Bomba 
    atômica foi fecundada pela relatividade, mas nasceu 
    de múltiplas descobertas científicas
  
     
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          Reprodução  | 
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         Fórmula 
          aparece em manuscrito do artigo "O problema mais  
          urgente de nossa época", que Einstein escreveu para a revista 
          de  
          divulgação científica Illustrated Science, 
          em alemão, em 1946  | 
    
  
  Uma 
    pequena quantidade de massa, quando multiplicada pela velocidade da luz (cerca 
    de 300 mil quilômetros por segundo) ao quadrado, pode ser convertida 
    em uma enorme quantidade de energia (E=mc²). A fórmula que consagrou 
    Albert Einstein entre leigos, demonstrada em artigo 
    publicado em 1905, permaneceria 27 anos sem ser comprovada até fertilizar 
    a mente de cientistas que, aos poucos, visualizaram nela uma potente aplicação 
    militar. “Não é impossível que, com corpos cujo 
    conteúdo-energia [conteúdo energético] é variável 
    em alto grau (e.g. com sais de radium), a teoria possa ser testada com sucesso”, 
    prevê Einstein no terceiro artigo que compõe os anos mirabilis.
  A 
    partir da Segunda Guerra Mundial, a bomba atômica passou a ser almejada 
    como trunfo militar e sinônimo de poderio econômico. Difícil 
    é precisar quando surgiu a idéia de transformar a teoria na 
    prática, mas há fortes indícios que a descoberta da fissão 
    nuclear, em 1939, tenha sido o principal catalisador dessa reação.
  Antes, 
    porém, muitas foram as contribuições para que a imagem 
    do quebra-cabeça fosse concluída.O físico neozelandês 
    Nelson Ernest Rutherford foi o grande mentor, em 1932, do irlandês Ernest 
    Walton e do inglês John Cockroft que, pela primeira vez, produziram 
    a divisão nuclear artifical completa de um núcleo atômico, 
    através do bombardeamento de núcleos de lítio com prótons 
    (acelerador de partículas), originando núcleos de hélio 
    e produzindo uma pequena quantidade de energia, como demonstrava E=mc². 
    Foi também sob a supervisão de Rutherford, em Cambridge, que 
    o físico inglês James Chadwick, descobriu os nêutrons no 
    núcleo do átomo. Justamente por essas partículas serem 
    semelhantes em massa aos prótons, mas desprovidas de carga elétrica, 
    que essa descoberta permitia que o núcleo fosse bombardeado e dividido 
    sem haver tanta repulsão deste com os nêutrons (como no caso 
    do bombardeio de prótons, com carga positiva), o que produzia a liberação 
    de uma quantidade superior de energia.
  Três 
    anos mais tarde, o físico italiano Enrico Fermi conseguiu capturar 
    nêutrons, bombardear o núcleo de urânio e descobrir a existência 
    de novos elementos radioativos, que chamou de “transurânio”. 
    Seus progressos científicos chamaram a atenção da física 
    Lise Meitner e dos químicos Otto Hahn (Nobel de Química de 1944) 
    e Fritz Strassmann, todos alemães, que começaram a investigar 
    quais seriam os elementos radioativos que surgiam após o urânio 
    ser bombardeado com nêutrons. Mas foi apenas no fim de 1938 que Hans 
    pediu os conselhos da física judia e de seu sobrinho, o também 
    físico Otto Frisch – ambos vivendo na Suécia naquele momento– 
    para concluir que o que estava ocorrendo era, de fato, uma fissão do 
    núcleo de urânio, que originava bário e kriptônio, 
    liberando grande quantidade de energia. A descoberta foi compartilhada com 
    Niels Bohr, chefe do Instituto de Física Teórica da Universidade 
    de Copenhague, em Estocolmo, onde trabalhavam os físicos alemães. 
