Veneno de jararaca é o ponto de partida para mudar mercado de anti-hipertensivos

Em março de 2001, o Centro de Tecnologia Aplicada (CAT) do Instituto Butantã depositou no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) um pedido de patente que poderá representar uma mudança no mercado de anti-hipertensivos, medicamentos que estão entre os mais consumidos no Brasil (12,6% do total) e cujas médias de importação são as mais caras (veja dados da Abiquif). O pedido se refere ao Evasin (nome genérico para Endogenous Vasopeptidase Inhibitor), fármaco inovador desenvolvido pela equipe do CAT, a partir do veneno de jararaca. Sendo originário de um produto natural , uma de suas grandes vantagens é a de apresentar menos efeitos colaterais. Além disso, a atividade do Evasin é mais seletiva que a do famoso Capoten (também originário das pesquisas com o veneno de jararaca) e ele poderá se tornar um forte concorrente deste medicamento, que rende anualmente US$ 5 bilhões de faturamento à Squibb.

As pesquisas que levaram ao Evasin remontam ao final da década de 40, quando os pesquisadores Wilson Beraldo, Gastão Rosenfeld e Maurício Rocha e Silva esclareceram o mecanismo que paralisa a presa da jararaca quando o veneno é inoculado. Esse veneno possui toxinas que levam à liberação de bradicinina (substância essencial ao controle da pressão arterial, de ação hipotensora), paralisando ou mesmo matando a presa. São essas toxinas, mais exatamente os peptídeos potenciadores de bradicinina (BPP), que foram isoladas por Sérgio Ferreira e sua equipe, já na década de 60, e levadas pelo pesquisador ao Imperial College, de Londres, dando origem a um conhecido e "infeliz" episódio da pesquisa brasileira. Foi a partir dos BPPs que John Vane (ganhador do Prêmio Nobel) chegou à molécula que daria origem ao Captopril: a Enzima Conversora de Angiotensina II (ECA). A descoberta revolucionou o tratamento da hipertensão (e rendeu grandes lucros à indústria farmacêutica), mas seu mérito ficou todo com os ingleses. Poucos sabem das "origens brasileiras" do medicamento.

O curioso é que as pesquisas sobre a ECA tenham continuado, apesar desse episódio. Antônio Camargo, diretor do CAT, explica porque. "Havia interesse em descobrir mais detalhes do funcionamento da enzima, pois assim poderíamos tornar o medicamento mais eficaz. De fato, foi descoberto recentemente que a ECA tem dois 'sítios ativos' diferentes (e não um como se pensava anteriormente), identificados como C e N. Ambos podem gerar angiotensina II (hipertensora) e inativar a bradicinina (hipotensora), no entanto, o sítio C é mais específico que o N. Com isso, se o medicamento pudesse distinguir entre os dois sítios, ele seria mais eficaz, pois não teria efeitos colaterais de longo prazo, como certas alterações das células sanguíneas geradas pelo Captopril (que não faz a distinção)", conta Camargo.

O exemplo do Evasin mostra como os caminhos da pesquisa são pouco lineares e povoados de incertezas. Mas os resultados podem ser compensadores, como se prevê para este medicamento, cujo interesse terapêutico e comercial é evidente. Vale notar que o preço de uma caixa com 28 comprimidos de Capoten (marca da Squibb para o Captopril) custa R$24. O genérico do mesmo fármaco, em caixa de 30 comprimidos, custa R$ 13. Uma reportagem detalhada do funcionamento e da história do Evasin pode ser encontrada na revista Pesquisa Fapesp .

O CAT é financiado, desde setembro de 2000, pelo programa de Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com uma verba de R$ 3 milhões anuais (por um período que pode se estender a 11 anos). Além disso, para o desenvolvimento do Evasin, o Centro tem a parceria do Consórcio Farmacêutico Nacional (Coinfar), formado pelos laboratórios Biolab-Sanus, Biosintética e União Química. A titularidade da patente do medicamento é da Fapesp e do Coinfar e os dividendos provenientes de sua venda serão divididos entre estes, os inventores e o Instituto Butantã. (MM)