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Pesque e solte é discutido por pesquisadores
 

Pesque e solte é discutido por pesquisadores

Diversão para alguns e fonte de renda para outros, os pesque-e-solte são também considerados cruéis para os peixes. Pelo menos é essa a opinião de Gilson Luiz Volpato, professor e pesquisador do Instituto de Biociências de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ele faz uma análise crítica sobre as premissas favoráveis ao pesque-e-solte e propõe uma alternativa para adequar a prática aos argumentos éticos, morais e científicos atuais: o "pesque-e-doe". Ao invés de libertar os peixes capturados, eles seriam doados.

Um dos objetivos de Volpato ao publicar sua análise, foi chamar a atenção das pessoas para a necessidade do pesque-e-solte ser avaliado criticamente uma vez que a atividade vem se expandindo rapidamente no Brasil.

Pesque-e-solte é um esporte praticado pelos amantes da pescaria que capturam o peixe, experimentam a excitação de lutar contra ele e depois o devolvem na água ao invés de matá-lo. Essa atividade pode ser praticada na natureza ou em propriedades particulares que se chamam pesqueiros, onde os esportistas pagam um ingresso para ter o direito de capturar os peixes dos viveiros e depois soltá-los.

Para Volpato, quem pratica o "pesque-e-solte" acredita estar praticando um esporte que, além de divertido, não é agressivo. Supondo-se que o peixe não sinta dor, os esportistas pensam que estão preservando o ambiente e as espécies de peixes em extinção. Porém, para o pesquisador, os motivos favoráveis à prática do pesque-e-solte não são suficientes para justificá-lo.

Peixe sente dor?

Volpato acredita que os peixes sentem dor, apesar de não existirem estudos científicos que comprovem este fato. Quem já ouviu um peixe gritar de dor? Como os peixes não expressam dor de forma que os homens a identifiquem, é difícil saber se eles estão sofrendo ou não. Mesmo em situações nas quais os peixes são submetidos a vários tipos de crueldade, eles podem não dar a impressão de que estão sofrendo.

Mas o pesquisador afirma que a dor é necessária para a sobrevivência dos animais. Durante a evolução, foram desenvolvidos mecanismos que distinguem as sensações desagradáveis das agradáveis, por isso é que os animais se mantêm alertas e fogem em situações perigosas preservando a própria vida. Segundo Volpato, o sentimento de dor está relacionado ao processo de seleção natural das espécies.

Ele diz que os estudos científicos sobre o sentimento de dor em peixes são escassos, e os que existem são baseados em estudos para humanos, o que também pode ser muito questionável. Não há estudos que comprovem se as estruturas cerebrais responsáveis pelas emoções, presentes nos homens, têm a mesma função nos peixes. "O desenvolvimento de estudos científicos que comprovem que os peixes sentem dor são importantes, mas não são suficientes, pois os resultados devem ser acrescidos de condutas de cidadania e políticas para que tenham alguma repercussão na sociedade", diz o pesquisador.

Para José Eurico P. Cyrino, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), existem muitas formas de se tentar reduzir o sofrimento desses animais durante a atividade esportiva, mas nem todos praticantes manejam os peixes com o cuidado recomendado pelos especialistas em pesca esportiva. "O pescador deve manejar o peixe corretamente, pois além do peixe estar muito estressado no momento da captura, ele pode perder escamas, o muco que recobre sua pele, ou sofrer batidas pelo corpo. Isso favorece a entrada de bactérias e parasitas que podem levá-lo à morte, causando prejuízo aos donos do pesque-e-solte", afirma Cyrino.

Um dos raros estudos científicos brasileiros sobre o que acontece com os peixe submetidos ao pesque-e-solte em ambientes confinados foi realizado pela zootecnista Daniela Takahashi Nomura, no Centro de Aquicultura da Unesp, sob orientação do pesquisador Flávio Ruas de Moraes. O estudo mostrou que, provavelmente devido ao estresse que o esporte causa nos animais, a capacidade natural dos peixes de se protegerem contra infestações de parasitas acaba sendo prejudicada.

Para realizar seu estudo, Nomura utilizou tambacus mantidos em viveiros durante três meses. Para simular um pesque-e-solte, os peixes eram pescados com equipamentos freqüentemente utilizados pelos esportistas e depois eram libertados novamente no viveiro. Ela observou os tambacus após os dias de pesca e comparou os resultados com tambacus que não haviam sido submetidos ao pesque-e-solte. Nomura concluiu que os que eram capturados e libertados apresentavam maior infestação de parasitas".

Na opinião de Cyrino, quando os esportistas realizam o pesque-e-solte em viveiros os peixes são submetidos a um estresse maior ainda do que os peixes capturados na natureza. "Isso acontece porque os viveiros são espaços reduzidos, onde um mesmo peixe pode ser capturado mais de uma vez. Isso não acontece com tanta facilidade na natureza", explica. O estudo de Nomura mostrou que isso realmente pode acontecer.

Apesar de não existirem estudos científicos comprovando que os peixes sentem dor, Volpato afirma que também não existe argumentação científica eficiente que demonstre o contrário. Com base em estudos, ele argumenta que os peixes podem sofrer danos físicos, químicos ou mesmo "emocionais" quando reagem à situações de estresse. Ele considera que os dados disponíveis são suficientes para concluir que os peixes de pesque-e-solte são submetidos a um sofrimento intenso, o que torna a atividade injustificável. Na opinião dele as adoção de práticas menos estressantes para os peixes é uma forma dos esportistas e dos donos de pesque e solte se justificarem e continuarem exercendo a atividade. Ele diz que, ainda assim, os animais continuam sendo submetidos a situações que causam danos e são desnecessárias.

Por outro lado, Cyrino conta que os pesque-e-solte são muito importantes para o desenvolvimento da aquicultura do estado de São Paulo, além de serem uma atividade de lazer. "Muitas pessoas que freqüentavam os pesque-e-pague tinham que pagar pelo peixe que pescavam, quando na verdade elas só queriam mesmo era pescar sem ter que levar o peixe para casa. Os pesque-e-solte permitem que as pessoas pesquem sem ter que pagar pelo peixe que capturaram", afirma o professor da Esalq. Cyrino conta que tanto os pesque-e-solte, como os peque-e-pague, incentivam e movimentam a indústria da piscicultura, e que no estado de São Paulo, por exemplo, o maior consumidor de peixes de piscicultura hoje são esses estabelecimentos.

Volpato não é favorável à pesca para diversão, e diz que os lucros não justificam a atividade. Porém, tudo muda se o peixe depois de capturado virar um bom prato de comida, por isso ele sugere o "pesque-e-doe". "Essa é uma forma do indivíduo que deseja apenas pescar, mas não se alimentar do peixe, exercer essa atividade lúdica, e ao mesmo tempo alimentar pessoas carentes da região" diz o pesquisador. Mas ele salienta que deve-se tomar o cuidado para que os peixes não sejam submetidos a atos de crueldade mesmo se forem abatidos após a captura.

O pesquisador diz que todos levariam vantagem com sua idéia, mas admite ser difícil viabilizar sua proposta na prática. "Acho que a proposta do "pesque-e-doe" visa mais a inibição da atividade do que sonhar que possa, de fato, tornar-se realidade", afirma Volpato.


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Atualizado em 26/07/2002

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