Haja Energia!:
Carlos Vogt

Termelétricas receberão investimentos

Tecnologia pode melhorar transmissão

Mercado atacadista pode levar à especulação

Energia limpa é o novo desafio para a ciência:
Ulisses Capozoli

Energia e meio ambiente:
Gilberto Jannuzzi

A solução para a crise energética do país:
José Luz Silveira

Usinas Nucleares, panorama mundial:
Afonso de Aquino e Martha Vieira

O dilema da garantia de energia elétrica com baixos custos e reduzidos impactos ambientais: a solução para a crise energética do país

José Luz Silveira

A geração de energia elétrica no Brasil é calcada em um parque predominantemente hidráulico, merecendo destaque neste momento de crise energética, a diversificação imediata do nosso parque gerador, quer seja através da incorporação imediata de termelétricas utilizando o gás natural, quer seja através da implantação de sistemas de cogeração e através da incorporação de energias renováveis. Nesta sequência, e também através das medidas de racionalização e conservação, conseguiremos aumentar a oferta de energia elétrica no país, tentando acompanhar satisfatoriamente a demanda, que desde o início da privatização do setor elétrico, 1995, tem acompanhado o crescimento do PIB, sem o devido acompanhamento por parte da capacidade geradora ou aumento da oferta de eletricidade. Assim sendo, poderemos manter o crescimento econômico do país, desde que busquemos saídas plausíveis para o a crise, sem nos importarmos em primeira instância, de quem é culpa da crise. O que importa é a solução para a crise!

De certo modo, essas alternativas para aumento da oferta de eletricidade no Brasil, devem ser incorporadas visando um desenvolvimento no mínimo auto-sustentável, quando da não possibilidade de sustentável, tendo em vista os custos associados a geração e os limites de emissões estabelecidos pela legislação brasileira e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O brasileiro não pode pagar muito caro pela energia elétrica, pois não possui renda adequada para isso. Está previsto, ainda para esse ano, um aumento médio de 20 % nas tarifas de eletricidade e acredito que maiores aumentos deverão ser entraves para o desenvolvimento do país.

Desde 1995, quando do início do modelo de privatização do setor elétrico brasileiro, a oferta de eletricidade não acompanhou a demanda associada ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Como conseqüência, a geração termelétrica é uma parte importante neste cenário, tendo em vista, o curto tempo de implantação de centrais, o baixo custo de investimento e a baixa emissão de poluentes em se tratando da implementação do gás natural na matriz energética brasileira.

Esse cenário de disparidade oferta/demanda complica-se quando analisamos diversos fatores. Primeiro, a indústria de eletricidade no Brasil precisa de uma reestruturação, passando de uma matriz extremamente hidrelétrica, altamente dependente das variações climatológicas, para uma matriz competitiva, capaz de atender à demanda e ao crescimento econômico em tempo hábil. Sem a definição dessa transformação, fica difícil prever as características estruturais e operacionais do mercado elétrico para os próximos anos. Sabe-se que a produção de eletricidade depende das unidades geradoras que serão retiradas, reestruturadas e construídas entre hoje e os próximos anos.

As próximas seções descrevem algumas mudanças que certamente ocorrerão nos próximos anos, diferentes formas de obtenção de energia e as minhas projeções para o setor de eletricidade.

Em resposta à crise energética anunciada, um programa de uso racional, de geração e transmissão, com o propósito de eliminar os problemas associados com o mercado consumidor e assegurar um bom desempenho do setor elétrico, deve ser estabelecido imediatamente.

Muitos são os fatores que forçam a indústria de eletricidade brasileira a mudar. Esse fatores incluem o baixo preço do gás natural (relativamente aos outros combustíveis), melhorias substanciais na eficiência das turbinas a gás (incluindo melhorias tecnológicas nas emissões de poluentes) e o sentimento público contrário ao racionamento e outras turbulências no cotidiano dos usuários de eletricidade. Veremos um futuro no qual o setor de geração será guiado primeiramente por forças competitivas mais que por mandados reguladores e motivações políticas, como é o que tenho observado nesses dias, entre a oposição e o governo. As decisões sobre quando, onde e quanto construir, reativar ou retirar unidades geradoras serão tomadas pela sociedade organizada e empreendedores, mais que por reguladores.

