Barra de navegação do site

Página inicial Carta ao Leitor Reportagens Notícias Entrevistas Resenhas Radar da Ciência Links Opinião Observatório da Imprensa Busca Cadastro Reportagens

http://www.comciencia.br/reportagens/2004/12/05.shtml

Autor: Isaías Macedo
Data de publicação: 10/12/2004

Energia: fontes e usos finais no Brasil

Isaías Macedo

Energia está presente em todas as nossas ações cotidianas. Sua disponibilidade, qualidade e custo precisam ser considerados em todos os nossos projetos, mesmo se não explicitamente; desde um simples planejamento de férias até um “plano plurianual de investimentos” de um governo federal. Seria muito adequado se todos os brasileiros tivessem como parte da sua educação básica informação quantitativa sobre as fontes primárias de energia que usamos (petróleo, hidráulica, biomassa, nuclear, etc) sua conversão para formas de energia mais úteis para o uso final (eletricidade, calor, acionamento mecânico, iluminação), as perdas e desperdícios associados, e sua distribuição pelos setores de uso (doméstico, industrial, comercial, transportes, etc). Um conhecimento mínimo (mas sólido) da “matriz” de fontes/usos de energia é importante para o economista, para os estudos de preservação ambiental, para a análise da estrutura social (desenvolvimento, emprego, competitividade).

No Brasil temos uma excelente fonte de informações sobre esta matriz: o Balanço Energético Nacional, divulgado anualmente pelo MME. Estes relatórios têm evoluído continuamente desde seu lançamento (1970); são hoje muito completos, e são a referencia principal para a área técnica envolvida no planejamento. A última versão (BEN 2003) tem 168 páginas, inclui alguns dados estaduais e a “história” desde 1970. Muito útil, indispensável para os técnicos do setor, mas indigesto para uma divulgação ampla; seria bom ter também uma versão leve, digamos dez páginas, incluindo uma introdução sobre os dois princípios da termodinâmica para facilitar o entendimento das conversões de energia, e resumo de tabelas principais (Brasil e o mundo; Brasil 1970 e Brasil 2003; evolução, diferenças, causas e conseqüências; o fim da era do petróleo e o aquecimento global; tendências).

Rapidamente, vamos ver como exemplo alguns dados do BEN.

O Brasil utiliza cerca de 2% da energia usada no mundo (e tem 3% da população); medindo o consumo total de energia pelo seu equivalente em petróleo (tep, tonelada equivalente de petróleo) saímos de pouco menos de 1 tep/ habitante.ano em 1970 para 1,02 em 1987 e 1,13 em 2002. Na primeira metade da década de 70 era muito conhecido um gráfico relacionando um “índice de qualidade de vida” (combinação de mortalidade infantil, analfabetismo e esperança de vida) com este consumo anual de energia por habitante, para diversos países; o IQV subia rapidamente para consumos até ~1 tep, e não evoluía mais. Isto era associado a conceitos de conservação de energia, redistribuição de riquezas (e à filosofia emergente do “small is beautiful”). De fato, a evolução para apenas 1,13 hoje reflete uma ação pouco maior em termos de energia/pessoa; mas a elasticidade da energia (OIE)/PIB no período foi de apenas 0,85 (muito influenciada pelo valor de 0,64 entre 1970 e 1980, quando houve grande substituição de biomassa “tradicional”, lenha, por GLP).

Comparando: os EUA usam 8,1 tep / habitante.ano.

Em 1970 o Brasil utilizou um terço da energia usada em 2003; mas o perfil das fontes de energia mudou. Também o perfil das fontes no Brasil é muito diferente do perfil mundial:

table ...

As duas últimas são fontes de energia renovável.

Entre 1970 e 2002 nossa fração de “energia renovável” caiu de 60% para 41%. Paradoxalmente, esta redução foi ambientalmente saudável, porque correspondeu à entrada do GLP e do óleo combustível como substitutos da lenha, com muito maior eficiência (setores doméstico e industrial); e também do carvão vegetal por coque metalúrgico. Esta produção de lenha era na maior parte não renovada; hoje ocorre a volta do carvão vegetal, em bases sustentáveis. Pode haver grande aumento neste energético, com o advento de novas tecnologias (principalmente gasificação). No período, houve aumentos grandes na hidroeletricidade (5 para 13,6%) e nos produtos da cana (4 para 12,6%); o total de energia renovável (~41%) é substancialmente maior que no mundo (14%). A participação relativa de gás natural, urânio e carvão mineral no Brasil é cerca de um terço da participação (%) no mundo.

