Campinas: população, recursos hídricos e vulnerabilidade    
 

Vulnerabilidade em Campinas
Daniel Hogan e outros
Mapa 1 - Média anual de crescimento da população por setor censitário, Campinas, 1991-1996.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mapa 2 - População com idade inferior a 15 anos, 1991.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 


Mapa 3 - População com idade entre 15 e 60 anos com educação primária, 1991.

 

 

 

 

 

 

 

 

Mapa 4 - Chefes de domicílio que ganham até 1 salário mínimo por mês, 1991.

 

 

 

 

 

 

 

 

Mapa 5 - Domicílios ligados à rede de água mas sem canalização interna, 1991.

 

 

 

 

 

 

Mapa 6 - Pontos críticos de inundação em Campinas, 1991.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mapa 7 - Áreas com risco de inundação em uma zona periférica de Campinas, 1991.

 

 

 

 

 

 

Mapa 8 - Áreas com risco de inundação em uma área central de Campinas, 1991.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O interior do estado de São Paulo, de maneira geral, foi beneficiado pela política de desconcentração da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Entre 1970 e 1990, Campinas tornou-se um dos mais dinâmicos pólos da expansão industrial do estado de São Paulo. Em termos populacionais, Campinas superou as taxas de crescimento estadual e nacional. O crescimento industrial, também superior ao da RMSP, combinado com o processo de intensa modernização da agricultura e com o desenvolvimento tecnológico fez da região um importante pólo de crescimento.

Campinas é hoje a mais industrializada e mais urbanizada capital regional do interior de São Paulo. Considerando os 11 municípios imediatamente adjacentes, a economia local é equivalente à economia do Chile, com um Produto Interno Bruto da ordem de US$ 50 bilhões.

O rápido crescimento verificado nas últimas três décadas tem diminuído, mas deixou como legado um modelo de uso da terra marcado pelo espraiamento da mancha urbana e uma profunda segregação do espaço urbano com intenso crescimento demográfico de áreas cada vez mais distante do centro (Mapa 1). Esse crescimento não foi acompanhado por uma expansão equivalente dos serviços urbanos, apesar de Campinas ter conseguido mais sucesso nesse aspecto do que a maioria das cidades do país.

Em termos ambientais, destacam-se três problemas. Primeiramente, apesar do serviço de água tratada atingir quase todos os domicílios, a coleta de esgotos é deficiente e o tratamento de esgotos é praticamente inexistente (cerca de 3% do esgoto doméstico é tratado); o esgoto coletado é despejado diretamente nos cursos d'água. Em segundo lugar, um sistema antigo e inadequado de drenagem, junto com um estilo de desenvolvimento urbano que impermeabilizou os setores mais densamente ocupados - poucos parques ou jardins, pequenos lotes residenciais cujos jardins também foram impermeabilizados - têm contribuído para o problema das inundações periódicas (Mapas 6 e 8 abaixo). A eliminação das matas ciliares também acentua esse problema das enchentes. Em terceiro lugar, o transporte é altamente dependente dos automóveis e o transporte de massa é limitado aos ônibus. O resultado é uma crescente poluição do ar e o aumento do tempo diário gasto com transporte.

Outra conseqüência desse modelo de uso extensivo da terra inclui a retirada da produção de áreas importantes de terra agriculturável e o impacto desse processo sobre o orçamento municipal, tendo em vista os custos provenientes da implementação de infra-estrutura para zonas mais distantes, não contíguas às áreas consolidadas da malha urbana.

Todos esses problemas criam vulnerabilidades sociais e geográficas específicas. Os domicílios não conectados ao sistema de coleta de esgotos estão concentrados nas áreas mais pobres, mais recentemente ocupadas e, em geral, distantes do centro da cidade. As proporções de crianças (Mapa 2) e de domicílios chefiados por mulheres são maiores nessas áreas, concentrando as conseqüências negativas nessas populações. As conseqüências de inundações são mais sérias nessas áreas, apesar das enchentes não estarem circunscritas a elas.

Nas áreas centrais, ocupadas por grupos com renda mais elevada (Mapa 4), a verticalização não foi acompanhada por uma modernização do sistema de drenagem construído para atender apenas casas. Nesses casos, entretanto, as inundações tem um impacto maior sobre os transportes do que sobre os domicílios. Nos distritos mais pobres e de ocupação mais recente, as enchentes afetam diretamente os domicílios. O problema é agravado pelo esgoto que é trazido pela enxurrada e pelas doenças de veiculação hídrica, como a recorrente leptospirose.

A falta de coleta de esgoto e as inundações têm, em Campinas, seu maior impacto nas mais de 103 ocupações humanas de caráter precário, ou seja, favelas e áreas de invasão. As primeiras tendem a ser ocupações espontâneas de terras marginalizadas e mais centrais (áreas de inundação ou áreas de declividade acentuada, impróprias para construção), enquanto as últimas são resultantes, via de regra, de ações planejadas por movimentos sociais dos sem-teto e ocupam zonas mais periféricas da cidade.

O transporte ineficiente afeta essas populações principalmente através do aumento do tempo gasto diariamente nos deslocamentos. Trabalhadores e estudantes tomam em média dois ônibus por viagem. As inversões térmicas, comuns nos meses mais frios e secos, acentuam o problema.

