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Transgênicos matariam a fome no mundo?

Jean Marc von der Weid

Segundo a FAO, existiam 840 milhões de pessoas que passando fome no mundo em 1996, quando da Conferência Mundial da Alimentação. Nesta reunião deliberou-se reduzir este número pela metade em 20 anos, mas estes esforços vêm produzindo resultados pífios. Além disso, espera-se que a população mundial cresça para 10 bilhões em 2030, aumentando em 66% a demanda de alimentos. Este cenário aponta para um brutal aumento do problema da fome no mundo nas próximas décadas e foi bastante explorado pelas empresas multinacionais que produzem sementes de plantas transgênicas para defender a difusão desta nova tecnologia.

A realidade atual aponta para o fato de que o problema principal da fome não está na oferta de alimentos. No mundo há hoje suficiente comida para alimentar a todos de forma adequada, mas a dificuldade de acesso aos alimentos é que impede a eliminação da fome. Muitos dos países com fome endêmica não conseguem produzir o suficiente para sua alimentação e não dispõem de recursos para importá-los. Em outros países é a baixa renda que impede as pessoas de se alimentarem convenientemente. É o caso do Brasil, onde 13,7 milhões passam fome e outros 40 milhões se alimentam de forma insuficiente ou desequilibrada.

A Conferência Mundial de Alimentação reconheceu que para enfrentar o problema da fome é necessário aumentar a oferta de alimentos a preços acessíveis nos países com déficit de produção, ficando as importações como uma solução acessória para momentos de crise. Será que os alimentos transgênicos podem resolver este problema?

Para isso seria necessário aumentar a produtividade das culturas, a preços mais baixos. E é justamente isso que as empresas multinacionais dos transgênicos dizem que estes produtos são capazes de fazer. No entanto, desde a comercialização do primeiro alimento transgênico, nos EUA, em 1996, estudos e resultados práticos vêm evidenciando que esta afirmação é uma falácia.

Longe dos resultados anunciados

Mesmo sem levar em conta os riscos ambientais e para a saúde humana apontados por diferentes estudos como graves[1] , os transgênicos não vêm se mostrando nem mais produtivos nem mais vantajosos economicamente.

Pesquisas recentes indicam que os dois cultivos transgênicos mais difundidos no mundo, respectivamente, soja resistente a herbicida (Roundup Ready, ou RR) e milho Bt, resistentes a uma lagarta, não têm produtividades mais altas que as variedades convencionais equivalentes e não reduziram o uso de agrotóxicos.

Os ensaios da Fundacep[2], do RS, mostram que a soja transgênica produz 13% menos que a convencional. Nos EUA, onde a soja RR produz entre 5 e 11% menos que suas correspondentes convencionais, um levantamento com base em dados do USDA referentes a nove anos consecutivos mostrou que o uso de outros herbicidas dobrou após a introdução da soja transgênica no país e o uso de herbicidas à base de glifosato cresceu 67%[3]. Na Argentina, entre 1996 e 2004, subiu em 14% a taxa de aplicação de Roundup (em kg/ha). O número de pulverizações para o mesmo período aumentou 38,9% e o uso de outros herbicidas cresceu 116,6%[4]. Esse aumento do uso de herbicidas é o mais previsível dos resultados do uso continuado de uma única estratégia de controle de plantas espontâneas. Por se basear em um único produto, a aplicação repetida do herbicida Roundup nos cultivos transgênicos acelera o desenvolvimento de tolerância e de resistência de plantas ao herbicida. Existem relatos no Rio Grande do Sul de 8 espécies resistentes ao herbicida glifosato.

Um estudo[5] de três anos feito em Ottawa, Canadá, comparou o milho Bt a sementes híbridas usadas no país e verificou que alguns híbridos Bt produziram quantidades iguais ou até 12% inferiores a seus equivalentes convencionais. Para as condições em que o estudo foi conduzido, seus autores não verificaram nenhuma vantagem dos híbridos Bt em comparação aos convencionais em relação a infestação de lagartas consideradas de intensidade baixa ou moderada.

Quanto à economia de custos, após resultados favoráveis nos dois ou três primeiros anos, a soja transgênica perdeu competitividade em comparação com a convencional. Inicialmente a soja RR resultou em uma economia na aplicação destes agrotóxicos não tanto porque a quantidade tivesse diminuído, mas também porque o número das aplicações reduziu-se e facilitou-se o seu emprego, reduzindo os custos de mão de obra e do uso de equipamentos e também porque o Roundup teve seu preço barateado. Entretanto, como vimos, o surgimento de ervas daninhas resistentes implicou em um aumento das quantidades e do número de aplicações de herbicidas e, muitas vezes na necessidade de usar outros herbicidas para os quais a soja transgênica não tem defesa, anulando as suas vantagens na simplificação da aplicação.

O milho Bt não é cultivado no Brasil, mas nos EUA, a economia de inseticida é evidente, uma vez que a planta passa a produzir o inseticida em todas as suas células, mas as vantagens são muito menores, pois a lagarta que é controlada desta forma só causa dano econômico em um ano em cada cinco enquanto o custo das sementes transgênicas, utilizadas todos os anos, é consideravelmente maior que as convencionais. Por outro lado, também neste caso ocorreu o aumento da resistência da praga, numa velocidade muito maior que a esperada, forçando os agricultores a empregarem outros agrotóxicos para garantir sua produção.

