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                   A 
  conservação e uso eficiente de energia no Brasil 
Gilberto 
  De Martino Jannuzzi 
Conservar energia não é uma novidade 
  no Brasil. O país vem desenvolvendo esforços para conservar energia 
  desde meados da década de 80, quando foram criados dois programas nacionais: 
  o Procel (eletricidade) e o Conpet (derivados de petróleo).  
Embora outras iniciativas anteriores tivessem ocorrido, esses dois programas 
  foram a maior expressão do interesse do governo federal e uma manifestação 
  favorável de se estabelecer uma política pública para a 
  área de energia que incorporasse a necessidade de controlar a demanda 
  de energia. Na verdade, achamos mais razoável aceitar que os principais 
  fatores que motivaram a criação dos programas foram as fortes 
  pressões ambientais internacionais que começaram a pesar sobre 
  o Brasil na época e que foram traduzidas em condicionantes e cláusulas 
  nos empréstimos de bancos e governos ao setor de energia brasileiro. 
  Com exceção de alguns resultados importantes e de algumas iniciativas 
  sérias, sempre existiu muito de marketing e esses programas serviram 
  como ábili conveniente em diversos foros internacionais. 
Não se trata de fazer aqui uma avaliação desses programas, 
  mas é fato que o país está a quase 30 anos atuando em conservação 
  e uso eficiente de energia sem um contexto apropriado de política para 
  eficiência energética. Se houve uma política, pode-se dizer 
  que ela tem sido no mínimo caracterizada por espasmos de lucidez e esquizofrenia 
  o tempo todo.  
Fomos capazes de promover iniciativas bem sucedidas com criação 
  de leis, alguns programas específicos de conservação, regulamentos 
  e mecanismos modernos e úteis para avançar a introdução 
  de melhores tecnologias e práticas para uso eficiente de energia. Em 
  contrapartida, temos sido medíocres na gestão e implementação 
  inteligente das mesmas. Infelizmente, a resultante final dos esforços 
  desses quase 30 anos, é modesta e frustrante para aqueles que conhecem 
  o potencial e as oportunidades perdidas. 
Vejamos alguns exemplos.  
Quando se começou a privatização de empresas do setor 
  elétrico, foram colocadas cláusulas nos primeiros contratos de 
  concessão sobre obrigações de investimentos em eficiência 
  energética, mostrando a importância que o setor público 
  conferiu ao tema. Isso se tornou regra a partir de 1998, quando a recém 
  criada Aneel estabeleceu uma determinação de investimento de 1% 
  da receita operacional líquida das empresas de eletricidade em programas 
  de Eficiência Energética e de Pesquisa e Desenvolvimento.  
  Desde então o país nunca teve tantos recursos dedicados a programas 
  de eficiência energética. Iniciou-se uma fase onde os recursos 
  passaram a ser muito maiores que aqueles historicamente destinados a essas atividades. 
  Para se ter uma idéia, no ciclo 2003/04 mais de R$ 185 milhões 
  foram aplicados pelas empresas enquanto que o Procel investiu R$ 29 milhões 
  em 2003. Mais de R$ 400 milhões têm sido investidos pelas empresas 
  desde 1999 em programas de eficiência energética, o que é 
  muito significativo.  
No entanto, uma pergunta deve ser feita: quantos quilovates foram economizados 
  com todos esses investimentos? Difícil dizer. As avaliações 
  são frágeis, os números apresentados pela Aneel e pelas 
  concessionárias não inspiram muita credibilidade. As concessionárias 
  por melhor intencionadas que sejam vivem um conflito de interesse permanente, 
  pois como vão realizar bons programas de conservação se 
  são remuneradas pelas vendas de energia? É também fácil 
  entender que é mais prático para a Aneel fiscalizar as despesas 
  com os programas, que avaliar o desempenho dos mesmos, uma atividade muito específica 
  e técnica, muito diferente das atribuições usuais de um 
  regulador. Mas o que realmente nos interessa é que se conserve o máximo 
  de energia com o menor investimento possível. É provável 
  que se esteja gastando muito para se economizar poucos quilovates.  
Ainda outro exemplo de esquizofrenia de nossa “política de eficiência 
  energética”. O apagão dos anos 2001-02 teve o benefício 
  de ter sido uma demonstração concreta das possibilidades e o impacto 
  das medidas de conservação e de eficiência energética. 