A produção de energia de biomassa no mundo tem uma forte componente “tradicional”, de baixa eficiência e não sustentável: cerca de um terço da população mundial (~2 bilhões de pessoas) não tem disponibilidade de combustíveis comerciais para cocção!

A enorme dependência de combustíveis fósseis no mundo convive hoje com dois problemas que deverão forçar a mudança desses perfis nas próximas décadas:
A insegurança do suprimento de petróleo
As emissões de CO2 e seu efeito no clima

Diversas avaliações de reservas de petróleo indicam o pico de produção de óleo em torno de 2016, em “média”, incluindo o gás natural; opções mais caras (xisto, areias bituminosas, óleo pesado da Venezuela) poderiam estender o período por alguns anos; mas isto inclui a (incerta) ampliação da produção do Oriente Médio. Por outro lado, a entrada em vigor do protocolo de Quioto promoverá o aumento de produção de energias renováveis em grandes quantidades em prazos muito curtos. O Brasil aparece com uma posição privilegiada, com emissões de 1,7 t CO2 equivalente/tep, contra a média mundial de 2,36. É muito possível que o setor de cana-de-açúcar aumente substancialmente a produção de etanol, uma vez que este compete hoje com a gasolina e a demanda internacional tem aumentado. Isto trará efeitos também na produção de energia elétrica (co-geração nas usinas).

De um modo geral, o suprimento de energia para o crescimento do Brasil não desperta preocupações por falta de opções; o mundo caminha para maior “renovabilidade”, e nós dispomos de recursos abundantes; mesmo na área de combustível fóssil, o petróleo e gás natural atenderiam as necessidades previsíveis. Temos uma reserva importante de urânio. Temos espaço (e disposição, como demonstrado durante o “apagão”) para aumentar as eficiências de uso, e reduzir desperdícios de energia, uma vez convencidos da necessidade. A análise da “matriz” e as observações do cotidiano (aqui e no exterior) sugerem, no entanto, que estamos muito carentes de um planejamento integrado sólido para a área energética. Exemplos claros de planejamento deficiente têm ocorrido; por exemplo, o “apagão” na área de eletricidade. Outro exemplo muito claro, mas pouco discutido, é a falta de política na área de combustíveis líquidos para transportes (um setor que usa 27% de toda a energia do país). Todos os brasileiros conhecem o comportamento ciclotímico do setor: nos últimos vinte anos tivemos a dieselização da frota; o etanol rapidamente atingiu 90% dos carros novos, para cair a zero em poucos anos; o GNV cresceu em alguns anos para 700 mil veículos, e não penetrou onde planejado (termo-elétricas, setor industrial e transporte pesado, para reduzir o diesel); volta o etanol com o veículo flexível e ocupará 60% dos carros novos em quatro anos. A importação de diesel, e a difícil posição da gasolina, claramente visíveis na análise da matriz, são apenas alguns dos prejuízos criados.

O país tem as competências necessárias, e os recursos energéticos. Conhece as restrições ambientais, tecnológicas, e os impactos sociais; pode avaliar o contexto mundial. Por que não empenhar-se objetivamente, sem preconceitos ou ideologias, no planejamento integrado?

A análise da matriz, em comparação com países mais desenvolvidos, mostra ainda a baixa utilização da geração distribuída de energia elétrica, conseqüência de trinta anos de forte crescimento da implantação (oportuna) de grandes centrais hidrelétricas; mas agora a geração térmica complementar e a cogeração em sistemas industriais e comerciais poderá ser um fator importante de economia e segurança no suprimento.

Há inúmeros outros pontos interessantes para discussão a partir de análises bem contextualizadas dos dados do BEN; fica a nossa sugestão para a elaboração didática de uma versão leve, para divulgação ampla. Teríamos muito a ganhar com o envolvimento bem fundamentado de muito mais pessoas.

Isaías Macedo é pesquisador visitante do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético, da Unicamp.

Versão para internet

Anterior Proxima

Atualizado em 10/12/2004

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2004
SBPC/Labjor
Brasil