Apesar destes problemas, os agricultores americanos continuam plantando transgênicos. Há duas principais explicações para o fato. Uma relaciona-se com a dificuldade de encontrar sementes não-transgênicas em quantidades suficientes, já que a oferta de sementes está fortemente concentrada nas mãos das empresas que produzem transgênicos. A segunda, válida sobretudo para o caso da soja e outros cultivos resistentes a herbicidas, está na praticidade resultante da aplicação facilitada do produto. Esta justificativa também aplica-se no nosso caso.

Aumentar a oferta de alimentos

Olhando para os países do terceiro mundo, onde devemos aumentar a oferta de alimentos e diminuir os custos de produção para enfrentar o problema da fome, o grande problema da fome está no seu setor rural. São os agricultores familiares e os sem terra que estão mais vulneráveis, particularmente nos ecossistemas mais frágeis como o Sahel africano ou o nordeste brasileiro. Além disso, muitos dos famintos urbanos são migrantes que transferem sua pobreza para as cidades, onde uma economia globalizada vai oferecendo cada vez menos empregos com um mínimo de remuneração e estabilidade para garantir a segurança alimentar.

A solução transgênica não beneficiará estes produtores, pois, na escala de produção em que operam e com os baixos níveis de capacidade de investimento em sementes caras, royalties e agrotóxicos, estes produtos não os tiram da situação de pobreza em que se encontram. As próprias condições ambientais em que produzem estes agricultores não lhes permite correr o risco de investir em tecnologias caras, ainda que estas, teoricamente, fossem mais produtivas.

A experiência de muitas ONGs e alguns governos em todo mundo mostra que é possível aumentar as produtividades dos agricultores familiares mesmo em condições ambientais difíceis sem impor-lhes riscos inaceitáveis em investimentos com sementes (transgênicas ou não) e agrotóxicos. Para estes agricultores a alternativa agroecológica é a mais aconselhada.

A agroecologia tem conseguido aumentar a produtividade de várias culturas em até 500%, segundo pesquisa internacional[6] realizada pela Universidade de Sussex, na Inglaterra. É verdade que estes incrementos se fazem partindo de produtividades muito baixas quando comparadas aos sistemas modernizados, convencionais ou transgênicos, mas o que interessa é que conseguem aumentos espetaculares e passam, muitas vezes, a comparar-se com as produtividades dos sistemas ditos modernos. O mais importante é que a agroecologia consegue estes resultados sem exigir investimentos caros e arriscados e consegue efeitos cumulativos e sustentáveis.

Tomemos agora o caso brasileiro onde existem 3,7 milhões de agricultores familiares (em cujas famílias encontramos uma parte significativa dos 7,9 milhões de famintos rurais) dos quais cerca de 3 milhões estão à margem dos sistemas modernizados de produção. Considerando apenas as cinco culturas mais importantes de grãos (milho, soja, arroz, feijão e trigo) os agricultores familiares produziram cerca de 20,57 milhões de toneladas em 1996, com uma produtividade média de 1513 kg/ha. Em sistemas agroecológicos as produtividades destas culturas revelaram-se, no mínimo, duas vezes maiores e tendem a crescer com a aplicação continuada desta tecnologia. Com os custo da conversão para agroecologia situando-se em R$ 1.000,00 reais por hectare em média e sem necessidade de investimentos recorrentes os atuais R$ 7 bilhões oferecidos como crédito para a agricultura familiar seriam suficientes para converter toda a área de grãos deste setor em apenas 3 a 4 anos.

Se generalizada a prática agroecológica os agricultores familiares poderiam dobrar a sua produção (na hipótese mais conservadora) com custos baixíssimos em comparação com os sistemas convencionais, pois não compram sementes, adubos químicos e agrotóxicos. Além de melhorar o consumo alimentar e a renda destes agricultores, eliminando um grande foco da fome no país, ofereceriam aos consumidores urbanos um forte incremento de oferta de alimentos de alta qualidade e baixo custo, diminuindo também a fome dos pobres das cidades.

Para concluir, os transgênicos podem, na melhor das hipóteses, beneficiar durante algum tempo os muito grandes produtores (se desconsiderarmos todos os problemas já encontrados), mas não têm papel a cumprir no enfrentamento da questão da fome no Brasil e no mundo. A agroecologia, por outro lado, já vem mostrando seu potencial para resolver este problema mesmo sem ter contado historicamente com políticas de apoio oficial em pesquisa, extensão rural ou crédito.

Jean Marc von der Weid, economista, é coordenador de políticas públicas da AS-PTA e membro do Condraf/MDA.


[1]GMOs and human health. I-SIS Press Release, 16/08/05. http://www.i-sis.org.uk.
[2]Cultivares de soja RR provenientes versus cultivares convencionais nacionais. Steckling, C., 2004. Fundacep.
[3]Genetically engineered crops and Pesticide use in the USA: the first nine years. Charles M. Benbrook. BioTech InfoNet. Technical Paper Number 7. October 2004
[4]Rust, Resistance, Run Down Soils, and Rising Costs: Problems Facing Soybean Producers in Argentina. Charles Benbrook, 2005.
[5]Field Crops Research 93: 199-211, 14/10/2005.
[6]SAFE, 2001, http://www2.essex.ac.uk/ces/Research
Programmes/SAFEWexecsummfinalreport.htm

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Atualizado em 10/09/2005

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