  Uma das importantes conseqüências foi ter desenterrado e melhorado 
  um projeto de lei que tramitava há mais de dez anos no Congresso. Essa 
  lei aprovada no final de 2001 é conhecida como Lei de Eficiência 
  Energética e tem como objetivo estabelecer índices de consumo 
  máximo de equipamentos comercializados no país. Pois bem, até 
  agora somente motores (e apenas um tipo de motor) foi objeto de estudo e possui 
  normas de eficiência. A aplicação dessa lei no longo prazo 
  deverá melhorar continuamente a eficiência dos equipamentos consumidos 
  pelos brasileiros. Essa é obviamente uma área onde importantes 
  interesses de fabricantes e suas estratégias de desenvolvimento de produtos 
  podem criar conflitos com metas de aceleração de introdução 
  de inovações que poderão ter maiores benefícios 
  para a sociedade. O progresso com a implementação da lei tem sido 
  incompreensivelmente lento e mesmo os avanços que se verificaram com 
  o chamado Programa Brasileiro de Etiquetagem já deixaram de nos impressionar 
  há algum tempo.  
Mais um terceiro exemplo de ações que favorecem o avanço 
  da eficiência energética: a partir do ano 2001 foi criado um fundo 
  nacional chamado CT-Energ. Esse fundo possui um documento de diretrizes estratégicas 
  disponível no site do Ministério da Ciência e Tecnologia 
  onde se verifica que é outra fonte de recursos para financiar não 
  só o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes que nossa indústria 
  pode estar fabricando, como também pode financiar programas de eficiência 
  de interesse público, complementando de maneira inteligente as atividades 
  que as empresas podem estar fazendo dentro de uma visão mais comercial. 
  Pois bem, de um total de R$ 481 milhões que foram recolhidos das empresas 
  de energia (esse fundo também recebe um percentual das vendas de eletricidade) 
  somente R$ 144 milhões foram gastos até agora. Uma parcela desses 
  recursos já foram utilizados em programas de treinamento em eficiência 
  energética e em melhoria de infra-estrutura de laboratórios para 
  poder apoiar a eventual demanda da implantação da Lei de Eficiência 
  Energética, uma vez que haverá a necessidade de certificação 
  dos novos equipamentos para atendimento de índices de consumo permitidos. 
  A sistemática de contigenciamento dos recursos do CT-Energ (e dos demais 
  fundos setoriais) dificulta o planejamento e a mobilização de 
  investimentos de maneira consistente ao longo do tempo.  
Como é possível verificar conservação de energia 
  não é algo novo para os brasileiros e tem habitado o cardápio 
  dos diversos responsáveis de plantão da política energética. 
   
  O discurso público e privado aprendeu a incorporar muito bem o politicamente 
  correto conceito de conservação e eficiência energética. 
  Mas, na prática parece sempre haver uma prevalência de aspectos 
  de marketing relacionados com a eficiência energética tanto por 
  parte das empresas como também dos órgãos públicos 
  do que uma efetiva preocupação com estabelecimento de metas e 
  conhecimento das ações de eficiência energética. 
  A falta de sintonia entre as ações do CT-Energ, dos investimentos 
  das concessionárias supervisionados pela Aneel, das ações 
  do Procel, entre outros, são uma demonstração disso. 
O país foi capaz de criar recursos significativos, leis e regulação 
  favoráveis à conservação e uso eficiente. E paradoxalmente, 
  quase que anulando esses esforços, tem faltado visão, coordenação 
  entre agentes e consistência de ações.  
A natureza dos esforços de eficiência energética é 
  muito diferente daquele relacionado com a oferta de energia. As oportunidades 
  existentes são mais difusas e os efeitos mais significativos e permanentes 
  só aparecem através de uma política consistente de transformação 
  do mercado de energia. Essas transformações são conseguidas 
  persistentemente através de acompanhamento, e avaliação 
  da introdução de mudanças tecnológicas e informação 
  ao mercado.  
Não haverá progressos enquanto continuarmos com espasmos periódicos 
  de lucidez e a manutenção de sinais contraditórios de uma 
  política que não é capaz de convergir esforços e 
  investimentos para potencializar os benefícios da eficiência energética 
  para a sociedade. Perdemos todos. 
Gilberto De Martino Jannuzzi é professor associado em sistemas energéticos 
  da Faculdade de Engenharia Mecânica, da Unicamp e diretor-executivo da 
  International Energy Initiative, uma ONG internacional. 
 
 
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