Transição energética demanda escolhas políticas, além de tecnologia

Entre promessas de energia limpa e disputas por justiça social, pesquisadores apontam que a adaptação demanda governança democrática

Por Rodrigo Giacopini

A crise climática deixou de ser uma previsão distante para se tornar realidade. O Brasil, país marcado pela abundância de recursos naturais e por forte desigualdade social, enfrenta de forma intensa os efeitos de eventos extremos, como secas prolongadas, enchentes e ondas de calor. Nesse cenário, a adaptação não é apenas necessária, mas urgente. E a questão que se impõe é como o país tem se preparado para responder a esses desafios especialmente no campo energético, fundamental para sustentar o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, reduzir impactos ambientais.

Jean Carlos Hochsprung Miguel, sociólogo com ampla experiência em estudos sociais da ciência e da tecnologia, tem se dedicado a investigar como as dinâmicas de transição energética se configuram no Brasil, em especial no setor elétrico. Em sua pesquisa, ele analisa as redes de governança que envolvem a energia solar, buscando entender como a participação de diferentes atores – desde empresas até comunidades locais – influencia os rumos da transição.

Segundo Miguel, a adaptação climática não pode ser reduzida a uma questão técnica ou de inovação tecnológica. “A transição energética é um processo sociotécnico, em que tecnologia e sociedade evoluem de forma conjunta. Por isso, compreender como redes de governança são formadas é essencial para identificar quem tem voz, quem participa e quem é excluído na definição dos caminhos do setor elétrico”, explica. A energia solar, cada vez mais presente na matriz brasileira, surge como um campo privilegiado para analisar disputas e oportunidades. Democratizar seu acesso, segundo ele, é um passo decisivo para tornar a adaptação mais justa e inclusiva.

Se de um lado as redes de energia solar apontam para novas possibilidades, de outro, a transição energética expõe conflitos sociais e territoriais. É nesse ponto que entra a pesquisa de Alexsander Fonseca de Araujo, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Seu trabalho se volta para o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) e para a forma como os movimentos sociais têm atuado na construção de alternativas de transição. “A justiça climática e energética precisa ser o eixo central das políticas de adaptação. Sem ela, corre-se o risco de ampliar desigualdades e perpetuar a exclusão das populações mais vulneráveis”, destaca.

Para Araujo, a experiência dos atingidos por barragens revela os limites de uma transição que se baseia apenas em grandes obras centralizadas. Esses projetos, embora forneçam energia, também geram impactos sociais profundos, como deslocamentos forçados, perda de territórios e degradação ambiental. Em contraposição, o movimento social busca pautar modelos descentralizados e participativos, que considerem o direito das comunidades à energia limpa, acessível e justa. “Não se trata apenas de mudar a fonte energética, mas de transformar as relações de poder que estruturam o setor”, afirma.

Apesar de partirem de objetos distintos, as pesquisas de Miguel e Araujo – ambos pesquisadores do Laboratório de Estudos sobre Mudança Tecnológica, Energia e Meio Ambiente (Labmem) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp – convergem em um ponto crucial: a transição energética é inseparável da adaptação climática e precisa ser entendida como processo político, social e tecnológico. Ambos apontam que participação e democracia são condições fundamentais para que a adaptação brasileira seja sustentável e não reproduza assimetrias históricas.

O futuro da adaptação no Brasil dependerá, portanto, de escolhas coletivas. O país possui vantagens comparativas, como uma matriz já relativamente limpa e vasto potencial em fontes renováveis, mas enfrenta também riscos de concentração de poder e de agravamento das desigualdades. Transformar a crise em oportunidade exigirá ampliar o diálogo entre ciência, sociedade civil e governos, garantindo que a transição energética seja não apenas eficiente, mas também justa.

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