    Bohr, físico dinamarquês, em 1931, publicara sua teoria que mostrava 
    que o isótopo do urânio-235, tinha mais poder de fissão 
    que o urânio-238 e deveria ser o foco das pesquisas. Mais tarde, em 
    26 de janeiro de 1939, Bohr anunciou o feito durante a 5ª Conferência 
    de Física Teórica que ocorreu em Washington. Intitulada Desintegração 
    de urânio por nêutrons: novos tipos de reação nuclear, 
    a descoberta foi publicada no periódico científico Nature 
    em 11 de fevereiro de 1939.
  Corrida 
    pela bomba
  A 
    resolução de mais uma peça chave na compreensão 
    do funcionamento do núcleo atômico auxiliou o alemão Werner 
    Karl Heisenberg (Nobel de Física em 1932, pela descoberta de formas 
    alotrópicas do hidrogênio) a perceber que o enriquecimento do 
    urânio 235 seria “o único método de produzir explosivos 
    mais poderosos em inúmeras ordens de magnitude que os explosivos mais 
    fortes conhecidos”. Respeitado pela academia e reconhecido como o maior 
    físico teórico da época, Heisenberg desempenhou um papel 
    estratégico na história da bomba atômica.
  O 
    fato do desenvolvimento da bomba atômica poder dar a vitória 
    à nação que a detinha e seus aliados, inflamou os ânimos 
    de militares e cientistas norte-americanos, que acreditavam que os nazistas, 
    nesse contexto, seriam os candidatos mais aptos a vencerem aquela corrida, 
    afinal os alemães tinham descoberto a fissão nuclear, tinham 
    acesso a minas de urânio, contavam com Carl von Weizsacker – filho 
    do sub-secretário de Estado alemão, que estaria reproduzindo 
    trabalhos americanos com urânio –, além de Heisenberg e 
    da liderança de Adolf Hitler. A ameaça parecia suficiente para 
    mobilizar um esforço de cientistas e militares em torno da construção 
    de uma poderosa arma de destruição em massa, embora sua viabilidade 
    ainda fosse duvidosa.
  
     
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      Einstein 
          assina carta escrita por Szilard endereçada ao presidente  
          Roosevelt em 1939  | 
    
  
  Depois 
    de receber o Nobel em 1938 por suas contribuições à física, 
    Fermi deixa seu país natal para viver com sua esposa judia nos Estados 
    Unidos. Ele e os físicos húngaros Leo Szilard e Eugene Wigner 
    (Nobel de Física de 1963), naturalizados americanos, pesquisavam na 
    Universidade de Columbia uma reação nuclear em cadeia que retroalimentaria 
    a fissão de núcleos de forma contínua. A provável 
    viabilidade de ampliar o poder da fissão de núcleos de urânio 
    foi compartilhada com Albert Einstein, que concordou em assinar uma carta, 
    escrita por Szilard ao presidente Franklin Roosevelt, pedindo cautela e “uma 
    ação rápida por parte do governo”, uma vez que 
    a reação em cadeia “conduziria também a produção 
    de bombas, sendo concebível – embora muito menos certo – 
    que bombas extremamente potentes de um novo tipo possam ser produzidas por 
    este meio”. O documento, escrito em 2 de agosto de 1939 e entregue oito 
    dias depois, também alertava para a necessidade de acelerar o trabalho 
    experimental, fornecendo recursos financeiros, firmando parcerias entre institutos 
    de pesquisa e laboratórios industriais, e investindo em reservas de 
    urânio – disponíveis no Canadá e na (antiga) Tchecoslováquia 
    e, principalmente no Congo Belga. Fato para o qual os alemães já 
    teriam atentado, uma vez que as minas da Tchecoslováquia estariam tomadas 
    por eles.
  Depois 
    dessa, outras três cartas foram endereçadas ao presidente norte-americano, 
    com o intuito de reforçar a urgência de investimentos em pesquisas 
    de energia atômica antes que a Alemanha nazista o fizesse. Não 
    é certo que a carta, apenas, tenha desencadeado os acontecimentos posteriores. 
