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Ficção científica problematiza o presente em todos os tempos

Apesar das obras de ficção científica serem, em sua grande maioria, voltadas para temáticas futuristas, elas não podem ser vistas como instrumentos de antecipação de problemas envolvendo a ciência, a tecnologia e suas respectivas soluções. No entanto, ela oferece um terreno fértil para a discussão de temas contemporâneos, como identidade, e para o desenvolvimento de atividades educacionais e de formação de opinião. Entender a origem e a constituição da ficção científica, assim como as pesquisas sobre a mesma, é fundamental para entender a sua potencialidade nesse sentido.

Segundo a pesquisadora da PUC-RS, Adriana Amaral, um dos casos mais lembrados em que fenômenos futuros foram retratados em obras de ficção científica é o do autor H.G. Wells (1866-1946), que chegou a escrever sobre batalhas aéreas e armas atômicas antes da sua existência. Wells, juntamente com Júlio Verne (1828-1905), é apontado como um dos grandes autores do período clássico da ficção científica, correspondente aos anos de 1818 a 1938, quando o gênero constituiu-se como uma vertente da literatura.

A maioria dos pesquisadores sobre o assunto, no entanto, considera a ficção científica como referente ao tempo presente: “Apesar do futuro aparecer como temática central da ficção científica, ele pode ser considerado uma metáfora do presente, que dá a tônica das histórias, seja através de uma crítica, seja através de paródias”, afirma Amaral. Deste modo, a ficção científica cresceu nos EUA principalmente na década de 20, período de rápido avanço industrial, quando o país emergia como uma grande potência. Após a grande depressão de 1929, segue-se um período de desilusão, quando surge a obra Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, por exemplo.

O período clássico é seguido pela chamada Era Dourada (1938-1960), correspondente ao momento histórico em que ocorre a fissão do urânio e a invenção da bomba nuclear, feito que passou a integrar uma série de revistas populares de entretenimento. “Novamente instaurada a fé no progresso científico, muitos são os escritores que atingem a fama com suas obras: Issac Asimov, Arthur Clarke, John Campbell, entre outros”, explica Amaral. A pesquisadora ressalta que as principais temáticas dessa fase giram em torno do controle demográfico, da possibilidade de um governo mundial, de fontes de energia permanentes, dos robôs, da clonagem, entre outros.

Dos anos 60 até os anos 80, vem a fase que é denominada a Nova Onda (New Wave). Neste período, a efervescência cultural da década de 60, permeada pelos movimentos pela paz mundial, ampliação dos direitos civis e questionamento de valores tradicionais, culmina com mudanças drásticas na ficção científica. Ocorre o surgimento dos heróis solitários, paranóicos e angustiados por questões existenciais, em substituição aos “mocinhos intrépidos” da Era Dourada. “Textos até então baseados apenas em conceitos das ciências exatas aproximam-se também das humanas, numa tentativa de aproximação com o indivíduo”, completa Adriana Amaral. Surgem autores que influenciariam a última fase da ficção científica, denominada como cyberpunk, correspondente ao período dos anos 80 até os dias atuais: Harlan Elison, Samuel Delany, Norman Spinrad, Brian Aldiss, Michel Moorcok, J.B.Ballard, entre outros.

A fase do cyberpunk, é o principal objeto de estudo de Amaral. O período tem como característica a assimilação da cultura de massa (ou cultura pop) à ficção científica, que envolve elementos como a cultura hacker, o rock e a própria cultura do computador como um todo. “Essa abordagem abre espaço para novos questionamentos e para a diminuição nas diferenças entre animais, humanos e andróides, entre outros”, menciona a pesquisadora. Amaral também identifica em seu estudo características marcantes dos romances da ficção gótica do século XVIII, cujo exemplo clássico é o Frankenstein, de Mary Shalley, em todos os períodos mencionados: “Os fantasmas que permeavam os romances góticos tomam conta da ficção científica através de suas representações monstruosas e deformadas do Período Clássico, alienígenas e robôs da Era Dourada, máquinas e elementos não-humanos cotidianos da Nova Onda e, finalmente, misturadas a elementos humanos no cyberpunk”, afirma.

A periodização com a qual Amaral trabalha, no entanto, usa como base essencialmente uma bibliografia estrangeira. A própria pesquisadora admite que a ficção científica é um gênero com pouca popularidade no Brasil, inexistindo um campo ou mercado específico. Essa problemática é atribuída por ela, em parte, ao contexto histórico-cultural, já que o gênero surge no exterior concomitante aos avanços científicos e tecnológicos, bastante recentes no Brasil. Sendo um gênero que é bastante desenvolvido apenas na Europa e nos EUA, ele acaba sendo muitas vezes ignorado em programas de pós-graduação: “Mesmo em alguns programas que possuem literatura inglesa e norte-americana, a ficção científica é completamente ignorada, assim como os gêneros de horror e de fantasia, considerados co-irmãos”, completa Adriana Amaral.

No entanto, a possibilidade de expansão do estudo e da popularidade da ficção científica se dá exatamente pelas potencialidades que o tema encerra no universo contemporâneo. Em um momento em que o Brasil se volta para o investimento e discussão de questões éticas da ciência e da tecnologia, as histórias em quadrinho sobre ficção científica, por exemplo, podem ganhar destaque. Segundo o professor de comunicação da Universidade Federal do Amapá (Unifap), Ivan Carlo, os quadrinhos contribuem para difundir paradigmas científicos, acostumando novas gerações a conceitos relacionados a revoluções científicas. Segundo afirma, os leitores da ficção científica literária são adultos, pouco propensos a mudanças, diferentemente dos quadrinhos, lido majoritariamente por jovens, que ainda não têm paradigmas estabelecidos: “Isso faz dos quadrinhos <link para reportagem da Susana> o instrumento ideal para formar pessoas que mais tarde serão cientistas mais abertos a mudanças”, afirma.

Já para o biólogo Antonio Carlos Amorim, professor da Faculdade de Educação da Unicamp, as obras ficcionais, incluindo a ficção científica, oferecem elementos importantes para a discussão de temas como identidade, explorando limites entre o ser-humano e o não-humano: “Um dos marcos da discussão contemporânea, as identidades dos seres humanos, há muito deixaram de ser de interesse e explicação restritos às ciências biológicas, à psicologia ou às ciências sociais”, afirma. Amorim participa da organização de uma exposição no Museu Dinâmico de Ciência de Campinas (MDCC), onde as figuras de super-heróis, ciborgues, mutantes e monstros, que fogem do padrão comum de definição do “humano”, são usadas para discutir identidades, no contexto atual, definido por ele como pós-moderno.

A exposição compreende uma série de atividades interativas, em que o visitante pode ter contato tanto com os processos de transformação deste humano em um dos personagens ficcionais, como com os ambientes, personagens e instrumentais envolvidos nessa transformação. Amorim também afirma que, neste contexto, a ciência não estará presente como algo que simplesmente explica e conceitua fenômenos, mas como uma forma específica de definição e, portanto, de constituição da identidade do ser humano.

Mais informações sobre a exposição podem ser obtidas no próprio museu, pelo telefone (19) 3241 0002.

(DC)

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Atualizado em 10/10/2004

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