Haja Energia!:
Carlos Vogt
Falta de investimentos vai ser paga pela população

Termelétricas receberão investimentos

Tecnologia pode melhorar transmissão

Mercado atacadista pode levar à especulação

Energia limpa é o novo desafio para a ciência:
Ulisses Capozoli

Energia e meio ambiente:
Gilberto Jannuzzi

A solução para a crise energética do país:
José Luz Silveira

Usinas Nucleares, panorama mundial:
Afonso de Aquino e Martha Vieira

População paga pela falta de investimentos no setor elétrico

O Brasil está enfrentando uma crise energética sem precedentes. A falta de investimento no setor, aliada ao aumento gradativo do consumo de energia elétrica - um apelo inerente ao tempos modernos - culminaram, este ano, no estabelecimento da crise que afeta a população, já sob efeito do racionamento imposto pelo Governo Federal. Desde de junho, todos os setores da sociedade brasileira vivem sob a meta da redução do consumo de energia elétrica, de cunho linear e obrigatório, sob pena de cortes do fornecimento e multas.

Apesar da insatisfação de muitos, especialmente dos pequenos consumidores que têm dificuldades para atender a meta estipulada pelo governo porque já consomem o mínimo, é fato também que uma significativa parcela da população tem procurado colaborar com a redução do consumo de energia elétrica. A substituição de lâmpadas incandescentes por fluorescentes, o corte do uso de um ou mais aparelhos eletro-eletrônicos e a vigilância contra o desperdício tem sido as atitudes comuns da população diante da crise. Nas instituições públicas e privadas, comissões internas de conservação de energia foram instaladas a fim de estabelecer estudos e medidas para racionalizar o uso de energia elétrica.

Prevista e anunciada por diversos organismos da sociedade (institutos de análise econômico-social, especialistas, partidos políticos, parlamentares), especialmente nos últimos dois anos, a eminente crise energética, oficialmente, sempre foi negada pelo Governo. "Em 99, o Ministério das Minas e Energia (MME) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) elaboraram um Plano Emergencial de Energia Elétrica, para enfrentar a prevista crise de 2001. Já constava naquele documento oficial a inevitável ameaça de racionamento para este ano", disse o especialista em energia Adilson de Oliveira, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A crise não surgiu por acaso e nem a causa pode ser resumida a só item. Esse processo tem como referência histórica a redução de investimentos na transmissão, distribuição e conservação de energia elétrica; a dependência do país com relação às usinas hidrelétricas, responsáveis pela produção de quase a totalidade (mais de 90%) da energia consumida no território nacional; as transformações ambientais, incluindo os baixos índices pluviométricos, que produziram impactos negativos na matriz energética brasileira; aumento da demanda em razão do desenvolvimento de novos empreendimentos nos diferentes setores da economia (agricultura, indústria e serviços) associado a um aumento de consumo residencial de energia elétrica.

Gerenciar tais fatores é reponsabilidade do Governo Federal, cuja intenção nos últimos é privatizar o setor. Esse processo teve início há cerca de seis anos, com a venda da concessão do serviço de distribuição a empresas estrangeiras. Data daí, segundo especialistas, a principal fase caracterizada pela falta de investimentos que culminou na atual crise. Sem ampliação da capacidade do sistema, as chamadas "reservas" dos anos seguintes foram sendo utilizadas, causando déficits. Conseqüentemente houve perda de confiabilidade do sistema, cuja margem de segurança era de 5%, no máximo, e chegou a 17% na região Sudeste/Centro-Oeste, neste ano.

Energia armazenada no Sul e Sudeste. Fonte Plano Decenal de Expansão 2000-2009

Para sair da crise, é unânime entre os especialistas apontar para a necessidade da elaboração de um novo planejamento e regulamentação para o setor, a curto, médio e longo prazos. "É preciso reunir os diversos setores da sociedade, governo, ONGs, instituições públicas e privadas, etc, para o estabelecimento de uma política para o setor, que não inviabilize os investimento e penalize mais a sociedade", disse o professor Ildo Sauder, da USP.

Riscos de déficit de energia maiores do que 5% no antigo sistema. Fonte: Plano Decenal de Expansão (2000-2009)

Faltam chuvas?

