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Inovação em clusters emergentes

Carlos O. Quandt

A inovação ocupa hoje um lugar central nas discussões sobre competitividade empresarial e, cada vez mais, na formulação de políticas de desenvolvimento regional. Os motivos são claros: em estudos realizados nos países mais desenvolvidos, estima-se que a inovação é responsável por 80% a 90% do crescimento da produtividade. Sabendo-se também que o aumento da produtividade responde por mais de 80% do crescimento econômico, a inovação é essencial para ampliar as oportunidades de ganhos econômicos e sociais das cidades, regiões e países.

Com a crescente globalização econômica, os avanços tecnológicos se difundiram rapidamente, porém de forma desigual. O divisor entre os países mais desenvolvidos e os outros tende a ser definido cada vez mais pela capacidade relativa de inovar, difundir e aplicar conhecimento, deixando as dotações tradicionais de capital, recursos naturais ou mão-de-obra barata em segundo plano. Como disse Peter Drucker, "na sociedade do conhecimento... não existirão países pobres; existirão países ignorantes". O acesso ao conhecimento tecnológico, o desenvolvimento do capital humano, a inovação contínua e a adoção de padrões mundiais de qualidade e produtividade são fatores essenciais para sustentar a competitividade.

Ao mesmo tempo, é preocupante constatar que o Brasil vem perdendo espaço no campo da inovação tecnológica, mesmo entre os países em desenvolvimento. Dados da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi) mostram que, em meados dos anos 90, o Brasil representava 16,3% das patentes registradas por países em desenvolvimento. Atualmente, são apenas 4,2%. Os sul-africanos possuem o dobro das patentes do Brasil, e a Coréia, cerca de dez vezes mais. Reconhecidamente, nosso país investe pouco em pesquisa e desenvolvimento, principalmente por parte do setor privado. Isso é agravado pela capacidade limitada de converter o investimento em inovação, que é a introdução de novos produtos, serviços ou métodos de produção numa organização ou no mercado.

Os reflexos dessas deficiências na produtividade e competitividade regional e nacional são extremamente sérios. A título de comparação, a produtividade do trabalhador brasileiro corresponde a apenas 27% da média dos EUA. As diferenças são igualmente marcantes dentro do próprio país. Uma pesquisa do IBGE em 2001 mostra que a produtividade das empresas inovadoras no Brasil é 50% a 350% superior à média do setor onde elas atuam. Constata-se também que as empresas inovadoras brasileiras são muito mais competitivas, e são 48% mais propensas a exportar do que as não-inovadoras.

Nesse aspecto, as disparidades que existem entre países, e mesmo localidades e regiões dentro de cada país, revelam grandes assimetrias na distribuição espacial da capacidade inovadora. Isto sugere que o processo de inovação demanda formas específicas de coordenação e apoio ao aprendizado tecnológico. As diversas configurações institucionais em diferentes locais e seus vínculos com o sistema produtivo traduzem-se em diferenças na capacidade de inovar e promover a difusão de tecnologia.

Para entender essas diferenças, é preciso considerar que a inovação não se restringe à invenção, ou solução meramente técnica. O processo de inovação inclui todos os passos necessários - técnicos, gerenciais, comerciais e financeiros - para introduzir um produto ou processo, novo ou aperfeiçoado, no mercado. Conseqüentemente, as atividades de gestão, organização, capacitação e vínculos necessários ao processo de inovação extrapolam os limites da firma e se estendem ao contexto produtivo local, regional e nacional.

O caráter localizado dos processos de aprendizado e da inovação permite caracterizar esses arranjos institucionais como sistemas locais e regionais de inovação. O termo "cluster", ou "aglomerado", ou ainda "arranjo produtivo local" é usado para indicar uma concentração setorial e geográfica de firmas e outros agentes econômicos. Ele caracteriza-se pela existência de interdependências entre os agentes e freqüentemente conta com o apoio de serviços técnicos e financeiros especializados, além de instituições públicas e privadas para promover o desenvolvimento econômico local. Este tipo de arranjo facilita a aprendizagem coletiva e a inovação através de coordenação implícita e explícita.

Uma explicação da geografia econômica para o surgimento dos clusters relaciona-se aos custos de transação entre as empresas. A proximidade geográfica facilita as negociações e reduz os custos, principalmente quando as transações envolvem alta complexidade, variabilidade e incerteza. Em outras palavras, o sucesso de um dado aglomerado setorial é em grande parte uma construção social, segundo Paul Krugman: a sobrevivência de empresas individuais não resulta somente dos seus próprios esforços, mas depende dos efeitos mutuamente fortalecedores do sucesso de cada uma.

