Animais de estimação também enfrentam desafios durante a pandemia

Por Caroline Marques Maia
Estudos científicos têm mostrado que é pouco provável que os pets desenvolvam a Covid-19 e mais improvável ainda que nos transmitam essa doença. Mas, como a ciência caminha a passos lentos e ainda há muito o que ser descoberto sobre o novo coronavírus, alguns cuidados básicos com os animais de estimação são necessários. Isso é especialmente importante se o tutor estiver infectado pelo novo coronavírus, conforme apontam os principais órgãos de saúde animal no mundo, Organização Mundial de Saúde Animal e a Comunidade Global de Veterninária.

A saúde mental dos pets também não deve ficar de lado na quarentena. A mudança de rotina com a presença quase constante dos tutores em casa levanta questões sobre como isso afeta o estado emocional desses animais, algo ainda pior se os tutores adoecerem e forem isolados dos seus pets. “Caso os animais tenham que ser separados dos tutores, eles podem desenvolver ansiedade de separação, principalmente se forem muito ligados a eles”, comenta Alexandre Rossi, zootecnista e mestre em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), além de especialista em comportamento de animais domésticos pela Universidade de Queensland, na Austrália.

O ‘Dr. Pet’, como é conhecido em programas de TV dos quais participa, tem feito lives semanais sobre cuidados com os animais de estimação, inclusive abordando questões relacionadas à pandemia. Ele concedeu uma entrevista exclusiva sobre esse tema, por whats app, para a ComCiência. Veja a seguir.

ComCiência – É pouco provável que os pets desenvolvam a Covid-19 e que nos transmitam a doença, mas ainda há incertezas sobre capacidades de infecção e adoecimento desses animais. Há cuidados básicos que devemos tomar para a proteção deles e nossa?

Alexandre Rossi – O que já sabemos é que existe uma chance dos pets se contaminarem com o novo coronavírus a partir dos humanos, mas é uma chance bem rara. Alguns animais realmente pegaram o vírus de seus tutores, mas sempre de pessoas que já estavam doentes e que conviviam com pets. A chance dos gatos se contaminarem e desenvolverem a doença é maior do que nos cães. Em cachorros, foram poucos casos e a recuperação deles foi muito rápida, sendo que alguns nem mesmo chegaram a adoecer. Em gatos, pelo que se sabe, parece que em uma semana já se recuperam e a doença regride sozinha, sem nenhuma complicação grave, como no caso [de alguns] dos humanos. Às vezes os gatos tem um pouco de diarreia e tosse, mas nada muito além disso. Como foi identificada a multiplicação dos vírus nesses animais, com transmissão entre gatos em contato muito próximo, como numa mesma casa, existe a possibilidade de nós nos contaminarmos a partir deles, embora isso ainda não tenha sido realmente demonstrado. Mas, como os gatos se contaminam a partir de nós quando estamos doentes, o risco de transmissão da doença de gatos para humanos seria mais entre membros da família numa mesma casa. O pet pode se contaminar a partir da pessoa doente e acabar transmitindo o vírus para outra pessoa da casa. Mas, a possibilidade de uma pessoa se contaminar a partir de outra, inclusive estando na mesma casa, é sempre muito maior. Ou seja, essa preocupação de pegar a nova doença dos animais de estimação é muito pequena.
Existem sim cuidados básicos que devemos tomar com nossos pets nesta pandemia. Para cuidar deles, principalmente se nós estivermos com sintomas compatíveis com Covid-19 ou mesmo já diagnosticados com a doença, devemos usar máscara nos momentos em que lidamos com os nossos pets. Isso é ainda mais importante enquanto fazemos carinho nos animais, ou ao aproximarmos nosso rosto da cabeça deles, pois é nessa região que eles podem se contaminar com a doença, através de gotículas que podem sair da nossa boca, especialmente num espirro. Assim, o uso de máscara nesses contatos próximos pode ajudar. Outro cuidado importante é lavar bem as mãos antes e após interagir com os pets para evitar a transmissão da doença para eles.

ComCiência – Sabemos que muitos tutores gostam de fazer certos comportamentos com seus pets que implicam em contatos mais diretos, como beijar os pets, compartilhar comida com eles ou dormir com eles na mesma cama. Em tempos de quarentena, deve-se evitar isso?

Alexandre Rossi – Esse é um tema polêmico. Creio que se a pessoa tiver um problema de saúde ou se ela pertencer a um grupo de risco, realmente deve evitar esse contato mais íntimo com os animais caso alguém da mesma casa esteja com Covid-19 e tenha contato com esse mesmo pet. É claro que se o pet estiver demonstrando sintomas compatíveis com a nova doença, esses contatos mais íntimos também devem ser evitados. Mas fora isso, acho que a relação dos pets com suas famílias deve seguir normalmente, porque mesmo quando pegam a doença, os pets se recuperam de uma forma muito rápida, e a chance de se contaminarem é muito pequena. Não recomendo mudar a interação entre os pets e seus tutores só com base na possibilidade desses animais se acometerem com a Covid-19.

