Editorial:

O mistério da impiedade
Carlos Vogt

Reportagens:
Violência e Segurança: questões de Política
Um novo cotidiano para as favelas cariocas
Sociedade se mobiliza contra a violência
Penas alternativas e dignidade humana
Mídia dramatiza a violência
TV não provoca comportamento violento
Violência extrema pode ter causas biológicas
Artigos:
O desafio da violência
Gilberto Velho

A Guarda Municipal e a Segurança Públical
Eliezer Rizzo

Guerra e Paz refletem a natureza dupla do homem
Ulisses Capozolli
Trabalho, pobreza e trabalho intelectual
Carlos Vogt
Bitita
Carolina Maria de Jesus
O Bolsão ou A Vida
Eni Orlandi
Poemas:
A Edificação do Ódio
Carlos Vogt
Parábola de Mulher
Carlos Vogt
Bibliografia
Créditos
 

Mídia dramatiza a violência, dizem pesquisadores

A violência, enquanto fato jornalístico, está sempre presente na grande imprensa, como no caso dos conflitos entre israelenses e palestinos, no Oriente Médio, ou do assassinato do presidente norte-americano John Kenedy, nos EUA. Além disso, alguns programas de TV, como o Linha Direta, da Globo e o Cidade Alerta, da Record, são inteiramente voltados para a violência urbana cotidiana. Eles tiveram um precursor no rádio com o apresentador Gil Gomes. Pesquisas acadêmicas sobre a veiculação da violência nos meios de comunicação apontam para uma dramaticidade exagerada e para uma manipulação da informação.

Em junho deste ano, o jornal Folha de São Paulo e a editora Rocco promoveram um evento para lançamento do livro Linguagens da Violência, com um debate sobre o assunto. A pesquisadora Elizabeth Rondelli, do Núcleo de Estudos e Projetos em Comunicação da UFRJ, é uma das organizadoras do livro. Na análise da cobertura dos fatos violentos pelos meios de comunicação, ela concluiu que os que mais causam comoção na opinião pública envolvem a participação da polícia. Os exemplos que a pesquisadora apresenta são as chacinas no presídio de Carandiru, em São Paulo, quando 111 presos foram mortos por policiais em 1992, e na Candelária, no Rio de Janeiro, quando policiais mataram oito meninos de rua em 1993.

Além disso, ela afirma que os meios de comunicação operam como macrotestemunha social e dão uma visibilidade exagerada da violência para o público. "A mídia interfere no fato, dramatiza e exagera na cobertura do episódio violento", observa Rondelli.

Um dos debatedores convidados para o evento foi o sociólogo Túlio Kahn, docente da USP e coordenador de pesquisas do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud). Ele apresentou dados de pesquisas do Ilanud, segundo as quais, a escolha do tema das páginas policiais da Folha de São Paulo e do Jornal do Brasil estariam influenciando na relação do leitor com a violência. Segundo Kahn, 10% das notícias policiais daqueles jornais, de 97 a 98, abordavam sequestros; e pesquisas de opinião pública revelam que, mesmo em camadas mais baixas da população, o medo de sequestro está entre os maiores. "Existe uma superexploração dos crimes violentos contra a pessoa, como chacinas, homicídios e sequestros", afirma o sociólogo. Ele aponta o exemplo recente da exploração do sequestro de Patrícia Abravanel, filha de Sílvio Santos, acompanhado por milhões de espectadores pela televisão.

"A mídia é uma das mais contundentes formas de se propagar e exaltar a violência", diz o filósofo Robson Sávio Reis Souza, diretor geral da Secretaria Adjunta de Direitos Humanos de Minas Gerais. Ele menciona uma pesquisa feita pela Unesco em 23 países, incluindo o Brasil, cujos resultados mostram que a violência na mídia pode funcionar como compensação de carências em ambientes problemáticos e como fator de emoção onde não há problemas. Segundo o filósofo, a mídia, que deveria espelhar as contradições e conflitos na sociedade, banaliza a informação. "Dois terços da humanidade vivem na miséria, que é uma das mais cruéis formas de violência", afirma Souza. "A onipresença da violência na mídia estimula muito mais as ações violentas para a resolução de simples conflitos cotidianos do que atos pacíficos e de respeito aos outros e a si mesmo", conclui.

