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A ciência em sete revoluções
David Eliot & Arnold Brody

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A Ciência em sete revoluções
Roberto Belisário - Físico

Não existe uma fórmula geral para se traduzir conceitos científicos de forma que fiquem acessíveis para o público em geral. Nesse assunto, só há duas certezas: que entender os conceitos e teorias da Ciência moderna é muito importante para todos nós, e que o público não só quer como pode fazê-lo. Nisto consiste a resposta dada, da primeira à última página, às três perguntas que abrem o texto do livro "As sete maiores descobertas científicas da História e seus autores", de David Eliot Brody e Arnold R. Brody, traduzido por Laura Teixeira Motta e publicado pela Companhia das Letras em 1999. O objetivo da obra é transmitir ao leitor a essência das principais teorias e conceitos da Ciência.

Diferentemente da maior parte das obras desse gênero, que tratam de áreas específicas do conhecimento, os irmãos Brody fazem um apanhado geral da Física, Química e Biologia do nosso tempo. Nas 436 páginas do volume os autores cobrem uma área vastíssima do conhecimento humano, desde a Revolução Copernicana-Galileana, que tirou a Terra do centro do Universo e colocou-a movendo-se ao redor do Sol, passando pelas teorias atômica, quântica e da relatividade, pelas teorias celular e da evolução, e chegando até os princípios da Engenharia Genética.

Para tal empreitada, lançam mão de dois ótimos artifícios. Dão à exposição uma abordagem histórica, reconhecidamente um dos melhores métodos para se divulgar ciência. A narrativa segue, assim, desde os tempos de Nicolau Copérnico até 1996, ano anterior ao da publicação original do livro, cobrindo mais de cinco séculos de pesquisas científicas. David e Arnold Brody fazem questão de mencionar uma porção de descobertas importantes feitas na década de 90 (inclusive várias em 1996), e fica no leitor aquela saudável impressão de que a Ciência encontra-se em incessante movimento. É citado inclusive o acidente nuclear de Goiânia, de 1987: "O pó azul brilhante do interior da cápsula acabou contaminando 249 pessoas, resultando em várias mortes, amputações e doenças." A exposição culmina com uma seção final dedicada ao Projeto Genoma Humano.

O segundo artifício é dividir a exposição nas "sete maiores descobertas", agrupadas de forma que as primeiras partes tratam de Física e Química, enquanto as restantes falam exclusivamente de Biologia. Essa estratégia coloca o vasto assunto numa estrutura muito bem organizada e equilibrada. As sete "descobertas", na realidade, referem-se não os feitos individuais, nem tampouco a avanços tecnológicos, mas às grandes mudanças de paradigma - alterações na visão de mundo dos cientistas e das pessoas em geral, provocadas por uma série de observações e desenvolvimentos teóricos. Às vezes mais de uma mudança de paradigma é incluída em uma única parte. Com esse método, poucas áreas da Ciência moderna são deixadas de fora (uma exceção é a Medicina).

Apesar de tratar os assuntos com uma abordagem histórica, esta obra deve ser lida mais como uma exposição notoriamente organizada das várias teorias e conceitos da Ciência atual - incluindo não só as teorias revolucionárias do século XX, mas outras muito mais antigas e que são aceitas ou usadas até hoje. A parte histórica é então inteiramente submetida ao objetivo principal de expor os conceitos científicos usados hodiernamente. Mesmo assim, uma discussão histórica como essa tem inegáveis vantagens. É um excelente guia para traduzir os conceitos científicos para o público e ao mesmo tempo ajuda a contextualizar as descobertas científicas, que deixam de parecer provindas de súbitos lampejos que emergiriam das profundezas imperscrutáveis de mentes privilegiadas. Além disso, transforma toda a exposição numa grande história de mistério e resgata para o leitor o caráter extraordinário das novas teorias: hoje, pensar no movimento da Terra ao redor do Sol é uma coisa banal. Houve um tempo em que isso era fantástico.

