. E a alguns ele incomodava (cito dois: Hoffmannstahl e Thomas Mann). Mas com Freud foi diferente,o Pai da Psicanálise - et pour cause - sabia perceber os movimentos íntimos do jovem amigo. Apreciava (ou precisava ?) desta veneração. Mas entre as causas do suicídio de Zweig eu não incluiria a frustração por não ter seduzido Freud. Afinal, Zweig e o discípulo Ernest Jones foram escolhidos como os únicos oradores na cerimônia fúnebre de Freud. É uma homenagem que não deixaria ninguém sentir-se rejeitado.

Com Ciência - Stefan Zweig, no entanto, era "paciente só de carteirinha" de Freud, como você mesmo registra no seu livro. Nessa relação analítica ocasional Freud não teria tido a sensibilidade de perceber os mecanismos do grande conflito que sempre acompanhou Zweig?
Dines - Impossível perceber tendências suicidas numa relação protocolar, embora amistosa. Viena era muito formal, cheia de divisões e distâncias. As tensões íntimas de Zweig não poderiam aparecer à distância. Não existe nenhuma comprovação de que Zweig tenha sido paciente de Freud mesmo de forma fugaz (como foi o caso de Gustav Mahler). Há apenas insinuações e suposições. Sabe-se que Mme. Freud não aprovou o segundo casamento de Zweig com uma mulher muito mais jovem. Mas isso tem muito a ver com os próprios problemas dela.

Com Ciência - Stefan Zweig era nostálgico de um tempo cujo ícone maior é a Viena dos Habsburgos. Na sua vinda definitiva para o Brasil, haveria, mesmo que imaginariamente, alguma identificação, para ele, entre este país e o seu mundo de origem? E você, é também nostálgico de um tempo que seu livro relata ?
Dines - Como todo exilado, sentia-se perdido e porque era inseguro sentia-se mais perdido ainda. Não queria ficar na Inglaterra por causa dos bombardeios, não queria ficar em Nova York porque estava apinhada de refugiados, velhos amigos. Foi escolher Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil. Apartou-se voluntariamente de tudo e de todos e o resultado foi a depressão.. A nostalgia maior era com relação à segurança, mas tratava-se de um sentimento reconstruído, que chamou nas memórias, a "dourada era da segurança". Depois de morto tornou-se símbolo de Viena por causa da autobiografia. Na realidade, a maior parte da sua vida adulta passou fugindo de Viena. Quanto a mim: não me vejo como nostálgico de tempos ou lugares. Escrevo com prazer sobre aquilo que conheço, isso pode dar impressões equivocadas.

Com Ciência - Freud que era avesso a biografias, não gostou e até mesmo mostrou-se irritadiço com o livro A cura pelo espírito de Stefan Zweig, em particular com a parte a ele concernente.
Dines -
Não chega a ser uma biografia, é um tríptico de perfis, bosquejos do tipo vida & obra. Ele não gostou do livro porque era um cientista rigoroso e racional e, como tal, considerou-o impreciso. E a imprecisão maior foi a de colocá-lo junto com Mesmer e Mary Baker-Eddy. O próprio título incomodou-o porque passou a vida inteira tentando diferenciar a "psiquê" de "espírito" ou alma.

Com Ciência - O que você acha que Freud pensaria de seu livro sobre Zweig?
Dines - Alguns Zweiguianos ilustres gostaram do meu livro, perceberam os contornos ambíguos da sua personalidade. Aliás, todos os biografados de Zweig eram de alguma forma personalidades ambíguas, contraditórias, imersas nas sombras. Sob o ponto de vista literário, tais tipos rendem muito mais. Ao escolhê-lo como biografado usei os seus próprios critérios como biógrafo. Quanto a Freud só posso dizer o seguinte: foi por causa da imersão total na personalidade de Zweig para escrever a sua biografia que tive alta depois de uma longa terapia freudiana...

Com Ciência - Você considera ter tido no seu comportamento sistematicamente crítico em relação à imprensa, influência de Karl Kraus, contemporâneo de Freud e Stefan Zweig?
Dines - Acho que não há relação. Minha primeira incursão na crítica de jornalismo data de 1975 e fui introduzido a Karl Kraus através do admirável livro de Carl Shorske (Viena Fin de Siècle - veja resenha), que li no início de 1980, já trabalhando Morte no Paraíso. Influência, se houve, foi exercida por I.F. Stone no início dos anos 70 e principalmente durante a minha estada em Nova York no ano letivo 1974-1975, imediatamente antes de começar o"Jornal dos Jornais".