Historicamente, o sistema de utilização tem planejado, construído e operado plantas de potência para minimizar o custo do sistema de energia elétrica por um prazo muito longo de tempo. No ambiente competitivo, e na crise em que estamos, as regras de decisão devem ser substituídas por uma regra que dê ênfase à exequibilidade de unidades geradoras individuais próximas ao centro de carga, outras que não a hidroeletricidade, em um menor espaço de tempo, o que ocorre com as usinas térmicas de geração de energia.

A demanda e a oferta como estão? Enquanto a demanda cresce de modo acentuado, a oferta vem crescendo muito pouco. Isto devido ao modelo adotado pelo governo ser de concorrência. Assim sendo, se não houver expansão da oferta de energia, os preços associados a esse insumo essencial, serão elevados, estrangulando de modo geral os consumidores, tendo em vista que os custos dos bens de consumo também terão elevação. É preciso sem dúvida gerar energia! Se houver aumento de oferta o preço em R$/MWh tenderá a baixar! Para se ter uma idéia a tarifa de energia elétrica dobrou de 1990 a 2000, passando em valores médios de 60 R$/MWh a 150 R$/MWh, respectivamente. Neste mesmo período, o risco de déficit triplicou. Ou seja, a energia hoje é mais cara e o risco de déficit é iminente!

Mas por que a oferta não acompanha a demanda no Brasil? Porque o sistema tradicional de geração através de usinas hidráulicas está com apenas 28 % da capacidade dos reservatórios! Alem disso, não existe mais grandes recursos hidrelétricos disponíveis! O Governo já vem investindo no que pode ser feito. Nos reservatórios esteve e está "em uso" a água que iria produzir a energia em anos futuros. Ou seja, o que aconteceu é que desde 2000, avançamos sobre as reservas de 2001 e 2002. Além disso não tivemos chuvas adequadas. Não tivemos racionamento de energia elétrica até agora, mas o risco de déficit é iminente. É só ler ou ver os jornais.

Geralmente, quanto mais segura a oferta de energia, mais cara é a mesma? É lógico que não! Ao mesmo tempo que aumentam o preço da eletricidade cada vez mais, colocam o abastecimento em risco! A população, carente de informações, e muitas vezes influenciada por ecologistas radicais, pergunta: Será que existem outras formas de gerar energia de modo sustentável? É lógico que existe! Mas tudo tem razão e época para ser dominado e desenvolvido. É o que veremos a seguir...

-Energia Eólica:
A energia eólica pode ser aplicada quando houver ventos constantes com uma velocidade média de 10 m/s e velocidade mínima de 6 m/s. No Brasil isto só é possível em alguns locais do Nordeste e Sul do País.
Uma turbina eólica, por exemplo, com 30 metros de diâmetro de rotor, pode gerar 225 kW de potência elétrica. Entretanto é necessário manter distâncias mínimas entre fileiras de turbinas eólicas. Numa mesma fileira, a distância entre duas turbinas deste porte, seria de 3 a 8 vezes o diâmetro, ou seja de 90 a 240 metros. Um fileira procede outra, numa distância entre 130 e 170 metros, dependendo da velocidade média do vento. O custo de investimento na geração eólica é cerca de 3000 US$/kW. Ou seja a energia eólica ainda é cara e tem limitação pela velocidade do vento. É uma solução coadjuvante complementar que não resolverá o problema do Brasil de imediato, mas deve sim ser utilizada com subsídios do governo.

-Energia Fotovoltaica:
A energia fotovoltaica utiliza o processo de radiação solar. No território brasileiro existe uma radiação solar média de 900 W/m2. Uma planta fotovoltaica converte deste total, no máximo 81 W/m2 de eletricidade, durante 6 horas do dia (parâmetro de projeto, que depende da posição do sol). Deve-se no entanto utilizar banco de baterias para armazenar energia a ser utilizada em períodos nos quais a radiação não pode ser aproveitada. Isto encarece muito o investimento. O Brasil ainda não tem domínio de processo de fabricação de painéis fotovoltaicos.

A título de exemplo, um painel de 250 W possui uma área de 2,27 m2. Entretanto é necessário uma mesma área mínima para a instalação de equipamentos periféricos, entre os quais, conversores de tensão, alternador de corrente contínua para corrente alternada, banco de baterias, entre outros. O custo de investimento na geração fotovoltaica é muito alto: cerca de 4500 US$/kW gerado.

Ou seja, a energia fotovoltaica é muito cara e tem limitação tecnológica no caso brasileiro. Já existem projetos em desenvolvimento de Nacionalização de Painéis, P&D - ANEEL, realizado de acordo com Legislação Federal, entre Concessionária e Centro de Pesquisa Nacional. É uma solução coadjuvante complementar que não resolverá o problema do Brasil de imediato, mas também deve ser utilizada com subsídios por parte do governo.

