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Quadrinhos trazem assombro e fascínio com a ciência

Desde que os quadrinhos descobriram as ciências ficou difícil imaginar um super-herói, ou um vilão, cujos poderes não tivessem alguma conexão com os resultados das pesquisas científicas e tecnológicas. No Homem-Aranha, o cientista Peter Parker ganha poderes depois de ser picado por uma aranha exposta à radiação. Já os poderes do Homem de Ferro resultam de experimentos científicos de ponta e o Batman se aproxima de um cyborg que potencializa seus sentidos humanos através de aparatos high-tech.

Entre os vilões, Lex Luthor se destaca por infernizar a vida do Super-Homem com poderes que mesclam magia e ciência, e o Dr. Silvana, inimigo do Capitão Marvel, fica marcado pelo clichê do cientista louco, genial, maniqueísta e inescrupuloso. Para os especialistas, a maioria dos super-heróis se enquadra na cultura pop ocidental e cria para o leitor apenas imagens de deslumbre e assombro com os feitos da ciência.

As possibilidades de avanço real na crítica da ciência, e da sua relação com a sociedade, são apontadas nos quadrinhos de autores contemporâneos Alan Moore, Frank Miller e Grant Morrison.

Quadrinhos retratam os sintomas de uma era sob influência da ciência

Durante a Guerra Fria, a radiação invadiu as HQs conferindo, inclusive, super-poderes aos heróis. Atualmente, a engenharia genética, a robótica e a nanotecnologia são algumas das áreas científicas que têm movimentado a criação de roteiros e personagens nas HQs. Os autores dos quadrinhos parecem acompanhar o desenvolvimento das ciências e o que circula delas no imaginário popular. Quando surgiu a ovelha Dolly, por exemplo, uma série interminável do Homem-Aranha colocou em cena os clones. Os próprios poderes do Homem-Aranha no cinema já não resultam mais da picada de uma aranha radioativa, mas de uma aranha geneticamente modificada.

Gian Danton, pseudônimo de Ivan Carlo Andrade de Oliveira, professor titular de língua portuguesa do Centro de Ensino Superior do Amapá (CEAP), identifica em sua pesquisa de mestrado três momentos na relação entre ciência e quadrinhos. Um primeiro, em que a ciência praticamente não aparecia nos quadrinhos. Um segundo marcado por um misto de deslumbre e assombro com a ciência. E um terceiro, do qual fazem parte roteiristas como Alan Moore.

“O segundo momento é meio romântico, no sentido literário. Temos o preto e o branco, não há o cinza. Os heróis ou os vilões são cientistas ou adquirem poderes via ciência. Em geral, não há um cientista, uma pessoa, com aspectos positivos e negativos. A ciência ou é totalmente boa ou totalmente má”, comenta Danton. Capitão América e o Quarteto Fantástico são bons exemplos dessa fase. Já no terceiro momento, Danton destaca o surgimento das discussões éticas que envolvem o fazer científico.

Igualdade 1 Igualdade 2 Igualdade 3

Desenhos da série "Artelectos e Pós-humanos" de Edgar Franco (Clique para ampliar)

Preciosas pedras-nos-sapatos das ciências

Embora a maioria dos quadrinhos seja considerada como “cultura pop rasa”, como avalia Edgar Franco, ou um “baile de fantasiados se debatendo, que reflete a sociedade atual”, como diz Gazy Andraus, ou ainda “um fenômeno pré-adolescente norte-americano”, como desabafa Flávio Calazans, existem obras que são consideradas geniais pelos especialistas na área. Para esses três autores, pesquisadores e especialistas em quadrinhos, essas pedras preciosas promovem uma desestabilização nos sentidos de ciência e tecnologia que circulam comumente nos quadrinhos e outras mídias.

“A arte e os quadrinhos devem manter uma visão crítica madura em relação às ciências, pois estas últimas precisam de algumas pedras nos sapatos”. Edgar Franco.

Destacam-se o Homem-Animal de Grant Morrison, que focaliza as implicações sócio-políticas do fazer científico. Em praticamente todas as histórias, Morrison faz uma crítica à utilização de animais nas experiências científicas e traz sempre como pano de fundo a questão filosófica: para onde a ciência vai nos levar?

