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Cooperação é forte no desenvolvimento de software livre

Soluções emergem da interação e participação de uma comunidade fortemente mobilizada. Assim ocorre o desenvolvimento de softwares livres, da integração de um grupo ao redor de uma necessidade em comum, conglomerando pessoas de diversas partes do mundo em torno de um mesmo projeto. Nesse contexto, a pesquisa em software livre no Brasil não fica necessariamente concentrada em universidades ou instituições de pesquisa.

A qualidade dos softwares produzidos, geralmente por uma comunidade de usuários/desenvolvedores, pode ser avaliado por um conjunto de indicadores de relevância, como os descritos no relatório de atividades do pesquisador da USP, Francisco Reverbel. A existência de uma comunidade ativa de participantes, que tenham capacidade e disponibilidade para oferecer contribuições efetivas é essencial no ciclo de vida de um software livre. Os projetos mais relevantes costumam ter um tamanho entre cem mil e um milhão de linhas de informações no código fonte. Esses precisam possuir um número expressivo de usuários que além de gerarem uma re-alimentação vital para o ciclo evolutivo do projeto, indiquem também que o mesmo atende a uma necessidade real, ultrapassando o estágio de protótipo. O número de usuários de um software é geralmente estimado de maneira indireta à partir de indicadores como o número de downloads e o tráfego em listas de usuários. Na idade adulta, esses softwares podem inclusive tornarem-se assunto de livros e estimular o desenvolvimento de empresas que comercializam serviços de apoio aos usuários.

Singularidades da pesquisa no Brasil
Quais as características do desenvolvimento dos projetos em softwares livres? Quais ferramentas são utilizadas ? Que atividades de engenharia de software levam ao alto grau de qualidade apresentado pelos softwares desenvolvidos pela comunidade livre?

A busca por essas informações motivou uma pesquisa desenvolvida na Universidade de São Paulo (USP), no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação de São Carlos. A pesquisa foi realizada durante o projeto de mestrado de Christian Reis, sob a orientação da pesquisadora Renata Pontin de Mattos Fortes.

A pesquisa consistiu em um levantamento de dados realizado com aproximadamente 600 integrantes da comunidade de desenvolvedores/usuários de software livre e levou à constatação de que não existe um único ciclo de vida para todos os projetos com software livre. O perfil dos grupos de trabalho em software livre do Brasil, diagnosticado pela pesquisa foi a de pequenos grupos, compostos por cinco indivíduos em média que, em geral, também são usuários. As pessoas que participam desses grupos têm motivações pessoais em relação aos objetivos do projeto, com uma comunicação em rede bastante desenvolvida enquanto os grupos costumam apresentar também componentes com mais de cinco anos de experiência.

Além de levantar o perfil dos grupos de desenvolvedores de softwares livres brasileiros, a pesquisa de Reis detectou que o trabalho de engenharia de requisitos envolvido no desenvolvimento desses softwares é freqüentemente facilitado por trabalhos anteriores, desenvolvidos por outras equipes ou por padrões de código fonte herdados de outros projetos.

"A própria equipe já dá um retorno para que os requisitos novos sejam atendidos, esse é um motivador importante", informa a orientadora da pesquisa. Ela também explica que empresas e organizações têm investido na contratação de desenvolvedores de software livre e, em alguns casos, até iniciado projetos próprios. Para ela, esse é um aspecto interessante, assim como os freqüentes encontros de desenvolvedores (fóruns) que acabam contribuindo ainda mais para aproximar os membros dessas comunidades.

A quantificação da pesquisa formal e informal em software livre no Brasil, entretanto não está completamente mapeada até agora. Atualmente o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, ITI, órgão vinculado à casa civil da Presidência da República, está conduzindo diversas ações importantes para um levantamento do status do uso de software livre no país. Um desses trabalhos está sendo encaminhado pela Sociedade para Promoção de Excelência do Software Brasileiro - SOFTEX- e procura medir o impacto e o uso de software livre no Brasil, visando nortear o planejamento de futuras ações no setor.

Alavancando as pesquisas
Compõem o cenário atual, extremamente favorável ao desenvolvimento de softwares livres no país, os recentes financiamentos governamentais para o desenvolvimento de pesquisas e o incentivo à utilização de plataformas livres em órgão públicos, aliado à economia de recursos públicos propiciada pelo não pagamento de licenças de softwares proprietários, e a possibilidade de utilização e desenvolvimento de softwares livres em programas de inclusão digital, além de uma forte comunicação entre desenvolvedores, seja pela internet ou em fóruns.

Os recentes incentivos financeiros para a pesquisa em software livre vieram, principalmente, de duas agências financiadoras: o CNPq e a Finep. O Ministério da Ciência e Tecnologia investiu R$ 4 milhões, através da Financiadora de Estudos e Projetos - Finep - em projetos de inovação em software livre. Já o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) investiuR$ 2, 3 milhões, oriundos do Fundo Setorial de Informática - CT-Info- em seu Programa de apoio à Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico em Software Livre.

Segundo Fernando Deschamps, do Departamento de Automação de Sistemas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), "o forte financiamento governamental, via FINEP e CNPq , o fomento à utilização de software livre pelo poder público, aliados a uma demanda já existente na comunidade de desenvolvedores, são peculiaridades da pesquisa brasileira"

Deschamps acredita também que o uso e a disseminação do software livre são fundamentais no processo de inclusão digital justamente por permitir que se ensine o conceito de informática mais do que propriamente o uso de um programa de computador específico, dentro de um modelo já bem sucedido como o dos Telecentros da cidade de São Paulo, que são espaços públicos para a utilização de computadores geralmente localizados nas regiões do município de menor índice de qualidade de vida.

