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Transporte coletivo integrado e bem planejado é prioridade

Um dos principais desafios das cidades, em qualquer lugar no mundo, é a organização do sistema de transporte. O direito de "ir e vir" de todos os cidadãos nem sempre é respeitado. A maioria das políticas de desenvolvimento e os próprios investimentos nacionais e regionais, ainda está voltada à boa circulação dos automóveis particulares e veículos de carga. Somente casos isolados mostram tentativas de priorizar o transporte coletivo no Brasil, buscando democratizar a mobilidade e a acessibilidade urbanas de forma planejada.

Vale ressaltar que todas as cidades com mais de 20 mil habitantes devem possuir um plano diretor de desenvolvimento urbano; e as cidades que têm mais de 500 mil habitantes também precisam elaborar um plano diretor específico para transporte urbano. No entanto, levantamentos parciais do Ministério das Cidades já apontam para a existência de cerca de 1,7 mil cidades que ainda não possuem um plano diretor de desevolvimento urbano. O prazo para se adequar é até o ano de 2006.

Conforme o administrador Renato Boareto, diretor de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, o modelo atual de transporte urbano se mostra insustentável. "Existe uma relação direta entre a renda e a mobilidade: quanto maior a renda, maior a possibilidade de locomoção nas cidades", avalia. Segundo ele, a expansão populacional, a velocidade da produção de novos veículos automotivos e a renda populacional não são compatíveis, transformando as cidades em permanentes espaços de disputa.

Cerca de 35 mil mortes são registradas anualmente no país por acidentes de trânsito; pelo menos 120 mil pessoas adquirem seqüelas permanentes; e são 300 mil feridos. "Congestionamentos, poluição ambiental e maior tempo para locomoção. Tudo isso mostra que o sistema de transportes está em crise e reflete diretamente na sustentabilidade das próprias estruturas das cidades brasileiras", destaca. O Ministério das Cidades existe somente há um ano e tem trabalhado sob a idéia de que um sistema de transporte público bem planejado é a chave para se criar cidades sustentáveis.

Cidade para pedestres
Curitiba é considerada uma das mais bem planejadas cidades brasileiras. Segundo o arquiteto e urbanista Ricardo Blindo, assessor da presidência do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), todo o sistema de transporte da cidade e as políticas urbanas em geral foram pensados e estão sendo executados sob a filosofia da priorização das escalas humana, ambiental e de mobilidade coletiva. "São cerca de 72 quilômetros de pistas exclusivas para ônibus e aplicamos a política da 'tarifa social', com linhas integradas que permitem diversos trajetos com o pagamento de uma única passagem", comenta.

Com um plano diretor de urbanização sendo implementado desde 1966, a cidade de Curitiba foi a primeira a fechar ruas e limitar a altura de prédios no centro comercial para melhorar a mobilidade e o ambiente dos pedestres. "Buscamos criar uma cidade para os pedestres e não para carros", destaca Blindo.

A drenagem das pistas para tanques de contenção nos parques e bosques também evita a inundação na cidade, garantindo maior segurança no trânsito.

Além disso, a distribuição dos equipamentos urbanos foi feita entre os bairros mais carentes para evitar dificuldades de acesso da população por falta de dinheiro para condução. Assim, também estão concentrados os estabelecimentos comerciais nas avenidas mais importantes da cidade, que também são as vias coletoras da maioria das linhas de ônibus, permitindo um direcionamento mais claro dos investimentos de transporte nessas áreas de grande fluxo.

O engenheiro civil Luiz Filla, gerente operacional da Secretaria de Urbanismo de Curitiba, explica que a fase agora é de expansão dos benefícios do modelo para as cidades vizinhas que compõem a região metropolitana, passando a abranger uma população de três milhões de pessoas. "Hoje, o sistema de transporte integrado já atende 94% dos 1,6 milhão de habitantes, garantindo a locomoção com tarifa única não só no trajeto entre periferia e centro, mas entre qualquer ponto da cidade. Quando se fala de região metropolitana esse percentual já chega a 73%", relata.

