Paulino Vandresen
            A lingüística foi implantada no currículo de 
              Letras por uma resolução do Conselho Federal de Educação, 
              em dezembro de 1961. Na época, existiam 83 cursos de Letras, 
              seguidores da tradição filológica portuguesa 
              que norteava o ensino de línguas numa perspectiva histórica 
              e normativa. A nova disciplina dava ênfase à descrição 
              científica das línguas, numa perspectiva sincrônica.
             A medida suscitou polêmica e sérios problemas para 
              os diretores dos cursos de Letras: não havia professores 
              preparados para ministrar lingüística nos 83 cursos. 
              Havia dois doutores e meia dúzia de pós-graduados 
              no exterior, na área de ensino de línguas estrangeiras...
             No início deste novo século (40 anos depois) a lingüística 
              brasileira apresenta-se como uma área consolidada, com quase 
              mil doutores e mais de 3.000 mestres atuando em mais de 60 cursos 
              de pós-graduação (dos quais 45 ministram cursos 
              de doutorado) e mais de 500 cursos de graduação em 
              letras.
            Entre os marcos que permitiram este rápido progresso da 
              lingüística no Brasil estão seguramente: as atividades 
              de alguns pioneiros; organização de cursos intensivos 
              de preparação de professores de lingüística, 
              a implantação dos cursos de pós-graduação 
              e a fundação de associações científicas 
              e periódicos especializados.
            Os Pioneiros
             Os cursos de Letras foram organizados a partir dos anos 30, inseridos 
              nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras dedicadas ao 
              estudo das humanidades e à preparação de professores. 
              Até 1963, o currículo constava de Filologia, Língua 
              Portuguesa (numa perspectiva histórica e normativa), Literatura 
              Brasileira e Portuguesa e blocos de línguas clássicas, 
              germânicas (Inglês e Alemão) ou neo-latinas (Francês, 
              Espanhol e Italiano). Alguns conteúdos lingüísticos 
              (particularmente de lingüística histórica) eram 
              ministrados, nas disciplinas de língua portuguesa e filologia.
             Joaquim Mattoso Camara Junior, aluno de Roman Jakobson nos EUA, 
              foi o grande pioneiro da lingüística descritiva no Brasil. 
              Ministrou o primeiro curso de lingüística do Brasil, 
              na Universidade do Distrito Federal (1938 e 1939) e depois na Universidade 
              do Brasil, a partir de 1948.
             A contribuição de Camara Jr. é particularmente 
              importante na divulgação das teorias lingüísticas 
              nas revistas da época, como a Revista Brasileira de Filologia 
              e o Boletim de Filologia, todos do Rio de Janeiro. Como resultado 
              de seus cursos surgiu, em 1942, o primeiro manual de lingüística 
              do Brasil: Princípios de Lingüística Geral, 
              que teve seguidas reedições. Suas primeiras pesquisas 
              sobre a fonologia do português, fortemente influenciadas pela 
              Escola de Praga, deram origem ao livro: Para o estudo da fonêmica 
              portuguesa, publicado em 1953. Além disso, traduziu e 
              publicou o livro A Linguagem, de Edward Sapir, em 1954, e 
              uma coletânea de seus artigos, sob o título Lingüística 
              como ciência, em 1961. Em 1963, publicou uma coletânea 
              de artigos de Roman Jakobson sob o título Fonema e Fonologia.
             Colocando-nos no cenário dos anos 60, podemos perceber 
              a importância dos livros e traduções de Câmara 
              Jr. para viabilizar o ensino da lingüística nos cursos 
              de Letras, a partir de 1963.
             A outra experiência de ensino de lingüística, 
              como disciplina eletiva antes da Resolução do CFE, 
              ocorreu na UFPR. O professor Aryon Dall'Igna Rodrigues ministrou 
              dois anos de Lingüística (1960 e 1961) com o apoio do 
              catedrático de Língua Portuguesa, professor Mansur 
              Guerios, que o havia encorajado a fazer o doutorado em lingüística 
              em Hamburgo, na Alemanha.
             É importante mencionar também a atuaçao de 
              lingüistas estrangeiros do SIL (Summer Institute of Linguistics) 
              que começaram a atuar na pesquisa de línguas indígenas 
              a partir de 1956, em convênio com a Divisão de Antropologia 
              do Museu Nacional. Na área da lingüística indigenista, 
              a ABA (Associação Brasileira de Antropologia) estimulou 
              a pesquisa e deu espaço para sessões de lingüística 
              em seus congressos, a partir de 1959.