O grupo de pesquisa de Deschamps trabalha atualmente no desenvolvimento de ferramenta gráfica para a verificação e implementação de sistemas de controle de qualidade de processos industriais, conhecido como projeto Harpia. O grupo também vem desenvolvendo uma biblioteca de processamento de imagens que "pode ser utilizada por qualquer pessoa, grupo de pesquisa ou empresa que queira desenvolver um software livre e que precise de funcionalidade na área de processamento de imagens e visão computacional".

Deschamps informa ainda que já existem algumas empresas interessadas em tornarem-se usuárias desse aplicativo, para as quais seria então fornecido o serviço associado à instalação e ao treinamento de pessoal para a utilização do software. "Nesse caso o produto não seria mais o software, mas sim o conhecimento" acredita o pesquisador.

Apoio estratégico à pesquisa nacional
Para Deschamps o conhecimento, a produção e a disseminação do uso de softwares de plataforma livre pelas universidades, além de outros órgão públicos, torna-se um ponto estratégico para esse tipo de pesquisa, uma vez que o desenvolvimento de softwares livres permite atingir um dos mais importantes objetivos das universidades, o de produção de conhecimento e tecnologias disponíveis para o maior número possível de pessoas. "Nós utilizamos recursos públicos, na maior parte das vezes, em nossas pesquisas e o software livre permitem que você o disponibilize para ser estudado também por outras pessoas, na medida em que disponibilizamos em rede o código fonte".

Pesquisas de grande importância também vêm sendo desenvolvidas pela equipe do pesquisador do Departamento de Ciência da Computação da USP, Francisco Reverbel. O pesquisador colaborou ativamente no desenvolvimento do JBoss, um poderoso servidor de aplicações, que está se tornando o padrão de mercado para o nicho da linguagem Java, a mais utilizada atualmente em programação de software de grande complexidade. O pesquisador defende também que a pesquisa em softwares seja vinculada ao desenvolvimento de sistemas reais, para que se torne uma atividade reconhecida no âmbito acadêmico.

Dentre as universidades brasileiras que têm participação no desenvolvimento de software livre, destaca-se hoje a Univates, instituição comunitária de ensino superior localizada em Lajeado no Rio Grande do Sul e que possui a maioria esmagadora de suas atividades administrativas baseadas em softwares livres desenvolvidos por sua equipe. Esses mesmos softwares, conhecidos como SAGU e GNUTECA são hoje utilizados em diversas outras universidades, públicas e particulares, tanto no Brasil como no exterior.

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) tem apoiado fortemente também o uso de software livre. Existe no Centro de Computação uma equipe de estudo, desenvolvimento e fomento para a utilização de software livre, sob a coordenação de Rubens Queiroz. O grupo já desenvolveu vários aplicativos livres, sendo que os de maior destaque são a biblioteca digital da Unicamp (sistema Nou-Rau) e o sistema Rau-Tu de Perguntas e Respostas (leia nesta edição artigo sobre o sistema Nou-Rau).

Para incentivar o uso do software livre, a Unicamp hospeda também o site Código Livre, uma iniciativa nascida na Univates e que hoje é realizada em parceria por uma equipe técnica de membros da Univates e da Unicamp. O coordenador do grupo da Unicamp, Rubens Queiroz informa que estão hospedados nesse serviço 741 projetos, com cerca de 5941 usuários registrados. "Essa é uma importante iniciativa de fomento ao desenvolvimento e uso de software livre", acredita Queiroz.

Aplicações e desafios da pesquisa
Uma importante aplicação das pesquisas em software livre seria a possibilidade da sua aplicação em empresas, pois poderiam incentivar a competitividade das indústrias nacionais, já que os sistemas baseados em softwares proprietários são extremamente custosos e de difícil utilização e manutenção. "O nosso objetivo é exatamente primar pela distribuição gratuita do software, deixando-o disponível em rede. Para isso, planejamos os softwares para que sejam de fácil utilização, aumentando a sua disseminação" conta o pesquisador UFSC, Fernando Deschamps.

Entretanto, a utilização de plataformas livres de desenvolvimento de softwares não é um fato recente. No Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) essas ferramentas são utilizadas há mais de 10 anos. O diferencial é que antes, as ferramentas livres eram utilizadas mais especificamente para o desenvolvimento de produtos e soluções, que eram então disponibilizadas em plataformas proprietárias aos clientes/usuários. Atualmente, esse quadro tem se alterado devido a uma demanda dos próprios clientes, que pedem que o produto final seja disponibilizado em plataforma livre, em função da diminuição de custos propiciada pelo não pagamento das licenças de softwares proprietários. "Nos últimos dois anos a demanda por softwares livres aqui no CPqD começou a ficar muito forte, em função também de uma tentativa de se adequar às diretrizes do governo. No começo, as ferramentas livres eram utilizadas mais para o desenvolvimento, hoje em dia, devido a uma demanda dos próprios clientes, elas já fazem parte do produto final. O CPqD usa atualmente apenas plataformas livres, o cliente final é quem decide se o aplicativo vai rodar em plataforma livre ou proprietária", informa Gustavo Chaves, analista de sistemas do Centro.

(LZ)

Para saber mais sobre projetos aprovados:

pelo CNPq

pela FINEP

 
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Atualizado em 10/06/2004
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