Com uma abordagem dessas, os autores naturalmente deixam transparecer, ao longo de todo o texto, suas idéias epistemológicas e pedagógicas sobre o que é e como deve ser transmitida a Ciência. É nas três perguntas da abertura do texto e na conclusão da obra que o leitor pode ter uma noção das idéias dos irmãos Brody a respeito da importância social do conhecimento científico e das motivações que os levaram ao seu empreendimento: "A liberdade não depende da lei; requer que o público entenda e aprecie o pensamento racional. A razão é a alma da Ciência. Quando ela é suprimida ou abandonada, o totalitarismo ou a anarquia rapidamente preenchem a lacuna deixada." O que está perfeitamente de acordo com a presença, ao longo da obra, de várias críticas ao Criacionismo, uma teoria pseudo-científica que nega a evolução biológica e que é ensinada em inúmeras escolas dos Estados Unidos.

A preocupação com o impacto social da Ciência os leva a dedicar especial atenção à energia nuclear, particularmente ao processo de invenção da bomba atômica - incluindo uma interessante história do Projeto Manhattan, que levou à construção da arma. Porém, o capítulo que, segundo os autores, "discorre sobre como os cientistas identificaram e empregaram a [energia nuclear]", é sintomaticamente intitulado "O fim do mundo" e nada diz sobre os usos pacíficos na geração de energia elétrica, na Medicina e nas ciências dos materiais. Essa abordagem reforça a distorção na imagem pública da energia nuclear, manchada indelevelmente por seu trágico início militarista.

David Eliot Brody é escritor, advogado e professor de direito, sociologia e ciências humanas. Seu irmão Arnold R. Brody é um renomado especialista em biologia celular e patologias pulmonares. Com certeza foi essa formação que determinou a maior falha da obra: uma coleção de deslizes na exposição das teorias físicas, que algumas vezes dão ao leitor uma idéia errada dos conceitos envolvidos. Em particular, na seção sobre a Teoria da Relatividade, os autores se metem num lamaçal de raciocínios escusos de tais proporções que deixa boa parte do capítulo 8 irremediavelmente inutilizada.

Ao leitor que se aventurar por essas páginas, deve ser dito que, na pág. 166, os autores invocam vários raciocínios completamente defeituosos. Um exemplo ocorre quando eles tentam ilustrar com aplicações numéricas o fenômeno da "dilatação do tempo" - uma alteração no correr do tempo observada entre referenciais que se movem muito velozmente um em relação ao outro. Para tanto, são comparadas duas observações do mesmo fenômeno físico (a emissão de pulsos luminosos) feitas por dois observadores deslocando-se um em relação ao outro, ou seja, em dois referenciais diferentes. Nesse tipo de raciocínio é fundamental especificar-se de que referencial está se falando em cada ponto do texto. Porém, os autores confundem os referenciais várias vezes, a ponto de invalidar todo o raciocínio. Os erros continuam ao longo dos próximos parágrafos - por exemplo, aplicam erradamente o que chamam de "fator relativístico de Einstein" (também conhecido como "fator de Lorentz"), que serve para descrever quantitativamente a dilatação do tempo.

Outros deslizes menores (alguns, porém, bem destrutivos) ocorrem ao longo de todo o texto referente à Física. Por exemplo, ao contrário do que é dito na página 122, a chamada "força nuclear fraca" não "liga os elétrons em órbita ao núcleo" nem "é responsável por manter juntos os átomos que se combinam para formar moléculas". É a força eletromagnética que faz isso. A força nuclear fraca é responsável por certos tipos de radiação, como a radiação beta. Recomendo que o leitor aproveite com prazer a parte de Biologia, mas seja mais crítico na parte de Física e de Química.

Recomendo também que salte o item "Questão número 1 - Qual é a relação entre velocidade e tempo?", nas págs. 162-167, pois o que está ali escrito é um pântano capaz de desorientar os melhores cérebros. Para preencher a lacuna e entender a relatividade, ele pode consultar o excelente livro "A evolução da Física", publicado por Albert Einstein e Leopold Infeld originalmente em 1938, mas ainda insuperável didaticamente. Encontra-se nas lojas a edição da editora Guanabara (1988); chegou a ser publicado também pela Editora Zahar, em 1976.

Uma mácula desse porte numa obra de divulgação tão importante é algo para lamentar-se muito. Mas não há dúvida de que o que resta suplanta de longe os defeitos, desde que o leitor saiba em que pedras não apoiar os pés.

 

 

 

           
     

 

   
     

Atualizado em 10/08/00

   
     

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