Além das transações econômicas e da criação do que os economistas chamam de "externalidades positivas" associadas à proximidade entre as empresas, a aglomeração facilita interações e interdependências não estritamente mediadas pelo mercado, já que este é um condutor ineficiente para a difusão de informação e conhecimento. Isto é particularmente claro com relação à difusão do conhecimento tácito, que não pode ser facilmente codificado, ou escrito, e transmite-se através do contato pessoal direto.

Observa-se também que a prosperidade dos aglomerados depende de ações conjuntas deliberadas ou planejadas do setor privado e do setor público (normalmente universidades e instituições de pesquisa) para criar ambientes inovadores e construir sinergias entre agentes com capacidades complementares. Este processo é essencialmente territorial, através do qual pessoas que compartilham o mesmo espaço descobrem as vantagens de aprender pela interação. O aglomerado beneficia-se de sua rede complexa de interações porque a inovação raramente acontece em isolamento. O processo de inovação é uma atividade experimental, baseada em tentativas, erros e acertos, e cada agente pode buscar idéias de uma ampla matriz de instituições, e tirar proveito da divisão de trabalho na geração de conhecimento e habilidades. Assim, a capacidade inovadora do cluster é ampliada com a redução das incertezas através do compartilhamento das informações, e da criação de uma base durável de relacionamentos para a construção de competências.

Portanto, o território de um aglomerado de inovação não é simplesmente uma área geográfica, mas um recurso ativo para o aprendizado através de intensa interação entre um amplo conjunto de atores. A capacidade de criação de conhecimento de cada firma está fortemente relacionada com a sua interação com outras firmas, num processo de aprendizagem coletiva que envolve trocas de conhecimento parcialmente tácito e parcialmente codificado.

Durante o processo de evolução da rede de relacionamentos entre os atores, desenvolve-se um processo de aprendizagem através da cooperação e da construção de um elemento extremamente valioso, que é a confiança mútua. Estes elementos constituem um recurso compartilhado intangível que pode superar antagonismos com a elaboração de projetos e programas integrados em parcerias envolvendo os setores público e privado. Em resumo, os mecanismos de inovação sistemática caracterizam-se pela intensidade de interações entre agentes diversos, e essa rede de interações é facilitada pela proximidade geográfica.

No Brasil, existem muitos clusters, constituídos principalmente de pequenas e médias empresas (PMEs). Na sua maioria, esses clusters apresentam baixos índices de inovação tecnológica. Não existem clusters inovadores completamente desenvolvidos, mas apenas o que podemos caracterizar como clusters emergentes que reúnem empresas de base tecnológica, como os de Campinas e São Carlos, no estado de São Paulo.

As PMEs possuem um grande potencial para acelerar o crescimento econômico, ampliar sua participação nas exportações e promover um padrão de desenvolvimento mais desconcentrado e eqüitativo nas regiões menos desenvolvidas. Contudo, a pequena empresa brasileira em geral inova pouco. A pesquisa já mencionada revelou a existência de inovações em apenas 21,7% das empresas com até 99 funcionários, em contraste com 69,7% das grandes empresas.

O desenvolvimento de clusters e redes pode melhorar a posição competitiva de PMEs e reduzir os problemas relacionados ao seu tamanho através da ajuda mútua. A cooperação horizontal e a criação de externalidades positivas entre PMEs em aglomerados contribuem para gerar vantagens competitivas através da "eficiência coletiva", conforme apontado por Hubert Schmitz. As vantagens da cooperação entre PMEs em redes territoriais estão associadas a economias coletivas de escala, os benefícios da disseminação de informações e divisão do trabalho entre firmas. Estes benefícios tendem a aumentar quando os custos de transação são baixos, e estes por sua vez tendem a diminuir com a proximidade geográfica e o estabelecimento de infra-estrutura compartilhada, normas comuns e regras tácitas para cooperação.

Os exemplos de clusters bem sucedidos têm motivado estudos que buscam identificar os fatores fundamentais para a dinamização do processo de inovação, dada a sua importância para o desenvolvimento regional. Neste contexto, o grande desafio da inovação para o gestor público é implementar políticas locais e regionais para reforçar a competitividade dos clusters. Não existe uma "receita" de política de aplicação geral, e o papel do Estado como controlador dos investimentos pode ser descartado juntamente com as antigas políticas de subsídios e isenções tributárias. Esse tipo de política tende a gerar as chamadas guerras fiscais ou zonas francas, com resultados tipicamente negativos do ponto de vista do investimento público.

