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Especialistas apontam riscos da transposição
do rio São Francisco

A conclusão dos pesquisadores reunidos no "Encontro Internacional sobre Transferência de Águas entre Grandes Bacias Hidrográficas", realizado no início de agosto em Recife, foi unânime: a transposição do Rio São Francisco, projeto com custo estimado em US$ 6,5 bilhões, não deve acontecer agora. O Documento de Avaliação elaborado durante o evento será encaminhado, ainda no mês de agosto, à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), uma das organizadoras do debate, em conjunto com o grupo de Recursos Hídricos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e o Centro de Estudos e Projetos do Nordeste (Cepen). O objetivo é que a avaliação técnica, isenta de questões políticas, subsidie as autoridades e a sociedade no momento da decisão. De acordo com declaração do ministro Ciro Gomes em emissoras de TV locais do Recife, no entanto, a decisão já foi tomada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O atraso do projeto se deve, somente, a divergências políticas entre os estados envolvidos.

O projeto prevê o abastecimento de água para consumo e industrialização da região Nordeste. A transposição consiste no bombeamento de águas do rio São Francisco para as bacias hidrográficas dos principais rios da região setentrional (norte) do nordeste brasileiro. A idéia se transformou em promessa eleitoral de Lula, mas já era discutida no governo FHC. Na verdade, a transposição é tão antiga quanto a seca nordestina. Segundo Clóvis Cavalcanti, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, há documentos do período de Dom João VI nos quais o projeto de mudoar o curso do rio já foi mencionado.

Para o engenheiro agrônomo João Suassuna, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e estudioso da questão hídrica nordestina, os especialistas reunidos no encontro estão conscientes de que o Nordeste tem potencial hídrico suficiente para abastecer suas populações, mas falta gerenciar os recursos e estabelecer critérios. Houve consenso de que se deve dar início a projetos de infra-estrutura hidrológica nas regiões receptoras (Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará), além de avançar nos estudos que visem o desenvolvimento regional. Suassuna diz que, de acordo com as necessidades futuras, poderia se viabilizar a transposição do Rio São Francisco, conforme conclusão dos técnicos, mas que, agora, pela natureza complexa e a dimensão do projeto, além do alto custo, a transposição não seria recomendada. "Seria como chover no molhado", afirma.

Dois dos estados que receberiam as águas do rio São Francisco, o Rio Grande do Norte e o Ceará possuem bacias hidrográficas que atendem à demanda atual. No primeiro, lembra Suassuna, fica a segunda maior represa do Nordeste, a Armando Ribeiro Gonçalves, com volume de 2,4 bilhões de m3 de água. "Essa represa, junto com águas sedimentares do subsolo, possibilitaria o fornecimento de água para o Rio Grande do Norte nos próximos 20 anos. Até lá, a transposição, com a devida infra-estrutura do Nordeste, poderia ser benéfica. Ou seja, a água existe, mas falta gerenciamento". No Ceará, localiza-se a maior represa do Nordeste, do Castanhão, com 6,7 bilhões de m3 de água.

"O que devemos fazer é cuidar dos mananciais desses estados", explica Suassuna, que questiona o alto custo da transposição, que levaria a essas regiões uma água trazida de 400 km de distância, enquanto há recursos mais próximos. Para ele, o governo estaria criando números de conveniência para conseguir a aprovação do projeto. Segundo dados divulgados, a vazão do São Francisco seria de 360m3/seg, mas o número real que Suassuna disse ter confirmado com outros pesquisadores seria de 240m3/seg. Além da distorção de dados científicos, a vazão do Rio não é suficiente para a implantação do projeto, o que implicaria efeitos ainda mais sérios em períodos de penúria hídrica, como a que houve em 2001, quando não havia vazão nem para gerar energia. Os técnicos do governo afirmam que, nessas circunstâncias, os estados deverão negociar o volume no momento da outorga.

Bahia, Alagoas e Sergipe se posicionam contrários à transposição, uma vez que parte da vazão do rio São Francisco que os abastece seria desviada. Em contrapartida, os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará defendem a iniciativa, por serem receptores. Enquanto Pernambuco, que tem áreas receptoras e fornecedoras, não se posicionou sobre o projeto, que teria um prazo estimado de 20 anos de implantação, período no qual o maior investimento seria realizado nos três primeiros anos no processo de desapropriação, implantação de rede elétrica e construção de canais.

"Não podemos admitir que façam política com a miséria do povo", afirma Suassuna, que disse já ter visto 'santinho' de candidato impresso com o mapa da transposição no verso. "A justificativa é acabar com a seca, mas não é verdade que 7 milhões de pessoas que passam fome e sede seriam ajudadas, porque eles vão estar a quilômetros de distância dos canais. O pequeno produtor não será beneficiado porque a água vai ficar cara", complementa. O pesquisador alerta ainda que os 300 mil hectares de terra beneficiados pela transposição a um alto custo estariam inviabilizando um projeto de irrigação mais coerente para a região. "Por trás dessas grandes produções de melões e mangas do Nordeste para exportação estão empresas enormes".

Para Cavalcanti, pouca coisa mudou desde que foi publicado em 1989, o livro Transposição do Rio São Francisco - A dimensão socioeconômica, da Fundação Joaquim Nabuco, resultado de uma pesquisa realizada em 1983 junto à população sertaneja. Naquela época, o debate estava tão em alta quanto agora. "Por trás, as empreiteiras se animavam com o projeto", afirma Clóvis Cavalcanti, pesquisador da Fundação que realizou a pesquisa e sobrevoou toda a área envolvida. Para ele, a conclusão foi que havia um total desconhecimento da população sobre o projeto que mudaria toda a vida local. Naquela época, o debate estava tão em alta quanto agora.

Entre as alternativas técnicas que existem para regiões áridas, diz Cavalcanti, existem as cisternas, as barragens subterrâneas ou as fazendas que praticam a agricultura "em seco" (dry farming), por exemplo. São soluções que não representariam um novo endividamento, como possivelmente aconteceria com a transposição, a ser realizada com recursos federais e estaduais. Cavalcanti afirma que iniciativas de transposição realizadas em outros países, como Espanha, Estados Unidos, China e Índia, tiveram grandes impactos ambientais. "O uso da água acaba sendo mal conduzido", conclui o pesquisador.


Leia mais sobre o assunto:
- O mito da transposição do São Francisco

Atualizado em 09/08/04
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