O crescimento populacional no período 1980-91 foi concentrado na região sudoeste (Mapa 1), fora do tradicional perímetro urbano definido pelas vias de transporte que conectam Campinas com São Paulo.

A área mais adensada do centro de Campinas concentra os serviços comerciais, administrativos e institucionais, além dos domicílios das classes alta e média. Essas características são encontradas em praticamente toda a área consolidada, delimitada pelas estradas principais. A população com níveis mais elevados de educação está concentrada predominantemente no centro, enquanto aqueles com nível de escolaridade primário tendem a estar espalhados pelas áreas periféricas (Mapa 3). Da mesma forma, o gradiente produzido pelos níveis de renda revelam uma concentração de domicílios com renda elevada no centro e áreas próximas ao centro (com exceção da área da Universidade), enquanto que os domicílios de mais baixa renda estão localizados nas áreas urbanas periféricas e nas áreas rurais (Mapa 4).

No setor Leste do município, onde algumas áreas continuam desocupadas (sendo que parte são áreas de proteção ambiental), a classe média mais abastada tem construído residências em condomínios fechados. Esse setor tem assistido também a expansão de investimentos comerciais e a criação de parques. Mais ao norte, a UNICAMP foi o ponto de partida para a criação de um padrão residencial de classe média alta, que continua em expansão. O setor sudoeste, finalmente, é o mais recente a ser ocupado, e se caracteriza por abrigar a população mais pobre, composta majoritariamente por migrantes sem qualificação profissional, atraídos pelo crescimento das oportunidades econômicas na região.

No que diz respeito a população com menos de 15 anos de idade (Mapa 2) verificou-se uma concentração acentuada de crianças nas áreas periféricas, que conforme vamos apresentar, são as que possuem menor infra-estrutura ambiental e maior susceptibilidade a inundações. Essa concentração reflete duas coisas: a queda da fecundidade (os grupos de idade mais jovem passam a ter um menor peso relativo) e declínio da migração para a cidade (com a tendência de famílias jovens com crianças pequenas).

Ao contrário do coleta de esgoto, a distribuição de água tratada não é um problema em Campinas, mas os setores com deficiência de cobertura por esse serviço (casas sem encanamento interno) são os setores periféricos de ocupação recente. A falta de coleta de lixo afeta as áreas rurais, os setores próximos aos cursos d'água, favelas e os setores urbanos periféricos.

Impacto das inundações em áreas centrais e áreas periféricas: vulnerabilidades diferenciadas - Partimos da identificação pelo governo local dos pontos de inundação. Para possibilitar a comparação, escolhemos duas áreas do município em que as inundações são freqüentes: uma área central, na qual o problema é mais diretamente relacionada com a ineficiência e inadequação do sistema de drenagem (Mapa 7), e uma área periférica, em que a questão básica é a forma de ocupação do solo - basicamente em função de fatores econômicos envolvidos no processo (Mapa 8).

A área de expansão da cidade é caracterizada por uma série de fatores. O ponto sobre o qual nos detemos é que esses fatores constituem elementos importantes para se pensar sobre vulnerabilidade, constituindo como que uma hierarquia da vulnerabilidade, hierarquia essa importante para finalidades de planejamento. Os exemplos aqui utilizados mostram como o mesmo problema pode afetar diferentemente a população dependendo de sua condição social.

A área de expansão que abordamos encontra-se no sul do município, próxima ao rio Capivari e é cortada por córregos que deságuam neste rio. Selecionamos os setores censitários inseridos nas ou próximos das áreas de inundação e comparamos com uma área central da cidade, onde as inundações também ocorrem. Foram escolhidos 43 setores censitários, com uma população em 1991 de 49.936 pessoas. Desses 43 setores, 10 eram favelas. Oito dessas favelas estavam localizadas diretamente dentro da área de inundação, em uma situação evidente de risco.

Por outro lado, a área central escolhida tinha uma população de 48.786 pessoas em 1991. As enchentes nessa área, em geral, não afetam os domicílios residenciais, sendo que o maior impacto ocorria em termos da desorganização do trânsito e no isolamento temporário de alguns distritos. As inundações nessa área eram pois produzidas menos por decisões sobre o uso da terra e mais por uma drenagem inadequada, agravada pela impermeabilização da superfície da cidade.

Considerações finais - O processo intenso de periferização sofrido pela região de Campinas marcou profundamente os contornos da aglomeração urbana como um todo, provocando sérias conseqüências sociais e urbanas como a deteriorização dos recursos naturais e da qualidade ambiental, descontinuidade da rede de infra-estrutura urbana, piora dos problemas sociais da periferia, comprometimento das finanças públicas devido aos altos custos da urbanização, a constituição de espaços segregados direcionados exclusivamente para a população de baixa renda, dentre outros.

Este trabalho mostrou a utilidade de se usar os dados sócio-demográficos, no nível de setor censitário, para apontar as características das populações residentes em áreas vulneráveis.

Foi enfatizado, ao mesmo tempo, que a vulnerabilidade é também um conceito social, em que as populações afetadas são aquelas com menos condições de se protegerem dos riscos, como risco de inundação.

 

Daniel Joseph Hogan, José Marcos Pinto da Cunha, Roberto Luiz do Carmo e Antônio A.B. de Oliveira - Núcleo de Estudos de População - Unicamp.

   
           
     

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Atualizado em 10/09/2000

   
     

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