ComCiência – Se o tutor estiver com Covid-19, considerando a recomendação de restrição de contato e, inclusive, de afastamento do tutor de seus animais de estimação, como isso pode afetar psicologicamente esses animais?

Alexandre Rossi – Caso os animais tenham que ser separados dos seus tutores, eles podem desenvolver ansiedade de separação, principalmente se forem muito ligados aos seus tutores. De maneira geral, quando cães ficam sozinhos em um ambiente diferente da sua casa, como um canil ou a casa de um parente do tutor, eles podem sofrer bastante. Não é apenas a ausência do tutor que causa esse sofrimento, mas também a falta de companhia em geral, mesmo que seja humana. Se os cães forem levados para a casa de alguém que permaneça o tempo todo em casa ou que tenha outra pessoa na mesma casa que esteja sempre presente, a situação toda será mais fácil para os cães. No caso dos gatos, isso é mais complicado. Com a ausência do tutor e a mudança de ambiente ao mesmo tempo, o estresse dos felinos é muito grande. Assim, nas situações em que o tutor precisar se afastar, se houver a possibilidade de alguém cuidar do gato no próprio ambiente em que ele já está acostumado, seria o ideal. É importante ressaltar que a pessoa que vai cuidar do felino deve estar presente nesse ambiente por tempo suficiente para garantir os cuidados básicos necessários do animal. Essa pode ser uma maneira de não estressar demais os gatos nessas circunstâncias. Colocar o gato, por exemplo, num gatil ou numa casa que ele não conheça, ambientes que podem ainda nem ter as devidas proteções para esses animais como telas nas janelas, pode gerar sérios problemas e sofrimento.

ComCiência – A atual mudança de rotina com a presença quase constante dos tutores em casa pode posteriormente gerar problemas comportamentais para os pets quando o isolamento humano acabar? Como podemos evitar isso?

Alexandre Rossi – Sim, com certeza. Principalmente nos animais que são naturalmente mais sociais ou aqueles que mesmo não sendo, estejam numa fase mais social, como os filhotes, por exemplo. No caso de gatos filhotes, eles são mais dependentes nessa fase e podemos considerá-los mais sociais nesse momento. Já os cães são animais naturalmente muito sociais, especialmente algumas raças, como o poodle. Para evitar problemas comportamentais quando o isolamento humano acabar e as pessoas voltarem a ficar bastante tempo fora de casa, devemos acostumar os animais com pequenos intervalos de separação de seus tutores. Assim, quando houver uma grande separação, no caso do tutor ficar o dia todo fora trabalhando, por exemplo, eles poderão lidar melhor com a situação.
Essas pequenas separações do tutor podem ser treinadas através do comando conhecido como ‘fica’, seguido de afastamento do tutor, que depois deve voltar e fazer um carinho no cão. Posteriormente, o tutor deve ir aumentando cada vez mais o distanciamento físico e o tempo de duração dele para fazer um treino eficaz. Algo que também pode ajudar nesse treino é estimular o cão a comer petiscos ou um pouco da ração enquanto o tutor faz o treino para que o cão não deixe de comer quando tivermos que sair de casa mesmo. Quando o cão se alimenta, isso o ajuda a relaxar e ter bons momentos mesmo na ausência dos tutores. Para treinar isso, o ideal é que o cão esteja sempre dentro do peso adequado, porque nesse caso é normal que seu apetite aumente e, mesmo que se sinta sozinho, ele vai ter vontade de se alimentar.
As creches ou daycares também podem ajudar com esse problema, pois nesses locais os cães podem ter companhias de pessoas ou mesmo de outros cães enquanto os tutores estão ausentes. Tem ainda as plataformas de serviços online como o Pet Anjo ou o Dog Hero, nas quais o tutor pode encontrar alguém para ficar com seus pets em sua ausência para que eles não fiquem sozinhos.

ComCiência – Em relação aos gatos, animais considerados mais independentes do que os cães, a constante presença dos tutores em casa pode estressá-los ou eles gostam disso? Como podemos assegurar boa saúde mental desses animais na pandemia?

Alexandre Rossi – Pela minha experiência, os gatos sofrem quando têm crianças ou pessoas de modo geral, que não respeitam o espaço e o tempo destes animais. Nessas circunstâncias eles acabam se estressando. O importante para garantir que fiquem bem é que exista uma regra para que as pessoas não os incomodem, a não ser que eles mesmos se aproximem. Podemos tentar chamá-los ou atraí-los com brinquedos ou petiscos, mas se eles quiserem ficar onde estão, eu recomendo deixá-los assim, especialmente se estiverem em cima de algum lugar ou dentro de um esconderijo. Isso os ajuda a se sentirem mais confortáveis. Fora isso, não há problemas, a não ser em casos de gatos resgatados que não estavam acostumados ao contato frequente com seres humanos. Nesses casos, se eles ficarem escondidos a maior parte do dia, pode ser que o contato próximo com os humanos o tempo todo não esteja dando condições desses animais fazerem o que precisam como exercícios, usar a caixinha de areia, beber água ou mesmo comer.