Em contraste, a experiência dos clusters de alta tecnologia em países desenvolvidos demonstra o papel fundamental das políticas capacitantes, tais como suprimento de capital de risco ou apoio para pesquisa, tipicamente implementadas nos níveis local e regional. Ou seja, a intervenção pública deve ser antes de tudo indutora e facilitadora das ações coletivas localizadas, com políticas voltadas à criação ou consolidação das vantagens competitivas regionais.

Mais especificamente, as políticas de apoio devem ser pautadas pelo amplo envolvimento dos diversos atores para garantir sinergia entre cooperação privada e apoio público nos clusters. Isso pode ser feito em três frentes de ação, conforme proposto por Allen Scott, desde o nível mais prático ou operacional, até o nível estratégico, orientado a ações de longo prazo.

No primeiro nível, trata-se de assegurar o suprimento adequado de infra-estrutura e serviços críticos para as atividades locais ou regionais, como a pesquisa aplicada aos produtos e processos produtivos locais, formação de recursos humanos, informações sobre mercados, e marketing de produtos locais e regionais. O segundo nível envolve o estímulo à formação e consolidação das redes de cooperação entre empresas, para melhorar a eficiência das suas interações e facilitar o aprendizado mútuo. Isto inclui a formação de consórcios, associações e parcerias público-privadas. Finalmente, o nível estratégico refere-se a questões relacionadas a tendências industriais de longo prazo e estratégias para administrar o desenvolvimento local e regional. Estas ações podem levar à constituição de uma entidade gestora do cluster, conselhos econômicos e fóruns com os principais representantes locais, instituições financeiras e órgãos públicos.

A criação desse contexto capacitante para a inovação aumenta as perspectivas de sobrevivência do cluster num contexto de rápidas mudanças tecnológicas e organizacionais. Além disso, é uma forma de construir um processo de participação contínua, reforçando a coesão social e as relações de confiança que são construídas ao longo do tempo no sistema produtivo local.

Evidentemente, existem obstáculos consideráveis para o sucesso desse tipo de estratégias, como podemos verificar com base nas experiências de políticas regionais de inovação em todo o mundo. É necessário empreender esforços concentrados, contínuos e duradouros para a constituição de redes de cooperação entre firmas e a formação de um sistema regional de inovação a partir das vocações locais. Este esforço - e a conseqüente consolidação de um cluster inovador de sucesso - pode levar décadas. Portanto, a capacidade de reproduzir essa dinâmica de ciclos virtuosos, mesmo nos clusters mais promissores, esbarra freqüentemente nas limitações inerentes à intervenção isolada das esferas locais e regionais, bem como na descontinuidade político-administrativa. Nesse aspecto, devemos destacar os esforços recentes do Sebrae visando estabelecer programas mais abrangentes e duradouros para o fortalecimento dos arranjos produtivos locais no Brasil.

Carlos O. Quandt é professor dos programas de Pós Graduação em Administração e Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e coordenador do Grupo de Pesquisa em Gestão do Conhecimento e Inovação da PUCPR.


Referências:

ALTENBURG, T.; MEYER-STAMER, J. How to promote clusters: experiences from Latin America. World Development 27, 9, 1999.

DRUCKER, Peter F. The age of social transformation. The Atlantic Monthly, V. 274, N. 5, Nov. 1994, p. 53-80.

KRUGMAN, Paul. What's new about the new economic geography? Oxford Review of Economic Policy 14, 2, 1998.

SCHMITZ, Hubert. Clustering and industrialization: Introduction. World Development 27, 9, 1999.

SCOTT, Allen. The geographic foundations of industrial performance. In: CHANDLER, A et al., (eds.), The Dynamic Firm - The Role of Technology, Organization and Regions. Oxford: Oxford University Press, 1998.

Sites da Internet:

Organização Mundial de Propriedade Intelectual:

http://www.wipo.int/

IBGE - Pesquisa Industrial - Inovação Tecnológica (PINTEC):

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/industria/pintec/apresentacao.shtm

SEBRAE - atuação em arranjos produtivos locais

http://www.sebrae.com.br/br/cooperecrescer/arranjosprodutivoslocais.asp

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Atualizado em 10/08/2004

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