    Alguns pesquisadores acreditam que Einstein não era bem visto pelo 
    governo norte-americano por ser tido como comunista (leia 
    reportagem sobre a vida de Einstein). Assim, sua carta não teria 
    influenciado nos acontecimentos posteriores. É fato que a carta só 
    chegou às mãos do presidente, por intermédio de Alexander 
    Sachs, em 11 de outubro do mesmo ano. Szilard e Wigner, no entanto, acreditavam 
    que apenas Einstein poderia ser ouvido pelo presidente da nação.
  Após 
    o documento, o governo de Roosevelt criou o Comitê de Estudos de Energia 
    Atômica e, em fevereiro de 1940, uma pequena verba de US$ 6 mil foi 
    liberada para pesquisas sobre energia atômica com envolvimento das forças 
    armadas. Em agosto de 1942 surgia o Projeto Manhattan, a pedido do presidente 
    norte-americano, para somar esforços de cientistas e militares dos 
    EUA, Canadá e Grã-Bretanha em torno da utilização 
    da energia nuclear e apoiado com uma verba de US$ 133 milhões. Liderados 
    pelo físico Robert Oppenheimer, filho de um imigrante alemão, 
    estava um grupo de cientistas altamente qualificados, incluindo os já 
    mencionados Szilard, Fermi e Bohr, além de Luis Alvarez (Nobel de Física, 
    1968), Willard Libby (Nobel de Química em 1960) e Hans Bethe (Nobel 
    de Física em 1967). Einstein, ao contrário do que se possa pensar, 
    não foi convidado a participar do projeto.
  Pouco 
    antes, em fevereiro do mesmo ano, a Alemanha faria o encontro do Conselho 
    de Pesquisa Reich sobre física nuclear, iniciado por Heisenberg com 
    a palestra “Física nuclear como armamento”, quando falou 
    das propriedades explosivas da fissão nuclear do urânio 235. 
    Em outras ocasiões, o mesmo cientista, reunido com outros especialistas 
    e representantes do governo alemão, reafirmaria que a pesquisa em física 
    nuclear poderia contribuir para esforços de guerra mas, ao explicar 
    como a bomba poderia ser construída, apontou os altos custos que seriam 
    necessários a sua produção, como o uso de toneladas de 
    urânio, o que inviabilizaria o projeto.
  Até 
    a bomba sair do papel para a área de testes estima-se que mais de 100 
    mil pessoas estiveram envolvidas diretamente no Projeto Manhattan, que consumiu 
    um total de US$ 2 bilhões até sua utilização. 
    No final de 1942, testes com urânio e grafite comprovaram a obtenção 
    bem sucedida de uma reação em cadeia, cuja energia era medida 
    pouco antes de a reação ser interrompida. O primeiro e decisivo 
    teste da bomba nuclear de plutônio ocorreu em 16 de junho de 1945, no 
    deserto do Novo México em uma área isolada. Diz-se que Oppenheimer 
    e outros cientistas, localizados a quase 10 quilômetros do local, puderam 
    ver, ouvir e sentir o impacto da explosão da primeira bomba atômica, 
    com 60 cm de diâmetro, 180 cm de comprimento e quatro toneladas de peso.
  Assustados, 
    fascinados e preocupados com as conseqüências da explosão 
    de uma bomba com efeitos reais, em 17 de julho de 1945, Szilard e outros 69 
    cientistas assinam uma petição ao presidente dos Estados Unidos 
    na qual expõem sua preocupação com o uso da bomba. “Até 
    recentemente, temíamos que os Estados Unidos pudessem ser atacados 
    por bombas atômicas durante esta guerra e que nossa única defesa 
    seria contra atacar com os mesmos meios. Hoje, com a derrota da Alemanha, 
    este perigo foi evitado. (...) A guerra deve ser rapidamente concluída 
    com sucesso e o ataque com bombas atômicas pode ser um método 
    efetivo. Sentimos, no entanto, que tais ataques contra o Japão não 
    podem ser justificados, ao menos que não sejam aceitos os termos impostos 
    ao Japão depois da guerra, de forma pública e detalhada, e que 
    o Japão recuse a oportunidade de se render”.