ComCiência – Uma dificuldade para os tutores de cães na pandemia é a questão de levá-los para passear. Quais cuidados devem ser tomados com o cão ao entrar e sair de casa ou mesmo durante o passeio? Tem algo que pode substituir os passeios para os cães? 

Alexandre Rossi – Os principais cuidados que devemos ter ao levar os cães para passear  é evitar encontrar com outras pessoas, principalmente que não estejam usando as devidas proteções como óculos e máscaras de proteção, porque está cada vez mais claro que o contato direto entre pessoas é a principal forma de transmissão do novo coronavírus, principalmente a partir da boca ou do nariz de uma pessoa doente para os olhos, nariz ou boca de uma outra pessoa. Com esses cuidados, o tutor já vai reduzir muito o perigo de contrair a doença durante o passeio com o cão. Além disso, evitar grandes proximidades com outras pessoas na rua também ajuda, tanto para não transmitir quanto para não pegar o vírus.
A contaminação do próprio cachorro durante o passeio perdeu importância com as observações mais recentes de que é rara a contaminação através de superfícies, principalmente em locais externos e com luz solar. Assim, cuidados como lavar as patas dos cães na hora que retornar do passeio, por exemplo, reduziram em importância. Mas é claro que podemos limpar as patinhas deles na volta, como uma precaução a mais. Nesses casos, é importante fazer essa higienização das patas usando shampoo próprio para cães, conforme recomendações, para evitar problemas de pele nesses animais, lembrando sempre de enxaguar bem. Com relação à algo que possa substituir os passeios para os cães, isso é difícil, porque o passeio não representa apenas exercício para esses animais, mas também envolve diversos estímulos sensoriais importantes, como cheiros específicos e objetos ou situações que os cães podem ver e explorar. Mas brincar com o cão dentro de casa com uma bolinha, esconder os petiscos dele ou usar brinquedos interativos para estimulá-lo são atividades que podem ajudar a suprir o mínimo necessário para que o cão tenha uma vida saudável mesmo dentro de casa.  

Alexandre Rossi e seus pets. Os cães Estopinha e Barthô (da esquerda para a direita) e a gata Miah.  Créditos: Acervo pessoal do Alexandre Rossi

ComCiência – Você é tutor de dois cães, Estopinha e Barthô, e também de uma gata, a Miah. Tem algo que você fazia com seus pets antes da pandemia e que não está podendo fazer agora? Percebeu mudanças no comportamento deles por causa da quarentena?

Alexandre Rossi – Eu não estava passeando com meus cães durante a quarentena até conseguir estudar mais e obter mais informações sobre o novo [corona]vírus. Mas voltei a sair com eles ao perceber que os riscos de contaminação através de superfícies são muito pequenos, especialmente em ambientes externos e ensolarados. Hoje estou passeando com eles como eu passeava antes da pandemia, mas tomando os devidos cuidados, claro. Já para a minha gatinha não mudou nada, porque ela não passeia, ela fica apenas dentro do meu apartamento, que tem as janelas todas teladas.
Percebi mudanças comportamentais nos meus cães por causa da quarentena. Eles são bastante sociais e, antes da pandemia, saíam comigo com bastante frequência e também recebiam muitas visitas. Então, com a redução dessas atividades, por um lado eles estavam mais ansiosos, mas em outros momentos estavam mais entediados. Também acabei me dando conta de que sem as visitas aos petshops, precisaria improvisar e fazer algumas coisas para cuidar deles. Nesse processo, acabei deixando algumas coisas importantes passarem um pouco do tempo certo, o que aconteceu, por exemplo, com a tosa higiênica do Barthô. Percebi que tinha passado do tempo quando ele foi defecar e o pelo da região anal acabou grudando nas fezes. Já a Estopinha ficou com as unhas um pouco grandes demais, o que não acontecia antes provavelmente porque eles passeavam bastante. Depois que percebi essas coisas, fui me ajustando… Isso serviu de alerta não só para eu mesmo tomar conta deles, considerando as novas circunstâncias da quarentena, mas também aproveitei para ensinar outras pessoas a prestar atenção aos detalhes e como fazer para cuidar dos pets na pandemia. Como, por exemplo, cortar o pelo entre os coxins (almofadinhas) das patinhas para que pets não derrapem muito nos pisos lisos. Em relação à Miah, não notei nenhuma diferença. Ela continua carinhosa e brincalhona como sempre foi!