-Energia do Hidrogênio:
O hidrogênio como combustível é obtido de um processo de eletrólise da água. Este processo consome energia elétrica e consegue dissociar o H2 (hidrogênio) e o O2 (oxigênio) da água (H2O). Este processo apresenta custo elevadíssimo e é pouco dominado em grande escala. Uma planta termelétrica a hidrogênio (por exemplo de 1200 MW), teria um custo de investimento muito elevado, tendo em vista que além da planta de produção de hidrogênio, teria associada a planta termelétrica (turbina a gás + caldeira de recuperação + turbina a vapor + outros equipamentos).


Qual é a saída imediata para garantir oferta de energia elétrica de modo mais racional e limpo possível?

Sou cientista e pesquisador com muitas publicações científicas e técnicas, incluindo vários serviços prestados em nível de consultoria. Trabalho com ética e muita responsabilidade. O que estou escrevendo aqui é para elucidar a população e a comunidade, tendo em vista a minha experiência. Tudo tem uma razão lógica. Sou adepto e pesquiso energia renovável e sustentável, com projetos desenvolvidos em energia solar, biodigestores, energia de hidrogênio, conversão de fornos elétricos para gás natural, cogeração, célula de combustível, etc, sempre promovendo o Desenvolvimento Sustentável ou Auto-Sustentável.

A saída é aplicar um Planejamento Integrado de Recursos (PIR), procurando conservar energia, aumentar a oferta por co-geração e geração termelétrica com o gás natural, combustível dos mais limpos e de maior densidade energética disponível (alto poder calorífico inferior).

O consumo per capita de eletricidade no Brasil já é muito baixo. Conservar energia é possível e válido sempre, mas não vai resolver, por si só, os problemas relacionados com a pouca oferta e o elevadíssimo aumento de demanda, problema que pode com certeza diminuir a possibilidade de desenvolvimento para as regiões afetadas e consequentemente para o Brasil.

Posso e devo citar um fato muito importante com relação a conservação de energia na indústria. Cito o caso de uma grande indústria de alumínio do Vale do Paraíba (setor eletro-intensivo). Nesta indústria há 6 fornos elétricos de 4 MW, nos quais estudamos a possibilidade de conversão para operação com gás natural. Os resultados se mostraram viáveis tecnicamente e economicamente e a indústria já está efetuando a conversão para a devida operação com gás natural, perfazendo um total de 24 MW elétricos conservados. Isto representa cerca de 60 % da demanda de eletricidade da referida indústria. Ou seja, a conservação de energia elétrica, quer seja, em nível industrial, como em nível residencial, etc, sempre é válida.

A outra saída para situação do setor elétrico brasileiro é a cogeração. A cogeração é um método efetivo de conservação de energia primária (energia de um combustível) que pode ser aplicado ao setor industrial ou ao setor terciário (hospitais, hotéis, shopping centers, restaurantes, aeroportos, etc) quando economicamente justificado. Este termo é usualmente empregado para designar geração simultânea de calor útil (vapor, água quente, água gelada, ar quente e frio) e potência (mecânica ou elétrica) a partir da queima de um único combustível, e sua racionalidade comporta visões distintas de acordo com a aplicação a que se destina. Entre as tecnologias empregadas para a cogeração, se enquadram as que utilizam turbinas a vapor, turbinas a gás, turbinas a gás associadas em série com turbinas a vapor (ciclo combinado), motores de combustão interna (motores automotivos ou industriais), entre outras em menor escala de comercialização. Os níveis globais de eficiência destas modalidades de plantas de cogeração se situam entre 50 e 85 %. No Brasil, a evolução deste modo de geração de energia vem ocorrendo principalmente nas indústrias de grande porte (açúcar e álcool, papel e celulose, químicas, petroquímicas, etc) e o problema maior que temos enfrentado é com relação as regulamentações que ainda não estão bem definidas e claras. Há questões pendentes, entre as quais, tarifa de reserva, valor cobrado pela concessionária que garante ao empreendedor da cogeração o fornecimento de energia via rede, em caso de pane ou de parada programada para manutenção do sistema de cogeração, e ainda a falta de uma definição para a tarifa de venda de excedentes de eletricidade, quando a planta operar gerando uma capacidade maior que a necessária para a indústria, neste caso injetando eletricidade na rede. De outro modo, cabe informar neste ponto, que a cogeração se mostra mais economicamente justificável quando da disponibilidade de combustíveis originados nos próprios processos industriais, como é o caso do bagaço de cana, na indústria de açúcar e álcool, licor negro ou lixívia, casca de madeira, na indústria de papel e celulose. O potencial de cogeração no Brasil é relativamente grande e deve sim ser aproveitado, mas ainda existe a necessidade de se estabelecer regulamentações adequadas envolvendo o setor produtivo, as concessionárias e os governos municipais, estaduais e federal. Há que se estabelecer ainda, valores plausíveis para o custo do combustível utilizado na cogeração, principalmente se este for um derivado do petróleo ou gás natural. Há que se formar um Foro envolvendo o empreendedor (indústria que vai cogerar), fabricantes de equipamentos para a cogeração, as Concessionárias, os fornecedores de combustíveis, as Universidades, representantes comunitários, etc, de modo a mostrar a importância da cogeração para todos os envolvidos no processo. A cogeração não deve ser vista como responsabilidade única do empreendedor cogerador. Quando isto realmente acontecer, a cogeração no Brasil vai sim desenvolver de modo adequado e rápido.