Já Alan Moore, destaca-se por Miracleman e Watchmen. Em Miracleman, o super-herói é apresentado como um produto fracassado de um cientista nazista que desejava criar um homem que fosse a realização do mito do super-homem proposto por Nietzsche. Já em Watchmen, Moore se utiliza da teoria do caos, da ciência fractal e da física quântica para discutir como a ciência interfere em cada ponto mínimo de nossas vidas e, uma vez que esses pequenos eventos podem provocar grandes mudanças, questionar o poder e responsabilidade dos cientistas. Para Danton, “O Dr. Manhatan, em Watchmen, vai representar isso muito bem. Quando ele está em Marte e a história diz 'o destino do mundo está nas mãos do Dr. Manhatan', é como se Alan Moore dissesse que, em alguns momentos, o destino do mundo está nas mãos dos cientistas”.

Longe de simplesmente humanizar os heróis, Moore problematiza a existência deles na sociedade. “Watchmen” é uma referência à idéia de “quem irá vigiar os vigilantes?”. Os super-heróis de Moore começam a ser temidos pela população. A polícia reclama que eles estão tomando seu lugar e os governos tentam regulamentar o trabalho deles. Os heróis que não se submetem às leis são mortos misteriosamente ou viram foras-da-lei. Mais tarde, coisas estranhas começam a acontecer e os antigos super-seres decidem reaparecer para investigar, gerando revolta e medo na população. Para Gazy Andraus, doutorando do Núcleo de Pesquisa em História em Quadrinhos da ECA/USP, o Dr. Manhatan “é uma metáfora da ciência. É Frankenstein, um filho que precisa ser criado para um melhor desenvolvimento social, bem cuidado, mas que se rebela, torna-se incontrolável. Se isso será para o bem ou para o mal Moore não coloca, porque a moral ali torna-se amoral”.

Flávio Calazans, doutor em comunicação, lembra ainda das séries escritas por J. Michael Straczynski. Em Poder supremo, Straczynski apresenta uma releitura de super-heróis e naves cultivadas, orgânicas, “uma boa apropriação da biotecnologia, com seus aspectos positivos e negativos, como deveria ser uma boa crítica”, avalia.

Quadrinhos abusam da ciência

A forma como os quadrinhos têm se apropriado das ciências é bastante diversa, mas em qualquer delas o resultado que se obtém não corresponde mais à ciência produzida pelos cientistas em suas pesquisas. Por vezes, essas mudanças que ocorrem na ciência são consideradas como distorções e erros, como aponta o livro The science of superheros. Os autores, Lois Gresh e Robert Weinberg, identificam em diversas obras a ciência que dá embasamento à criação dos personagens e roteiros. Além disso, os autores sinalizam com aquilo que é ou não possível de acordo com a ciência como, por exemplo, a impossibilidade de transformar David Banner em Hulk através do bombardeio com raios-gama.

Para Andraus “o interessante não é ler os gibis com olhos de verossimilhança, mas perceber por trás das idéias que circulam nos quadrinhos os sintomas de uma era, os sintomas das descobertas científicas de uma época”. Muitos quadrinhistas se utilizam de conceitos que estão no imaginário social sem se preocupar com o significado científico deles. Outros, como Moore e Morrison, realizam profundas pesquisas sobre os assuntos científicos e se apropriam deles muito mais preocupados em fazer uma crítica à ciência do que divulgar conceitos.

Edgar Franco, que é professor da PUC de Poços de Caldas, ressalta que a potência das HQs, assim como do cinema e da literatura de ficção, reside exatamente nessa liberdade de apropriação. “São formas de arte legítima e que têm todo o direito de se apropriar da ciência como bem entenderem. Elas devem mesmo funcionar como questionadoras e colocar em xeque as conquistas da ciência, pois os avanços tecnológicos não têm sido acompanhados por um avanço ético. O discurso da ciência neutra, ou da ciência em prol do bem comum é simplista e não cola mais, todos sabemos que boa parte dos avanços se deve a iniciativas relacionadas com o poder”.

(SD)


Conheça mais sobre os entrevistados desta matéria:

Novo Fotolog de Edgar Franco: http://www.fotolog.net/edgar_franco

Site Pessoal Edgar Franco (em fase de atualização): http://www.geocities.com/ritualart.geo

Site pessoal Flávio Calazans: http://www.calazans.ppg.br/

Dissertação de mestrado de Gian Danton http://virtualbooks.terra.com.br/livros_online/gian/01.htm

Artigo de Gazy Andraus: “Como usar as histórias em quadrinhos nas salas de aula”

http://www.omelete.com.br/quadrinhos/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=2204

Projeto HQMente de Gazy Andraus: http://www.geocities.com/gazyandraus


Leia mais sobre o tema nos sites de divulgação de HQs:

http://www.omelete.com.br

http://www.universohq.com

http://www.alanmooresenhordocaos.hpg.ig.com.br

http://hq.cosmo.com.br

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Atualizado em 10/10/2004

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