             Na lingüística aplicada ao ensino de línguas, 
              merece menção o trabalho de Valmir Chagas, Didática 
              especial de línguas modernas, publicado em 1957, com 
              análise de métodos de ensino com base lingüística.
             Seu trabalho pioneiro em lingüística aplicada na UFPE 
              foi continuado por Francisco Gomes de Matos, que posteriormente 
              teria ação destacada no Centro de Lingüística 
              Aplicada do Yágizi. Centros particulares de ensino de línguas, 
              como Cultura Inglesa, Instituto Brasil/Estados Unidos, Instituto 
              de Idiomas Yágizi e Aliança Francesa contavam com 
              professores estrangeiros ou nacionais com algum treinamento lingüístico.
            Os cursos intensivos de lingüística
            Já no verão de 1963/64, em face da polêmica 
              implantação obrigatória da lingüística 
              nos cursos de Letras, foi organizado o primeiro curso intensivo 
              de preparação de professores de lingüística, 
              na UnB (Universidade de Brasília) sob a coordenação 
              do professor Aryon Rodrigues e apoio financeiro do MEC. Além 
              do professor Rodrigues, participaram do referido treinamento alguns 
              lingüistas vinculados ao SIL. Com o mesmo corpo docente iniciou-se, 
              no mesmo ano de 1964, o primeiro curso de Mestrado em Lingüística 
              do Brasil.
             No contexto do assessoramento norte-americano na reformulação 
              da estrutura universitária brasileria e latino-americana, 
              foi criado o PILEI (Programa Interamericano de Lingüística 
              e Ensino de Idiomas). Em 1963, o PILEI organizou o Simpósio 
              de Cartagena, que reuniu os mais destacados lingüistas latino-americanos 
              e mais de 20 lingüistas americanos, naquela cidade da Colômbia.
             A delegação brasileira foi constituída por 
              Câmara Junior (UFRJ), Aryon Rodrigues (UnB) e Francisco Gomes 
              de Matos (Universidade Federal do Pernambuco). O simpósio 
              fez um diagnóstico da situação da lingüística 
              e ensino de línguas no continente, com propostas para ações 
              que viriam a dinamizar o seu desenvolvimento, entre eles a criação 
              de associações científicas, realização 
              de eventos científicos e institutos lingüísticos, 
              com cursos intensivos, criação de centros de pesquisa, 
              com edição de revistas, entre muitas outras sugestões.
             O primeiro Instituto Lingüístico Latino Americano 
              foi realizado em Montevidéu, com apoio do PILEI, com forte 
              presença brasileira, de dezembro de 1965 a fevereiro de 1966. 
              No verão de 1967/68, realizou-se o primeiro Instituto Brasileiro 
              de Lingüística na PUC/RS, com apoio da Ford Foundation 
              e do Centro de Lingüística Aplicada-Yázigi. Nos 
              anos seguintes, multiplicaram-se oportunidades de treinamento em 
              lingüística teórica e aplicada em seminários 
              e institutos lingüísticos oferecidos pelo CLA-Yázigi, 
              PILEI e universidades brasileiras com grande e entusiasmada participação 
              de professores de lingüística, língua portuguesa 
              e línguas estrangeiras. Graças ao clima e às 
              esperanças criadas por estes eventos, a lingüística 
              entrou na moda. Exercia um verdadeiro fascínio sobre professores 
              e estudantes, que viam na lingüística um caminho seguro 
              para a melhoria do ensino de línguas.
             Em termos de teorias lingüísticas, nos primeiros anos, 
              predominou o estruturalismo, seguindo modelos americanos como Bloomfield, 
              Sapir e Pike, ou europeus como a Escola de Praga, Martinet, Pottier 
              etc. Tivemos até um modelo teórico próprio, 
              batizado como "lingüística construtural", 
              proposto por Eurico Back e Geraldo Mattos, de Curitiba, divulgado 
              na revista Construtura, e que teve como resultado de suas 
              pesquisas uma Gramática Construtural da Língua 
              Portuguesa (2 volumes), publicada em 1972 pela editora FTD, 
              de São Paulo. A proposta construtural surgiu no momento da 
              implantação dos cursos de pós-graduação, 
              e não resistiu à concorrência do modelo gerativista 
              que dominou a década de 70, graças aos novos doutores 
              que retornavam do exterior.
