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Autonomia universitária: experiências, críticas e possibilidades

A crise pela qual passam as universidades federais tem incentivado o debate em torno da autonomia universitária, sistema já adotado pelas universidades estaduais paulistas. A partir de 1989, a Constituição Estadual determinou que a Unicamp, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) passariam a ter o seu orçamento incrementado pelo repasse de porcentagens baseadas na arrecadação do Estado gerada pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). As três universidades têm direito a receber 9,53% dos 73% que são destinados ao governo estadual. Ao mesmo tempo que parece ser a única saída para o desmoronamento financeiro das universidades federais, a autonomia universitária tem sido implantada em São Paulo em meio a elogios e críticas.

"A concessão de autonomia administrativa às universidades estaduais paulistas representou um avanço importante no modo de gestão das universidades públicas no Brasil", afirma Leonardo Velasco Rondon, economista que estudou, em seu mestrado, os anuários das universidades paulistas, além de outros indicadores cedidos pelo Ministério da Educação, para acompanhar o desempenho do modelo de autonomia universitária, baseando-se, em especial, nos dados apresentados pela Unicamp. Sob orientação do professor Mário Ferreira Presser, a pesquisa aconteceu de janeiro de 2001 a setembro de 2002, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e constatou que o novo sistema trouxe vários benefícios às universidades estaduais. Segundo a pesquisa do economista, entre 1995 e 1998, o orçamento da Unicamp cresceu 35%. Já nas federais, o aumento foi apenas de 7%, durante o mesmo período. Mais vagas na graduação e na pós-graduação, além de melhorias na infra-estrutura, também foram verificados com o início da autonomia universitária.

Apesar dos avanços, Velasco considera que algumas correções ainda precisam ser feitas. "O elevado comprometimento do orçamento das universidades estaduais com o pagamento de pessoal representa um risco à qualidade dos serviços prestados pelas instituições e, até mesmo, à sobrevivência delas", alerta o economista. Ele conta que, em 2002, o comprometimento com a folha de pagamento na Unicamp foi de aproximadamente 90%. "Seria desejável a criação de mecanismos que, respeitando a autonomia das universidades, pudessem evitar situações desse tipo", enfatiza. Os aposentados e os gastos com o setor de saúde consomem uma parcela importante do orçamento das estaduais, o que limita a expansão dos quadros de funcionários e professores ativos e, inclusive, dos seus salários.

A prioridade atribuída pelas três universidades paulistas às atividades de pós-graduação é outro aspecto que, segundo Velasco, deveria receber alguns ajustes. Isso porque, entre 1989 e 1999, o número de alunos matriculados em cursos de graduação na Unesp, USP e Unicamp cresceu 28,2%, enquanto o número de pós-graduandos cresceu 97,7%. "Aceitando-se a tese de que a maior demanda da sociedade paulista é a criação de vagas na graduação, os números permitem questionar até que ponto as universidades estão sintonizadas com os anseios da população", opina o pesquisador.

Outro dado importante da pesquisa é a baixíssima participação das instituições federais no conjunto de matrículas de terceiro grau no estado de São Paulo. Em 1998, essa participação foi inferior a 1%. "O MEC, de certa forma, sentiu-se desobrigado de investir no ensino superior de São Paulo em virtude dos investimentos feitos pelo governo estadual. Essa postura não é razoável, porque cabe ao governo federal a responsabilidade principal pelo financiamento do ensino superior".

Federais X estaduais
A pesquisa de Velasco estabeleceu ainda comparações entre os orçamentos das universidades federais e das estaduais paulistas. De 1995 a 1998, as universidades federais apresentaram uma significativa deterioração na sua situação financeira. A escassez de recursos do conjunto das federais reduziu em 82% as suas despesas de capital, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea). "Essa modalidade de despesa é essencial para a manutenção da qualidade dos serviços prestados por uma instituição de ensino superior", diz o economista, que ainda defende o modelo de autonomia administrativa das universidades paulistas afirmando que "ao vincular o orçamento das instituições à arrecadação de ICMS, impediu que o governo estadual fosse tentado a seguir o exemplo da União, utilizando as instituições públicas de ensino superior como instrumento de política fiscal".

Nelson Cardoso Amaral, professor de física da Universidade Federal de Goiás, estuda o orçamento das universidades federais desde o início dos anos 90, e seu doutorado em educação, defendido no ano passado na Universidade Metodista de Piracicaba, também mostra a queda do orçamento das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) após a Constituição de 1988. Segundo as pesquisas de Amaral, o orçamento das 52 instituições federais de ensino superior caiu de R$ 9,427 bilhões para R$ 7,272 bilhões entre 1989 e 2000, contrariando os dados apresentados pelo MEC referentes ao período de 1995 a 2001 - muito mais otimistas e, inclusive, indicando elevação no investimento feito nas federais. Segundo o pesquisador, os dados do MEC não teriam sido corrigidos pelo IGP-DI nem comparados com o PIB, como se não existisse inflação ou desvalorização da moeda durante o período avaliado.

A autonomia administrativa poderia assegurar a sobrevivência das Ifes. O orçamento atual é pequeno para manter todas as atividades das instituições, que acabam deterioradas, assim como os salários dos professores e servidores e as condições de trabalho (departamentos, salas, laboratórios e bibliotecas). Elas também têm sofrido a falta de bolsas para a pós-graduação, advindas de agências federais de fomento à pesquisa, como da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do CNPq. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) é a instituição que tem contribuído para livrar as estaduais paulistas desse fiasco em financiamento de bolsas e pesquisa, independente da diminuição de recursos federais.

Autonomia política
O sistema de autonomia universitária vai além dos aspectos financeiros. Ele também garante às universidades o direito de tomar decisões políticas sem a intervenção direta do poder público. Exemplo do que esse sistema poderia evitar foi o que aconteceu recentemente na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), que recebeu intervenção do governo Germano Rigotto (PMDB) para a substituição do reitor e de quatro pró-reitores.

(SN)

 
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Atualizado em 10/02/2003
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