A geração de eletricidade em termelétricas de ciclo combinado, que pressupõe a combinação de turbina a gás, caldeira de recuperação e turbina a vapor, é uma das técnicas mais racionais, atingindo níveis de eficiência entre 54 e 64 % (razão entre a potência elétrica produzida pela turbina a gás mais a potência elétrica produzida pela turbina a vapor, pela potência suprida pelo combustível). Esses níveis são dos mais altos disponíveis tecnicamente e comercialmente no mercado mundial, em caso de plantas termelétricas.

Para se ter uma idéia, neste tipo de central, o calor disponível nos gases de exaustão (saída) da turbina a gás após o primeiro estágio de geração de eletricidade (entre 450 e 650 oC), é reaproveitado para gerar vapor superaquecido na caldeira de recuperação. Esse vapor se expande então numa turbina a vapor, que produz mais uma vez energia elétrica (segundo estágio de geração de eletricidade). Os gases de escape numa termelétrica como esta, saem para a atmosfera entre 150 e 250 oC e com pouca emissão de gases poluentes, quando do uso do Gás Natural. As termelétricas em ciclo combinado emitem pouco NOx, tendo em vista o grande avanço tecnológico dos equipamentos, emitem muito pouco SOx e quase não há emissão de particulados, sobretudo quando do uso do gás natural

"As termelétricas em ciclo combinado são o caminho natural para se combater a crise energética. A queima do gás natural permite pouca emissão de componentes e particulados e uma alta eficiência termodinâmica".

De acordo com decreto lei específico, sabe-se que há a necessidade de audiência pública para licenciar novas centrais termelétricas, onde normalmente são discutidos e debatidos assuntos sobre o EIA - Estudos de Impactos Ambientais e o RIMA - Relatório de Impacto ao Meio Ambiente. Percebo no entanto que os assuntos discutidos nestas Audiências são quase que em sua totalidade políticos, verificando-se a participação por interesse mais de partidos políticos do que da nação Brasil. No entanto, percebo uma falha muito grande neste sistema de aprovação. Muitos leigos falam sem nenhum subsídio técnico e/ou científico. Isto a meu ver está errado! De fato, creio que os membros do CONSEMA - Conselho Estadual de Meio Ambiente devam editar as filmagens antes de passar para os órgãos superiores competentes.

A título de exemplo, vamos supor que cerca de 1000 indústrias brasileiras vão optar por instalarem em suas fábricas geradores diesel de 1000 kW cada um. Neste caso, as indústrias, atendendo ao programa de racionalização energética do governo, simplesmente vão instalar sem audiência pública (pois não há necessidade para isso, sendo a única obrigação das empresas comunicarem as concessionárias da instalação de autogeração), um total de 1000 MW. A pergunta que deixo ao leitor, cuja resposta eu já sei é: Será que 1000 MW com motor diesel polui menos que 1000 MW ciclo combinado queimando gás natural? Quem polui mais: o diesel ou o gás natural? De outro modo, informo que a eficiência de um motor diesel é de cerca de 26 % enquanto que a de uma termelétrica ciclo combinado é 54 %, em alguns podendo atingir até os 64 %.

José Luz Silveira é pesquisador do CNPq e do departamento de energia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp)


 

Atualizado em 10/07/2001

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