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              Presença do negro na mídia é marcada pelo 
              preconceito   Há 
              um ano, em 23 de novembro de 2002, o Jornal Nacional, transmitido 
              pela Rede Globo e assistido diariamente por cerca de 40 milhões 
              de pessoas, teve pela primeira vez um apresentador negro, o até 
              então repórter, Heraldo Pereira. Na época, 
              a emissora "preparou" o público para a primeira 
              aparição de Pereira, em programas exibidos durante 
              a semana anterior, fato que rendeu notícias em vários 
              veículos nos dias posteriores.  A Rede 
              Globo é a emissora brasileira que concentra o maior número 
              de repórteres negros. Mesmo assim, o número não 
              chega a dez, de acordo com o jornalista, pesquisador e professor 
              da Unesp de Bauru, Ricardo Alexino. A pequena parcela de negros 
              na televisão vai além dos telejornais e pode ser observada 
              também nas telenovelas.  Segundo 
              o cineasta Joel Zito Araújo, em seu livro A negação 
              do Brasil (leia resenha), 
              "o enfoque racial da televisão brasileira é resultado 
              da incorporação do mito da democracia racial brasileira, 
              da ideologia do branqueamento e do desejo de euro-norte-americanização 
              de suas elites". A negação do Brasil se 
              transformou em documentário no início do ano e uma 
              das cópias foi entregue ao Ministro da Cultura, Gilberto 
              Gil, numa tentativa de se abrir um diálogo para a questão 
              e aumentar a participação dos negros na TV, que hoje 
              não passa de 10%. "Existem mais negros na tevê 
              dinamarquesa do que na brasileira", constata.  Araújo 
              lembra que na década de 60, os poucos atores negros que fizeram 
              parte do elenco das novelas na Rede Tupi ou na Rede Globo representavam 
              escravos (quando a novela era de época), "malandros" 
              ou profissionais com baixo prestígio social, como empregadas 
              domésticas ou motoristas. Na década de 70, o número 
              de atores negros começou a aumentar, o que continuou ocorrendo 
              nas décadas seguintes.  Para 
              o psicólogo e pesquisador Ricardo Franklin Ferreira, a presença 
              dos negros na TV é fundamental para a construção 
              de uma imagem de si mesmo. "Enquanto as crianças negras 
              continuarem tendo somente mulheres brancas e loiras como conceito 
              de beleza, como a Xuxa, elas terão dificuldades em aceitar 
              suas qualidades", afirma. É o que Araújo chama 
              de "ideologia de braqueamento", presente na televisão 
              brasileira.  A pequena 
              parcela de profissionais negros na mídia não é 
              uma característica só do meio televisivo. Dados da 
              Comissão de Jornalistas pela Igualdade (Cojira), do Sindicato 
              dos Jornalistas, mostram que a taxa de desemprego entre negros, 
              em São Paulo, é 40% maior do que entre brancos, o 
              que pode se refletir também no caso do desemprego entre os 
              jornalistas negros. "As empresas de comunicação 
              não são uma ilha de igualdade nesse mar de discriminação", 
              descreve o Estatuto da Cojira. Essa situação tem reflexo 
              também nos temas que são tratados pela imprensa.  Imprensa 
              direcionadaA reduzida cobertura de temas relacionados aos negros pela grande 
              mídia foi percebida em 1996 pela revista Raça Brasil, 
              o primeiro meio de comunicação impresso, de grande 
              alcance, direcionado ao público negro. No seu lançamento, 
              a revista atingiu uma tiragem de 280 mil exemplares, um fenômeno 
              editorial (atualmente, a tiragem é de 50 mil exemplares).