Os programas de TV que se dedicam exclusivamente à veiculação da violência urbana no Brasil têm atingido altos índices de audiência. Segundo uma pesquisa do Ilanud, de todos os programas do gênero, o Cidade Alerta, da TV Record, é o noticiário que trata a criminalidade com mais sensacionalismo. Antes do Cidade Alerta, a emissora já havia colocado no ar, até 1988, a versão televisiva do Programa Gil Gomes.

Uma pesquisa de mestrado de Maria Tereza da Costa, analisou esse precursor dos programas policiais da televisão: o Programa Gil Gomes, da rádio Record de São Paulo. A pesquisa, posteriormente publicada no livro O Programa Gil Gomes - A Justiça em Ondas Médias, também faz uma análise da receptividade do público, através de cartas dos ouvintes. "Esse não é um programa policial comum", comenta a pesquisadora. "Ele cria uma história e a dramatiza a partir de crimes do cotidiano". Segundo ela, o apresentador reveste de ficção a realidade vivida por pessoas das classes populares, ao recontar de forma melodramática o cotidiano que as envolve. As cartas de ouvintes como donas de casa, empregadas domésticas, presidiários e policiais, além de mostrar indignação pela crescente criminalidade urbana, buscam opinar sobre as possíveis causas da violência. A pesquisa mostra que alguns ouvintes vêem a violência como um ato de revolta contra a desigualdade social, e outros, como uma estratégia de sobrevivência.

 

História

Na evolução histórica da mídia, a cobertura de atos e conflitos violentos, assim como todo fato jornalístico, tornou-se cada vez mais tempestiva e de maior alcance de público. Até a Primeira Guerra Mundial, os correspondentes mandavam as notícias para os jornais por correios ou telégrafos. Na Segunda Guerra, o grande veículo de comunicação era o rádio. Conflitos posteriores como a Guerra do Vietnã e a Guerra do Golfo foram acompanhados por milhões de espectadores pela televisão. A tempestividade da informação sobre violência atingiu o seu apogeu quando internautas de todo o mundo acompanharam, em transmissão praticamente simultânea, os atentados terroristas de 11 de setembro deste ano, nos EUA.

Um século antes de a rede de TV norte-americana CNN fazer a cobertura ao vivo da Guerra do Golfo, jornais brasileiros mandaram correspondentes para cobrir, no calor dos acontecimentos, o conflito de Canudos, no sertão da Bahia. A Guerra de Canudos teve grande repercussão no país, nos jornais de 1897. Ela foi posteriormente retratada no livro Os Sertões, cujo autor, Euclides da Cunha, havia sido enviado à Bahia para cobrir o conflito pelo jornal O Estado de São Paulo. A pesquisadora Walnice Nogueira Galvão, professora de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP, fez uma análise das formas de representação desse conflito em alguns jornais da época. Segundo ela, vários relatos eram sensacionalistas e poucos eram ponderados. "Por sinistro que pareça, a Guerra de Canudos também foi motivo para a produção de farta cópia de material jornalístico no estilo da galhofa", afirma a pesquisadora. Pela sua análise, publicada no livro No Calor da Hora - A Guerra de Canudos nos Jornais, tanto as representações galhofeiras quanto as sensacionalistas revelam manipulação de opinião e informação tendenciosa. A pesquisadora diz que jornais como O País, do Rio de Janeiro, por exemplo, tratavam o conflito como uma revolução monarquista contra a República recém-proclamada.

(RC)

 

Atualizado em 10/11/2001

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2001
SBPC/Labjor
Brasil