A explicação do Governo sobre a falta de chuvas para a crise de energia elétrica não convenceu os especialistas da área que apontam a falta de investimentos no setor como a principal causa do racionamento. "A escassez de chuvas só piorou o que já era previsto", reafirma o professor Giovanni Rabelo, da Comissão Interna de Conservação de Energia da Universidade Federal de Lavras (Ufla).

Em entrevista recente ao jornalista Marcos Sá Corrêa, o especialista da UFRJ, Adilson de Oliveira informou que "Há uma certa quantidade de água que cai quase inexoravelmente. É com ela que se deve contar para gerar eletricidade. O excedente se armazena. No nosso caso, desde 94, todo ano fomos usando um pouco dessa reserva, para manter as turbinas funcionando com uma carga que compensasse o déficit de geração de energia causado pela falta de investimentos na expansão do sistema. Segundo ele, a margem de segurança acaba em 97 e, dali para frente, o déficit aumenta anualmente, culminando na crise em 2001.

A imprensa nacional e estrangeira anunciou: a culpa não é de São Pedro. A verdade é que o Brasil já enfrentou períodos de seca maiores. Um dos mais críticos foi entre 1951 a 1956, quando a média das afluências anuais do Rio Grande, onde estão localizadas as principais unidades do sistema sudeste, chegaram a índices abaixo de 60% - a média é de 95%. Outro período crítico foi registrados nos anos de 68-71 e 89 sem, contudo, afetar tanto o sistema de abastecimento de energia elétrica. Os anos de 97 e 98, os índices de afluência ficaram 20% acima da média e, em 98, um pouco abaixo da média.

As alternativas precisam ser viáveis

Como em toda crise, autoridades, especialistas e até a sociedade discutem as possíveis soluções para o setor de energia elétrica no Brasil. São muitas as alternativas. Busca-se, no entanto, critérios de viabilidade.

Portal do Ministério da Ciência e Tecnologia mostrará produtos para gerenciamento do consumo de energia
O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) disponibilizou um portal na Internet que irá mostrar produtos inovadores e tecnologias já disponíveis para racionalização do consumo de energia elétrica. O site faz parte de um grupo de sete medidas do MCT para dar soluções alternativas à atual crise de energia que afeta as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil. Atualmente, o site conta matérias que falam sobre fontes alternativas de energia como a eólica, solar, gás natural e dendê.

As sete medidas do MCT são de curto e médio prazo que servem como apoio ao plano divulgado pelo Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica. Para as medidas, o governo disponibilizou uma verba de R$ 200 milhões. Parte desse dinheiro será do Fundo de Infra-Estrutura. Oito técnicos trabalham na construção do portal de energia do ministério. Alguns produtos a serem colocados no site também integrarão uma feira tecnológica. Ela será fixa e montada em algumas das principais capitais brasileiras. "Teremos várias feiras simultâneas nas capitais e dos alguns produtos expostos serão de empresas pequenas, de incubadoras", disse José Carlos Gomes Costa, coordenador geral de Políticas Setoriais do MCT.

"Além de fazer a promoção e os ensaios para testar a eficiência do produto, a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) poderá financiar, se houver interesse, o crescimento ou implantação da produção desses equipamentos", contou. "É bom destacar que não se trata de desenvolvimento de tecnologia, mas de produtos que já estão prontos, que podem ser produzidos e utilizados em curto prazo", explicou.

A Finep tem um edital aberto com o objetivo de levantar as empresas que desenvolveram essas tecnologias. Caso o projeto seja aprovado, as companhias irão expor seus produtos na feira, sem nenhum custo. As empresas que tenham projetos nessa área podem enviar suas propostas até o dia 31 de julho para o e-mail energia@finep.gov.br. A avaliação será feita por um grupo de especialistas e o resultado deve sair até 15 de agosto. Na análise, os especialistas irão considerar o mérito do projeto, o resultado esperado em relação à eficiência energética e a viabilidade econômica.