             Deve-se salientar que na década de 60 e 70 houve a formação 
              de muitos lingüistas no exterior, particularmente nos EUA e 
              França, além de titulações no país 
              pelo sistema anterior de doutorado sem cursos e livre docência.
            Implantação dos Cursos de Pós-Graduação
             No final da década de 60, mas principalmente no início 
              dos anos 70, houve a implantação de inúmeros 
              cursos de pós-graduação em lingüística, 
              com base nos pareceres 977/65 e 77/69 do CFE. Novamente se repetia, 
              em parte, a história de 1962. Desta vez, porém, a 
              criação dos cursos não era obrigatória.
             É fácil imaginar a dificuldade de encontrar professores 
              com doutorado ou mesmo com mestrado, em uma disciplina implantada 
              há menos de uma década. A contratação 
              de professores estrangeiros e a participação de um 
              mesmo professor em mais de um curso minimizaram o problema. O sistema 
              de avaliação da CAPES, que norteava um grande programa 
              de formação de recursos humanos no exterior, além 
              de um programa da Ford Foundation coordenado pelo Professor 
              Aryon Rodrigues, permitiram aumentar sensivelmente o número 
              de doutores e a qualidade acadêmica dos cursos.
             Com o fortalecimento de alguns cursos de doutorado em universidades 
              brasileiras a lingüística foi marchando celeremente 
              para sua consolidação.
            As Associações Científicas e Periódicos
            Seguindo as recomendações do Simpósio de Cartagena, 
              em 1964, foi fundada a ALFAL (Associação de Lingüística 
              e Filologia da América Latina), uma das incentivadoras dos 
              Institutos Lingüísticos Latino-americanos, atualmente 
              sob a presidência do brasileiro Ataliba de Castilhos. Em 1966, 
              também sob recomendação do PILEI foi implantado 
              o Centro de Lingüística Aplicada do Instituto de Idiomas 
              Yázigi, sob a coordenação do professor Francisco 
              Gomes de Matos, que neste mesmo ano, lança o periódico 
              Estudos Lingüísticos: Revista Brasileira de Lingüística 
              Teórica e Aplicada. O CLA - Yázigi foi um grande 
              incentivador da lingüística aplicada ao ensino de língua 
              estrangeira, através de seminários, cursos e preparação 
              de materiais didáticos.
             Em 1969, durante os Institutos Lingüísticos Brasileiro 
              e Latino Americano, realizados conjuntamente em São Paulo, 
              foi fundada a ABRALIN (Associação Brasileira de Lingüística) 
              que mantém até hoje a promoção de Institutos 
              Lingüísticos e Congressos Nacionais. Sob os auspícios 
              desta associação e da PUC-SP, já foram editados 
              quase 20 volumes (cada um de dois números) da revista DELTA, 
              a mais conceituada revista de lingüística editada no 
              Brasil.
             No mesmo ano de 1969, foi fundado o GEL (Grupo de Estudos Lingüísticos) 
              do estado de São Paulo, seguido bem mais tarde por outras 
              associações regionais reunindo lingüistas do 
              Rio (ASSEL-RIO), Nordeste (GELNE) e Região Sul (CELSUL).
             Em 1984, os cursos de pós-graduação da área 
              de Letras e Lingüística criaram sua Associação 
              Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Letras 
              e Lingüística (ANPOLL), com o objetivo de debater políticas 
              para a área junto aos órgãos financiadores 
              e estabelecer projetos inter-institucionais de pesquisa através 
              de seus GTs. Graças a estes grupos de trabalho inter-institucionais, 
              tem-se verificado o desenvolvimento de importantes projetos de pesquisa 
              em todas as sub-áreas da lingüística.
             O GT de Lingüística Aplicada evoluiu para uma associação 
              nacional - a ALAB - (Associação de Lingüística 
              Aplicada do Brasil), fundada na última década, que 
              reúne lingüistas envolvidos com o ensino de línguas, 
              devendo lançar brevemente o primeiro volume de sua revista.
             Vários cursos filiados à ANPOLL editam revistas 
              especializadas que estão mantendo sua periodicidade, graças 
              à produtividade científica da área. Além 
              disso, a lingüística brasileira produziu várias 
              opções de manuais para ensino nos cursos de graduação, 
              coleções didáticas, coletâneas e obras 
              especializadas que atestam o crescimento da área nestes quase 
              40 anos de sua implantação no currículo de 
              Letras.
            Paulino Vandresen é lingüista e professor da 
            Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).