Sistema troncal de transporte coletivo prevê canaletas para ônibus nas
principais vias de acesso na Região Metropolitana de Belém

Metrópole amazônica
No Pará, um esforço conjunto entre o governo estadual e a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica) resultou também na criação de um Plano Diretor de Transporte Urbano. Estudos minuciosos sobre o tráfego, as demandas de mobilidade populacional e os impactos ambientais do atual sistema, foram realizados com projeções para um horizonte de dez anos abrangendo toda a Região Metropolitana de Belém. O estudo de viabilidade econômica do projeto foi apresentado no final do ano passado.

A proposta básica do projeto Via Metrópole, em Belém, também é um modelo integrado de transporte coletivo, com linhas troncais nas avenidas principais da região metropolitana e um sistema de vias alimentadoras articuladas por terminais. Esse sistema é apontado também pelo Ministério das Cidades como prioritário na concessão de investimentos, juntamente com os projetos de redução de tarifas do transporte coletivo e o uso de transporte sobre trilhos em casos onde há demanda compatível.

A reorganização do sistema de transportes em Belém beneficiará uma população estimada em quase 1,8 milhão de pessoas e promete trazer melhorias consideráveis sobre o tempo de locomoção e os gastos com tarifas. De acordo com as projeções apontadas pelo estudo, as pessoas que gastam quase uma hora para se deslocar de um bairro periférico para o centro de Belém hoje, precisarão do dobro de tempo em 2012, considerando o aumento populacional e suas consequências sobre a frota de veículos em circulação. A implementação do sistema integrado de transporte coletivo, pelo contrário, reduziria esse tempo de percurso para 55 minutos, em 2012.

Por ser uma metrópole localizada na Amazônia, alguns podem questionar sobre o porquê de não se aplicar o transporte hidroviário em integração. Entretanto, o arquiteto e urbanista Paulo Ribeiro, coordenador do projeto Via Metrópole, explica que na região de abrangência do plano não há demanda para o transporte hidroviário. "Quando se compara o tempo de deslocamento e os custos de implementação do sistema hidroviário, os estudos mostram que é inviável". Para vencer a velocidade média dos ônibus, as embarcações teriam que ser bem melhores do que as tradicionalmente utilizadas na região.

"O sistema hidroviário é uma questão de transporte regional; e não direcionada a uma região metropolitana como Belém. No Via Metrópole não estão previstas soluções tecnológicas diferenciadas devido ao perfil da região", acrescenta. Segundo Ribeiro, o maior desafio são as diferenças institucionais e políticas entre as prefeituras dos municípios da região metropolitana e o próprio Governo do Estado.

Faixas exclusivas para ônibus no centro de Belém

Desafios institucionais
O sistema de transporte urbano é responsabilidade da esfera pública municipal. Mas, os grandes centros urbanos, de fato, ultrapassam as fronteiras entre os municípios, ganhando proporções de região metropolitana. Segundo Renato Boareto, do Ministério das Cidades, a diversidade institucional e política entre os municípios é tratada isoladamente, conforme as peculiaridades de cada região.

Na cidade de Goiânia, por exemplo, prevalece o peso da capital sobre os outros municípios; mas, em Curitiba, onde as cidades têm tamanho e estrutura parecidos, a integração ao sistema de transporte metropolitano é por adesão; em Recife, o próprio Estado prevalece nas decisões. Quando há conflito de interesses entre os municípios, o maior problema é a superposição de redes de transporte e o alto custo das tarifas por conta de um sistema não-integrado, além da proliferação do transporte informal.

Segundo Boareto, além das diferenças institucionais, a origem do problema do transporte urbano, entretanto, é a análise fragmentada do sistema, diferenciando transporte, trânsito e uso do solo. "É preciso discutir o modelo como um todo para buscar soluções eficazes para todo o sistema, inclusive, considerando as diferenças regionais - cidades do Nordeste e do Sul do Brasil - e locais - cidades litorâneas e montanhosas, por exemplo".

(SF)

 
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Atualizado em 10/04/2004
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