Com Ciência - Dos dois Zweig, Stefan e Arnold, que não eram parentes, mas ambos amigos de Freud, qual ele preferia e por quê?
Dines - Imagino por que apelavam para porções diferentes da personalidade de Freud. Stefan, frágil, intuitivo, delicado. Arnold mais sólido - idealista, disposto a ir às últimas conseqüências tanto na fase sionista como na seguinte, a comunista.

Com Ciência - Você acha que o "mundanismo" de Stefan Zweig, um dos componentes de sua personalidade ciclotímica, que oscilava também para profundos recolhimentos, era um fator que contribuia para as reservas que Freud tinha para com o amigo?
Dines -
Zweig era uma pessoa delicada e afetuosa. Dedicado aos amigos. Isso é mundanismo ? Acho que foi apenas no Brasil onde manifestou-se um certo "deslumbramento" mais em função da recepção com que foi acolhido. Todas as pessoas que com ele privaram, mencionam sua discrição e reserva. As manifestações ciclotímicas e as alternâncias de humor só poderiam ser percebidas por quem estivesse muito perto dele. A primeira mulher, Friederike, é muito precisa ao descrever suas explosões nas memórias.

Com Ciência - Porque Stefan Zweig juntamente com Ernest Jones foi escolhido para fazer a despedida na cerimônia de cremação do corpo de Freud em 1939?
Dines - A escolha dos dois está carregada de significados, como não poderia deixar de ser quando se trata de psicanalistas. Zweig representa a velha Viena que ficara para trás. Representava também todos os exilados e perseguidos pelo facismo. Mas sobretudo era a encarnação do judaísmo de Freud. Um judaísmo especial, é verdade, irreligioso, secular e cosmopolita, portanto não-nacionalista mas profundamente impregnado de senso moral, ética e integridade. Este "pontinho judaico" tem especial significação porque nele encontramos grandes afinidades entre Zweig e Freud. Em ambos este "pontinho" ganhou dimensões a medida que envelheceram e assistiam à bestialização da política. A cerimônia fúnebre foi uma ponte entre Zweig e Freud. A escolha de Ernest Jones teve a intenção de lembrar o restrito círculo de companheiros, co-fundadores da psicanálise. Transferência da tocha olímpica.

Com Ciência - Você concorda que se poderiam traçar semelhanças culturais e políticas entre a Viena do fim do século e o Rio de Janeiro de D. Pedro II ?
Dines -
Tentei desenhar aproximações e semelhanças entre Viena e o Rio do Segundo Império. Entre o Império Austro-Húngaro, multiracial e opressor, e o Brasil, ídem. Estas aproximações foram explicitadas pelo próprio Zweig no "Brasil, País do Futuro". Mas é preciso tomar cuidado para não cair na tentação de homogeneizar o mundo e a vida. Este foi justamente o problema de Zweig - simplificou demais e complicou-se.

Com Ciência - Stefan Zweig foi quem apresentou Romain Rollain a Freud e quem também levou Salvador Dali para conhecê-lo . Freud, entretanto, depois da visita de André Breton, manifestou reservas e distâncias em relação ao Surrealismo. Você acha que isso tem a ver com os traços de conservadorismo que havia em sua personalidade e que eram comuns na Viena em que ele se formou?
Dines - Depois da visita de Dali, Freud disse que doravante veria o surrealismo com mais atenção. Foi coerente porque o surrealismo é uma manifestação livre do inconsciente. Freud nada tinha de conservador, sempre foi um revolucionário e pagou por isso. Seu espírito agnóstico e anticlerical é anti-conservador. Ele viu os erros do comunismo e percebeu que o socialismo não resolveria alguns dos problemas básicos do inconsciente. Além do mais sempre foi um antifascista. Acho mais apropriado colocá-lo como um libertário no espectro político e subversivo sob o ponto de vista filosófico. Viena não era conservadora: Otto Weininger, Karl Kraus, Wittgenstein, Schnitzler, ou mesmo o utopista Theodor Herzl não podem ser classificados como conservadores ou reacionários.

Com Ciência - Com os avanços das ciências biológicas e em particular dos estudos genéticos, você acha que a psicanálise continua sendo um modelo explicativo consistente da psique humana ?
Dines - Se a genética pretende criar robôs então a psicanálise será desnecessária. Para mim continua sendo um modelo para explicar não apenas os comportamentos individuais mas sobretudo os coletivos.

   
           
         
     

 

   
     

Atualizado em 10/10/00

   
     

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