  Três 
    semanas após os testes no deserto norte-americano, caiam sobre Hiroshima 
    e Nagasaki em 6 e 9 de agosto de 1945, respectivamente, as bombas atômicas, 
    mesmo sem ter sido dada a chance do país se render. “Isso mais 
    cedo ou mais tarde aconteceria”, afirma Roberto Martins, físico 
    e historiador da ciência da Unicamp. Acredita-se que o ataque surpresa 
    a Pearl Harbor, nos EUA, pelos japoneses, em 1941, que levou os americanos 
    a entrarem, definitivamente, na Segunda Guerra Mundial, teria motivado a experimentação 
    em massa de um advento científico de custo astronômico e de potência 
    pouco previsível, que não poderia ser engavetado.
  A 
    explosão assustou leigos e cientistas, envolvidos ou não no 
    projeto que a desenvolveu. A subida do cogumelo de fogo a mais de 1200 metros 
    do solo, matou mais de 210 mil habitantes, deixou outros milhares afetados 
    pelos efeitos da radiação pelas próximas gerações 
    e marcou o início de uma era militar e científica sem precedentes. 
    “A responsabilidade do trabalho do cientista aumentou muito depois da 
    Segunda Guerra Mundial; antes, as pessoas não se preocupavam tanto 
    com as conseqüências que a pesquisa teria”, acredita Roberto 
    Martins. 
  
     
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      |   Protótipo 
          do reator nuclear alemão, 1945  | 
    
  
  Depois 
    que a Alemanha foi derrotada e invadida, não mais do que um protótipo 
    de um reator nuclear de água pesada foi encontrado, “prova que 
    os alemães não estavam mesmo investindo na bomba”, conclui 
    Martins. Algo parecido com o caso de ausência de provas de armas de 
    destruição em massa na invasão do Iraque? “Essa 
    história é velha”, ironiza o historiador da ciência. 
    “Quando os cientistas alemães convenceram as autoridades de que 
    não dava para fazer uma arma a curto prazo, que seria inviável 
    e os gastos imensos, imediatamente eles também se desinteressaram em 
    jogar dinheiro no projeto de pesquisa nuclear”, diz.
  “Mesmo 
    se o governo alemão tivesse tentado fazer bombas atômicas durante 
    a guerra – o que não fez – os alemães provavelmente 
    não poderiam ter repetido o esforço americano”, ponderou 
    o historiador Mark Walker do Union College, nos EUA, em artigo que 
    explica porque os Estados Unidos conseguiram a bomba (Stud. Hist. Phil. 
    Mod. Phys, vol. 26 de 1995).
  Até 
    hoje não há consenso entre especialistas sobre as razões 
    que levaram a Alemanha a não investir na construção da 
    bomba nuclear. Um dos documentos mais relevantes surgiu há cerca de 
    dez anos, quando foram divulgadas as transcrições de conversas 
    entre cientistas alemães, incluindo Heisenberg. Depois da rendição 
    da Alemanha, foram levados para Cambridge onde ficaram “hospedados” 
    durante semanas, justamente para terem suas conversas gravadas. Tinham acesso 
    aos acontecimentos mundiais, via rádio, como a notícia do uso 
    da bomba atômica sobre Hiroshima. A princípio céticos, 
    os alemães passam a falar sobre o ocorrido e acabam aliviados por saber 
    que seu país não desenvolveu a bomba, embora pudessem tê-lo 
    feito.
  Em 
    um outro momento, Martins conta que, após questionado por seus colegas 
    físicos, Heisenberg detalha a construção da bomba americana, 
    o que demonstraria que teria conhecimento para tanto, mas preferiu evitar 
    sua construção. Alguns ponderam que caso os cientistas suspeitassem 
    que estavam sendo gravados, não teriam sido espontâneos, verdadeiros. 
    “Eu acredito na versão de Heisenberg”, declara Roberto 
    Martins. 
  (GB)