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A Sociedade da Informação no Brasil
Silvio Meira

Futuro da Internet: entre o elitismo e o computador popular
Ivan Moura Campos

 

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Futuro da Internet: entre o elitismo e o computador popular
Conversação com Ivan Moura Campos

Em 11º lugar no ranking de números de computadores conectados à Internet, segundo dados da Network Wizard, o Brasil, embora à frente de muitos países europeus, ainda luta para democratizar o acesso a informática no país. Ivan Moura Campos, atual coordenador do Comitê Gestor da Internet no Brasil e Representante do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em entrevista à ComCiência, afirmou que os maiores obstáculos para a expansão da Internet, atualmente, são a má distribuição de renda e seus efeitos diretos, entre eles o conseqüente alto custo de computadores e das conexões para as camadas mais pobres da população. Moura Campos esteve presente na criação do Programa de Software para Exportação (Softex), ainda em vigor, a Rede Nacional de Pesquisa (RNP), o primeiro backbone da Internet implantado no País e o desenvolvimento do Computador Popular. Atualmente ele preside a Akwan, uma das poucas empresas nacionais que produz ferramentas de classe mundial para a rede. Embora admita que a posição ocupada pelo país no ranking seja importante, lembra que ela reflete a situação das classes de renda mais alta.

Na tentativa de colocar o país em condições de operar a Internet com todos os requisitos técnicos já existentes nos países mais avançados, tanto no que diz respeito à velocidade de transmissão de dados, quanto a novos serviços e aplicações, o governo federal, através do MCT, iniciou, em 2001, o Programa Sociedade da Informação (SocInfo). Estando o programa a meio caminho andado, o coordenador do Comitê Gestor afirma que o patamar tecnológico das redes disponíveis para uso generalizado pela população são uma responsabilidade da iniciativa privada. "O governo, com recursos do tesouro, pode induzir, ou 'abrir picadas' tecnológicas, ficando à frente do mercado, como aliás tem sido a praxe aqui no Brasil. Por exemplo, a RNP [Rede Nacional de Pesquisa] já está rodando IPv6 "de produção", e o mercado ainda vai levar um par de anos, pelo menos, para fazer o mesmo", prevê.

Inspirado em situação de crise na Internet vivida pelos Estados Unidos em 1996, Moura Campos conta que o país criou a RNP. Ele lembra que, naquela época, a National Science Foundation (NSF) decidira descontinuar a operação da NSFnet, seu backbone, alegando que "as forças do mercado" iriam operar a Internet com preços mais baixos e maior eficiência. "Não aconteceu nem uma coisa nem outra, os preços subiram e a rede quase entrou em colapso com o tráfego", explicou. A comunidade acadêmica, principalmente, pressionou a NSF para retomar a NSFnet. "Mas aí já era um pouco tarde, as empresas privadas protestaram, dizendo que 'não se deve colocar o dinheiro do contribuinte para criar uma atividade que concorra conosco'. Estava armado o impasse", concluiu.

Em uma tentativa de sair desse impasse a Farnet (Federation of American Research Networks) promoveu uma reunião que congregava as várias RNPs norte-americanas e as empresas líderes do mercado e lideranças acadêmicas, que Ivan Moura Campos, convidado pelo então secretário-executivo da Farnet, Jim Williams, participou como observador.

Moura campos conta que "após ouvir um dia e meio de apresentações, ousei pedir a palavra e apresentei uma transparência com um desenho em forma de espiral, recém-feito a mão, com o qual mostrava que isto é uma processo recorrente, que deveria haver 'gerações' de Internets, com a comunidade acadêmica liderando, em seus backbones experimentais, a introdução de inovações tecnológicas que, após algum tempo, estariam disponíveis no mercado". Para a surpresa de Moura Campos o conceito da espiral se tornou, não apenas a logomarca do evento, mas também foi incorporada no próprio projeto da Internet 2. Atualmente a espiral é conhecida como Espiral de Campos.

Mas aqui no Brasil o problema do tráfego na Internet é um obstáculo a ser superado. No caso de São Paulo, a partir de 1998 a Rede ANSP melhorou a qualidade de acesso à Internet através do implemento de um Ponto de Troca de Tráfego (PTT) que conectou provedores e concessionárias, acelerando a conexão entre inúmeras redes locais. No mês de março de 2002 a Rede ANSP fechou acordo com a Terremark Latin América Ltda, para que a empresa opere o PTT, que deverá acelerar o intercâmbio de informações e o desenvolvimento das instituições do estado de São Paulo. "O acordo com a Terremark passa para a iniciativa privada sua operação. Um PTT, por si só, otimiza o tráfego, não muda as características de acessibilidade. A rede ANSP tem tradicionalmente um papel de liderança nestas questões de operação de redes acadêmicas no País, tendo também celebrado muitos acordos importantes para a comunidade a que serve", esclareceu Moura Campos.

No entanto, as perspectivas além das fronteiras da Rede ANSP, segundo Moura Campos, ainda não são claras. Mas ele acha possível que haja aprimoramento das relações entre as instituições congêneres à Fapesp. Existe um fórum dos secretários de ciência e tecnologia, e também o fórum das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs). O problema é que o orçamento dessas Fundações é muito menor que o da Fapesp.

As iniciativas não param por aí. Uma das tentativas de expandir o acesso à Internet foi o projeto do computador popular, idealizado pelo então ministro das comunicações Pimenta da Veiga, em parceria com o Comitê Gestor e o Departamento de Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O programa causou furor ao anunciar que o computador custaria cerca de R$600, havendo a possibilidade dos consumidores contarem com linhas de crédito da Caixa Econômica Federal, o que tornaria possível a obtenção de um computador para muitas pessoas. Porém, apesar das insistentes tentativas de alguns órgãos do governo, Moura Campos acredita que a indústria não parece entusiasmada com a produção de uma plataforma tecnológica mais barata, que deverá reduzir substancialmente suas margens de lucro. Mas as linhas de crédito não chegaram a ser criadas, embora ele acredite que isso ainda seja possível. "O desenvolvimento da tecnologia do computador popular nos laboratórios da UFMG continua, e vai muito bem. Por outro lado, as iniciativas de popularizar sua utilização para universalização de acesso estão virtualmente paralisada. Restam os pequenos fabricantes, ainda com chama de entusiasmo pela idéia", afirmou.

Para Ivan Moura Campos é impossível prever o futuro da Internet no Brasil. "Em termos genéricos, a tendência é de crescimento continuado, dobrando o número de hosts a cada ano, como vem sendo há muito anos. Este crescimento é ainda limitado ao mercado corporativo e às camadas de renda mais alta da população. Evitando voltar ao omnipresente assunto da distribuição de renda, a tendência é de queda nos preços de telecomunicações (que poderiam ser ainda mais baixos, se os estados não taxassem as empresas com ICMS tão alto - em torno de 40%), assim como os preços de computadores. Estes poderiam cair ainda mais dramaticamente com a adoção de arquiteturas mais enxutas como a do computador popular com software aberto".


O IPv6 a que Campos se refere é a nova versão da Internet Protocol que irá substituir progressivamente a atual da versão 4 (IPv4) e que estende o espaço de endereçamento corrente (de 32 para 128 bits) o qual se tornou muito pequeno para acomodar a atual taxa de crescimento da rede.

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Atualizado em 10/04/02

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