 "O 
              Brasil é um país racista, nós observamos e 
              vivemos isso", afirma Conceição Lourenço, 
              editora da Raça, cuja redação é 
              composta só por negros. Ela considera que as revistas atuais 
              não atendem os negros porque não são direcionadas 
              a eles. "Isso é percebido principalmente na área 
              de estética", completa. O sucesso 
              da Raça causou o que Lourenço chama de revolução 
              na publicidade. "As grandes marcas, principalmente de cosméticos, 
              começaram a criar produtos para atender esse público 
              negro, que até então parecia não existir. É 
              a classe média negra, que ganha mais de 10 salários 
              mínimos", afirma. Para 
              Alexino, no entanto, falta muito para que a publicidade consiga 
              dialogar com o público negro. "A imprensa progrediu, 
              mas a publicidade não", afirma. Uma campanha considerada 
              polêmica na publicidade foi a da multinacional Benetton, 
              que teve como slogan United Colors (cores unidas). Esta foi alvo 
              de muitas críticas. "Em maio de 1990, a campanha trouxe 
              uma mulher negra amamentando uma criança branca, o que atiçou 
              os ânimos do movimento negro e resultou em pichação 
              de muitos outdoors da campanha com a frase: Mucamas, nunca 
              mais", lembra Alexino.  A imprensa 
              direcionada a negros, produzida por negros e retomada pela revista 
              Raça, data do início do século XX. Sentindo 
              a impermeabilidade da "imprensa branca", um grupo de negros 
              paulistas fundou, em 1915, uma imprensa alternativa. É o 
              que a antropóloga Miriam Nicolau Ferrara, estudiosa do assunto, 
              chama de "imprensa 
              negra". Pela primeira vez o negro tornou-se 
              o alvo de um conjunto de periódicos específicos, que 
              se sucederam durante quase cinqüenta anos, até 1963, 
              quando foram reprimidos pela ditadura.  Os 
              jornais da imprensa negra concentraram o seu noticiário apenas 
              nos acontecimentos da comunidade, divulgando a produção 
              dos seus intelectuais e não priorizando fatos de grande repercussão 
              nacional e internacional (como as duas Grandes Guerras, a Coluna 
              Prestes, entre outros). "Movimentos de militância, como 
              a imprensa negra, foram e são formas de valorizar a cultura 
              negra e de aumentar a sua auto-estima", afirma Ricardo Ferreira. Outra 
              maneira de reforçar a identificação positiva 
              é o aumento do número na política , o que gera 
              uma conseqüente exposição na mídia. De 
              acordo com Alexino, políticos negros tendem a se voltar para 
              as questões dos negros, assim como pesquisadores tendem a 
              trabalhar com questões do movimento negro na academia. Os 
              avanços inicialmente sentidos nas esferas municipais, como 
              a eleição do prefeito Celso Pitta em São Paulo, 
              em 1997, e estaduais, como ascensão a governadora do Rio 
              de Janeiro durante o ano de 2002 de Benedita da Silva, começam 
              a ser percebidos também no Planalto. O Governo Lula tem quatro 
              de seus ministros negros: Benedita da Silva, Gilberto Gil, Marina 
              Silva e Matilde Ribeiro, além de Joaquim Benedito Barbosa 
              Gomes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). No governo anterior, 
              dos 77 ministros dos quatro tribunais superiores, havia apenas um 
              negro, Carlos Alberto dos Reis, do Tribunal Superior do Trabalho. A maior 
              participação dos negros no novo governo já 
              pode ser percebida. Em outubro foi assinado o Protocolo de Intenções 
              para Implementação do Programa de Fortalecimento Institucional 
              para a Igualdade de Gênero e Raça, que prevê 
              a criação de um programa de capacitação 
              de gestores encarregados de definir políticas públicas 
              que considerem fatores como gênero e cor no planejamento de 
              metas e de ações governamentais.  A busca 
              e a conquista de mais espaços pelos negros na política 
              e em outros setores da sociedade constitui um caminho de mão 
              dupla. "Os negros na política servem como uma referência 
              aos demais, faz com que eles acreditem que são capazes", 
              afirma Ferreira. Além disso, com maior atuação 
              política, a participação dos negros na mídia 
              também aumenta. "O negro passa a se enxergar em áreas 
              que antes não via, se aceita mais como negro. É uma 
              espécie de estímulo", complementa Alexino. Assim, 
              o negro também aumenta sua pressão para a entrada 
              nessas áreas. A 
              inserção do negro na "mídia branca""Continua o nosso reacionário: Por que motivo os 
              negros, em grande maioria, moram nos cortiços? A resposta, 
              asseguro-lhe, é muito fácil: a pouca valia que imprimem 
              aos seus trabalhos; a pouca ou nenhuma cultura e a acentuada dolência 
              dos seus passos; a inércia e a falta de vontade e iniciativa 
              para uma reação na trilha do progresso, são 
              as causas principais que obrigam os negros às misérias 
              do cortiço."