Mesmo projetos que tenham bom potencial, mas longo prazo para chegar ao mercado, poderão se inscrever e, se aprovados, participar da feira. "Não estamos nos comprometendo a financiar o projeto, vamos identificar, avaliar e convidar para participar da feira e levar seu produto, sem haver custo para essa divulgação", explicou André Amaral, diretor da Finep. "Mas, se ao fazermos isso, descobrirmos bons produtos, podemos pedir uma detalhamento do projeto e financiá-lo, se atender as exigências da Finep para o financiamento", completou ele.

Uma outra medida do MCT será o incentivo a projetos de geração de energia elétrica e de implantação de alternativas de energia nos campi das universidades. "Será feito um investimento em equipamentos para co-geração e geração de energia, sempre com o objetivo de demonstração. Seria uma vitrine, um modelo que outras entidades podem replicar", afirmou Costa. Será aberto um edital para chamar as universidades, que enviarão seus projetos para conseguir o financiamento. Até o fim do ano, o MCT espera ter implantado essa medida.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão do ministério, vai conceder bolsas para especialistas que darão suporte técnico a prefeituras, pequenas e médias empresas em relação ao gerenciamento e redução do gasto energético. Será aberto um edital para contratação dos técnicos e o projeto tem parceria com o Sebrae. Talvez a medida que demore mais tempo para ser implantada é a certificação, que será feita em conjunto com o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). O MCT irá incentivar estudos temáticos que demonstrem o que falta para que diversas alternativas de geração de energia sejam adotadas, como por exemplo, a eólica. A sétima medida prevê que o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) receba um investimento extra para compra de supercomputadores para aprimorar seu sistema de previsão do tempo e análise de clima.

Ao contrário do que dizem alguns especialistas do setor, há quem considere a dependência hidrológica do setor de energia elétrica do Brasil uma vantagem. Além do custo de geração mais baixo, o sistema hídrico proporciona suprimento de energia mesmo quando não há investimento no setor. As usinas termoelétricas, por exemplo, não possuem a maleabilidade das hídricas, o que permitiu inclusive "esconder da sociedade a real situação de deteriorização das reservas e da confiabilidade do sistema". Tais considerações estão no documento sobre os riscos de déficit de energia, publicado em agosto de 2000, por um grupo de especialistas da área: Luiz Pinguelli Rosa, coordenador do Instituto Virtual de Mudanças Globais, Maurício Tolmasquim, presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético, Roberto D'Araújo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético e Sebastião Soares, conselheiro do Clube de Engenharia.

O mesmo documento relata sobre a gestão integrada entre as usinas hidrelétricas como uma importante medida para a geração de energia. Como algumas bacias estão sob regimes pluviométricos diferentes é possível, através de uma gestão integrada das usinas, obter uma maior disponibilidade de energia. Atualmente a gestão das usinas interligadas eletricamente é responsável por um acréscimo de cerca de 20% de energia disponível. Um exemplo disso é a linha Norte-Sul, que possui associado à sua capacidade de transmissão uma disponibilidade de energia garantida de cerca de 600MW médios obtida sem acréscimo de capacidade de geração.

A parceria com a iniciativa privada para a construção de novas hidrelétricas, em linhas de transmissão, interligando todo o sistema elétrico, é defendida pelo prof. Giovanni Rabello, como medida a longo prazo. A curto prazo, para ele, a solução da crise passa pela instalação de geradores movidos a diesel nas grandes indústrias, o que já está sendo implementado e incentivado pelo Governo, através da isenção da taxa de importação; e a médio prazo, é preciso viabilizar a instalação de termoelétricas de médio porte.

Entre as demais fontes alternativas de energia são consideradas mais viáveis a energia da biomassa, como resíduos (bagaço de cana) e carvão vegetal (florestas renováveis de eucalipto) para a geração de vapor e acionamento de turbinas a vapor; a utilização da energia solar para aquecimento de água para residências e hotéis, com incentivo financeiro, pois no Brasil o sistema é caro, o custo médio é de R$2.500,00 por aparelho. O uso de células fotovoltáicas para a iluminação esbarra em um problema ecológico, pois as células, utilizadas para manter a carga de baterias, tem vida útil de apenas dois anos, após os quais passam a ser lixo tóxico.

 

Atualizado em 10/07/2001

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