 O trecho 
              transcrito faz parte do editorial "Ironia de um congresso", 
              do jornal Folha da Manhã (atual Folha de S.Paulo), 
              publicado num domingo, 12 de janeiro de 1930. Trata-se de uma crítica 
              ao movimento da Mocidade Negra, uma das manifestações 
              características da época. Para Ferreira, a imagem 
              negativa do negro é uma questão histórica e 
              cultural. "Após a abolição, os negros 
              foram jogados para fora do mercado de trabalho e passaram de escravos 
              para desempregados, ociosos, inferiores. Nossa cultura construiu 
              o negro numa condição submissa". A década 
              de 30 foi marcada por reivindicações dos que lutavam 
              para que assuntos de seu interesse fossem abordados na mídia 
              e para que termos preconceituosos fossem dispensados dos textos 
              jornalísticos. Nesse período, e nas décadas 
              seguintes, o negro está presente na mídia com sua 
              imagem comumente ligada à força muscular (esportes, 
              principalmente o futebol), à música (samba) e a crimes 
              (na seção policial). Antes disso, a presença 
              dos negros nos jornais era um modo de legitimar a escravidão. 
              "Falava-se apenas dos negros que estavam sendo procurados por 
              terem fugido, daqueles que eram vendidos ou mesmo daqueles que, 
              eventualmente, tinham cometido algum tipo de crime", afirma 
              Alexino.  Com 
              a ditadura militar e a repressão à imprensa e aos 
              movimentos sociais, nas décadas de 60 e 70, a cobertura das 
              questões raciais pela imprensa se tornou ainda mais deficitária. 
              "Mostrar questões raciais na grande mídia significava 
              assumir que esses problemas existiam", afirma Alexino.  Foi 
              somente nos anos de redemocratização, vividos na década 
              de 80, que a imprensa passou a mudar sua postura. Libertada da ditadura, 
              assumiu um caráter denunciativo e o negro ganhou novos espaços 
              na mídia. Tornaram-se comuns matérias que mostravam 
              casos isolados de preconceito por racismo no mercado de trabalho, 
              em lugares públicos, em condomínios fechados, em escolas, 
              além dos casos de denúncia de violência contra 
              negros.  "A 
              imprensa estava confusa naquele momento. Ao mesmo tempo em que noticiava 
              atitudes que iam contra o movimento mundial para o fim do racismo, 
              usava termos que faziam alusão negativa aos negros", 
              afirma Alexino.  Um 
              exemplo da "confusão" citada por Alexino foi marcado 
              na chamada de capa do Jornal do Brasil, em 15 de abril de 
              1988: "ONU põe Piquet e Senna na lista negra". 
              Isso se deveu ao fato dos pilotos terem disputado o mundial de Fórmula 
              1 na África do Sul, contrariando o pedido da Organização 
              das Nações Unidas (ONU), que tentava isolar o país 
              para conseguir o fim do apartheid.  O ano 
              de 1988 foi marcado foi uma série de movimentações 
              sociais resultantes do movimento negro e que, evidentemente, eram 
              noticiados pelos diversos tipos de mídia. Além do 
              movimento internacional liderado pela ONU para o fim do apartheid, 
              no Brasil era comemorado o centenário da abolição 
              da escravatura, a Campanha da Fraternidade tinha como tema o combate 
              ao racismo e a vencedora do carnaval carioca foi a escola de samba 
              Vila Isabel, que falou do movimento negro.  A nova 
              Constituição brasileira, também de 1988, passou 
              a considerar o racismo como crime, o que foi regulamentado no ano 
              seguinte, pela a Lei 7.716, do deputado negro Carlos Alberto Caó 
              (por isso conhecida como "lei Caó"). "A partir 
              de então, expressões que destacavam a cor de pele 
              da pessoa citada, como: 'o bandido negro', sumiram das notícias, 
              o que refletiu até nos manuais de redação", 
              afirma Alexino. (SR) |